Interdição de São Januário afeta negativamente comerciantes e ambulantes
Não são só o Vasco e o seu torcedor que sofrem com os jogos do clube sem torcida, os comerciantes e ambulantes dos arredores de São Januário também vem amargando prejuízos e deixando de arrecadar boas quantias com a sequência de partidas com o estádio vazio. Neste domingo (6), contra o Grêmio, às 16h, o Cruz-Maltino tem mais um jogo sem público na Colina. Em meio a polêmicas com o Tribunal de Justiça e acusações de elitismo, os trabalhadores da região terão mais uma tarde de pouca arrecadação na Barreira do Vasco e nos arredores.
Nos dois jogos anteriores, contra Cruzeiro e Athletico-PR, a Trivela esteve presente em São Januário e conversou com ambulantes e comerciantes para entender o tamanho do prejuízo com as arquibancadas vazias. E todos foram unânimes em dizer os dias de partidas do Vasco certamente são os dias em que mais arrecadam. Para alguns, uma tarde ou noite de jogo equivale ao restante da semana de trabalho.
O dono de um bar nas proximidades da entrada social do estádio, que preferiu não se identificar, disse que já teve dia de jogo do Vasco em que arrecadou dez vezes mais do que nos dias “normais”. Um ambulante que vende camisas, bonés e outros itens do Vasco revelou que lucra cerca de R$ 1,5 mil por dia de jogo em São Januário.
Lucimar, dona do quiosque “Gelada no Bafo”, que fica na Avenida Roberto Dinamite, lamentou a ausência de público. Lu, como é conhecida, apontou para outro setor que também sofreu com os dias de jogos sem público: os depósitos de bebidas da região. Sem torcida, os ambulantes e pequenos comerciantes deixaram de comprar os itens para revender.
— Com certeza tem prejuízo. Com público, a gente planeja duas semanas antes, investe. Sem torcida, a gente nem investe. No meu freezer não tem nada. É mercadoria parada. Vou investir sem público? O público faz uma grande diferença — disse Lu.
Para Pezão, que vende batata frita em uma carrocinha perto da Barreira do Vasco, os dias de jogo representam lucro cinco vezes maior do que nos outros dias. Assim, é claro, ele também lamentou a ausência do público:
— Com torcida a gente faz um dinheiro bom. Os caras vem aqui, gastam direitinho. É bom para caramba — disse Pezão.
Comerciantes também reclamam da confusão que gerou punição ao Vasco
O último jogo do Vasco com público como mandante aconteceu no dia 22 de junho, em São Januário, contra o Goiás. Após mais uma derrota, que acabou culminando com a demissão do então técnico Maurício Barbieri, torcedores do Vasco arremessaram rojões, latas, copos e outros objetos em direção ao gramado. A Polícia Militar, então, respondeu com tiros de bala de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e gás de pimenta a esmo, começando uma grande confusão nas arquibancadas.
O tumulto também foi grande fora de São de Januário, o que já causou prejuízo a alguns comerciantes e ambulantes. Sem falar, é claro, no risco em meio ao cenário de violência e vandalismo. Silvio de Souza, que vende camisas, bonés e outros itens do Vasco, estava nos arredores do estádio e lembra do desespero com o que aconteceu.
— Achei uma tristeza muito grande. Eu estava aqui no dia da confusão e quase morri. Não foi brincadeira. Muita tristeza mesmo. Para a gente que vive aqui, que vive desse trabalho de camelô, é muito triste. Não tem nada a ver, o jogo é lá dentro. Se pensassem um pouco, não fariam. Isso faz muita gente ficar desempregada, não poder levar o pão pra casa. O pessoal faz no momento, sem pensar, e acontece isso. Muito triste. Prejudica todo mundo, o comércio, as pessoas e o clube — disse Silvio.
Pezão, do “La Casa da Batata”, também presenciou as cenas depois do jogo com o Goiás e já ficou no prejuízo naquele mesmo dia.
— Última vez que aconteceu isso deu prejuízo para caramba. Na confusão quebraram quatro cadeiras, mesa… Assim (sem torcida) fica mais tranquilo, mas com torcida vem o dinheiro — disse o comerciante.
Vasco também tem prejuízo com jogos sem torcida
Até o momento, o Vasco teve três partidas sem torcida como mandante. Com São Januário interditado preventivamente pelo STJD e pelo Tribunal de Justiça logo depois da confusão, o jogo contra o Cuiabá aconteceu no Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador. Nesse caso, o Cruz-Maltino já saiu perdendo por ter que pagar R$ 35 mil pelo aluguel do estádio.
Depois, São Januário foi liberado, mas ainda sem público. Assim, o clube também teve prejuízos contra Cruzeiro e Athletico-PR. Na soma dos três jogos que o Vasco teve sem torcida, até o momento o clube teve prejuízo de R$ 355.812,60. Esse valor vai ainda vai aumentar neste domingo, contra o Grêmio.
- Vasco x Cuiabá: R$ – 153.774,93
- Vasco x Cruzeiro: R$ – 100.539,35
- Vasco x Athletico-PR: R$ – 101.498,32
Contra o Goiás, por exemplo, quando São Januário recebeu 17.229 pagantes, o Vasco arrecadou R$ 95.969,53. Já contra o Santos, na 6a rodada, também na Colina, com 19.108 pagantes, o clube teve R$ 206.723,82 como renda.
Entenda a situação do Vasco na Justiça
Logo após a confusão na partida contra o Goiás, São Januário foi interditado preventivamente tanto pelo STJD como pelo Tribunal de Justiça do Rio e Janeiro. Depois, o TJ liberou o estádio para receber eventos esportivos, mas sem torcida. Em paralelo, o STJD julgou o clube e o puniu com quatro jogos sem público.
Na última semana, no entanto, o Vasco conseguiu um efeito suspensivo parcial no STJD, que liberou o clube para vender ingressos para mulheres (não ligadas a torcidas organizadas), crianças até 12 anos e pessoas com deficiência para a partida contra o Grêmio. Assim, o clube também entrou com um recurso no TJ para poder receber o público em São Januário. No entanto, a desembargadora Renata Machado Cotta manteve o estádio fechado. Segundo a relatora, “seria leviano concluir pela impossibilidade total de que mulheres ou pessoas portadoras de alguns tipos de deficiência provoquem tumulto ou venham a confrontar violentamente com torcedores do time rival”.
A interdição do estádio do Vasco se deu por um pedido do Ministério Público. A solicitação foi feita pelo promotor Rodrigo Terra com base no relato do juiz de plantão na partida contra o Goiás, Marcello Rubioli. No relato, Rubioli citou supostos “estampidos de disparos de armas de fogo”, que ocorreriam “comumente” na região. Ele ainda criticou as “ruas estreitas” do local o fato dos torcedores “se embriagarem”.
“Para contextualizar a total falta de condições de operação do local, partindo da área externa à interna, vêse (sic) que todo o complexo é cercado pela comunidade da barreira do Vasco, de onde houve comumente estampidos de disparos de armas de fogo oriundos do tráfico de drogas lá instalado o que gera clima de insegurança para chegar e sair do estádio. São ruas estreitas, sem área de escape, que sempre ficam lotadas de torcedores se embriagando antes de entrar no estádio”, afirmou Rubioli.
Vasco e Associação criticam decisão e defendem comércio local
Neste sábado, o Vasco SAF e o clube associativo publicaram uma nota oficial em conjunto criticando a decisão. No comunicado, as partes dizem que “o Estádio de São Januário e as comunidades localizadas no seu entorno vem sendo alvo de ataques preconceituosos e elitistas”.
“Nosso estádio está sim, e com muito orgulho, localizado na Barreira do Vasco e próximo do Morro do Tuiutí e da comunidade do Arará e isso não gera violência ou traz insegurança para o público”, publicou o Vasco.
“Os prejuízos, desportivos e econômicos, impostos ao Vasco da Gama e às comunidades localizadas no seu entorno são incalculáveis”, diz outro trecho da nota.
No processo que corre no Tribunal de Justiça, o Vasco anexou uma nota da Associação de Moradores da Barreira do Vasco. Nela, a presidente Vânia Rodrigues também aponta o preconceito contra a região em que São Januário está localizado. Além disso, também cita os prejuízos ao comércio local.
“Somos punidos sem sermos ouvidos a partir de uma visão distorcida da realidade que trata da mesma forma todas as comunidades do Rio de Janeiro. Além disso, a AMBV entende que a interdição injustificada do estádio de São Januário causa prejuízos imediatos a todo o nosso comércio local, como bares, restaurantes, vendedores ambulantes localizados na nossa comunidade, pois todos tiram grande parte de seu sustento em dia de jogos em virtude do fluxo de mais de 20 mil torcedores por partida”, disse a AMBV em nota.
Fonte: Trivela