Futebol

Zico revela que quase foi jogar no Vasco no início da carreira

Maior ídolo do Flamengo de todos os tempos, Zico completa seu 60º aniversário neste domingo. Para não deixar passar em branco, o Esporte Espetacular preparou um documentário com base na trajetória do eterno camisa 10 da Gávea, que vai desde a sua infância em Quintino, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro, até os dias de hoje. E inclui passagens marcantes da vida do craque, principalmente das ótimas histórias do pai, seu Antunes, dos irmãos boleiros e de sua chegada à Gávea.

Caçula de um casal com seis filhos, Arthur era o mais protegido. E esse zelo vinha de todos os lados, especialmente por parte do pai. Embora tivesse nascido em Portugal, Seu Antunes nunca quis saber do Vasco, clube da colônia portuguesa no Rio de Janeiro. Vivia com a camisa do Flamengo pra cima e pra baixo, e procurou passar essa paixão rubro-negra para os filhos. O sonho de se tornar jogador foi brecado pelo antigo chefe, que era vascaíno. Zico conta que por isso existia certa contrariedade do próprio pai de que os filhos ingressassem na carreira.

- Ele teve uma decepção muito grande com o futebol. Ele era goleiro e na época tinha o futebol amador e o profissional. E ele sagrou-se tricampeão pelo Clube Municipal, de 39 a 41. Quando foi chamado para treinar no Flamengo, o patrão dele, torcedor do Vasco, ameaçou o emprego dele. Com isso, meu pai indicou Jurandyr, que era seu reserva no Municipal e acabou campeão carioca pelo Flamengo pouco tempo depois - revelou Zico.

Nessa caminhada de perseverança e sucesso, o ídolo colheu diversas histórias curiosas e marcantes. Uma delas foi o surgimento do apelido Galinho de Quintino, criado pelo antigo narrador Waldir Amaral. O codinome aproximou a referência de seus fãs e estreitou o tratamento íntimo de pessoas com quem jamais havia lidado na vida.

- Aqui em casa era o galinheiro da Dona Matilde (mãe de Zico). No nosso almoço de domingo, só ela tinha coragem de dar uma cortada no pescoço. Ninguém tinha coragem. Coincidentemente, eu me tornei o Galinho de Quintino. Foi o Waldir Amaral que começou a me chamar assim, porque ele achava que eu era jovem, cabeludo e corria muito. Aí ele botou esse apelido e pegou. Não tem jeito. Hoje, gente que nunca vi na vida diz: \"Ô, Galo, como é que é? Tá tudo bem?\" - contou.

Por conta dessa fragilidade física, Zico demorou até a ter espaço para jogar. Em contrapartida, ganhou um suporte do Flamengo para fortalecimento muscular. O plano era simples: ganhar corpo para aguentar as divididas do futebol. Com controle alimentar, musculação e força de vontade, o candidato a craque cresceu 11 centímetros e aumentou o peso em 16 quilos em três anos. Foram meses sem jogar, só treinando.

A quase ida para São Januário

Em meio a uma rotina cansativa de treinos conciliados com o colégio, a dificuldade financeira e a falta de amparo momentâneo do Flamengo com a joia que estava sendo lapidada quase afastaram o Galinho da Gávea. E o mais impactante era a possibilidade de transferência para o Vasco, o maior rival. Não fosse a paixão de seu Antunes pelo Rubro-Negro, o destino de Zico poderia ter sido São Januário.

- Eu treinava pela manhã e tinha que estudar no Centro. E depois do treino, eu tinha que ter um almoço. Mas o Flamengo não queria ter essa despesa. Eu estive pra sair do clube por causa de um almoço. O Célio de Souza, que era meu técnico, tinha ido para o Vasco, levou três jogadores e queria me levar também. Meu pai tinha problemas com o Vasco e eu não fui por causa disso - declarou.

O salvador da pátria do Flamengo neste episódio foi o então dirigente George Helal, que posteriormente virou presidente do clube. Numa ação que revelava o seu amor pelo clube e a esperança no talento de Zico, Helal usou do próprio esforço para manter o Galinho no terreiro rubro-negro e evitar a mudança de ares para o lado cruz-maltino.

O cartola garantiu a permanência do atleta por mais três anos, dando ao Flamengo o dinheiro necessário para dar suporte a Zico em seu dia a dia. A atitude surgiu como forma de agradecimento por tudo que o craque fazia em campo e, consequentemente, pela alegria que proporcionava. E a recíproca de gratidão também passou a existir.

- O Helal arcou com todas essas despesas. Nós até pensávamos que era o Flamengo quem estava bancando. Mas era ele por conta própria. Eu sou muito grato a ele por isso - disse Zico.

O imbatível Juventude

Uma das passagens da infância que mais emocionam Zico é falar do time de peladas chamado Juventude, que tinha a sua sede vizinha à casa em que vivia. O mais jovem jogador da equipe do bairro de Quintino não se recorda de alguma ocasião que este time do futebol amador carioca tenha sido superado. Os ensinamentos dos irmãos e de outros craques da época colaboraram para a formação de Zico como jogador.

- Eles me botaram de \"gato ao contrário\" para eu poder jogar no time de 14 anos. Não lembro de nenhuma derrota desse time. Tinha Zeca, Nando, Edu, Zico, Puruca, Gil, Zé Mário e Wanderley (Luxemburgo). O Juventude nunca teve técnico. Foi um aprendizado jogar com meus irmãos e outros caras mais velhos. Foi o pontapé para eu seguir a minha carreira. O Juventude me deu velocidade de raciocínio e definição das jogadas. Tentava decidir em um ou dois toques, sem dar tempo para os goleiros e zagueiros se armarem - explicou.

Ao olhar para trás e notar tudo que conseguiu alcançar, da idolatria das pessoas às próprias conquistas, Zico não deixa de agradecer à torcida do Flamengo e faz uma inconfidência: o medo que teve de enfrentar o clube do coração no Mundial de Clubes como treinador.

- É o dever cumprido. Tudo que fiz foi uma troca da minha parte com a torcida do Flamengo. Não consigo trabalhar em um lugar em que eu possa enfrentar o Flamengo. Eu morria de medo de vencer a Champions (pelo Fenerbahçe-TUR ou Olympiacos-GRE) e encarar o Flamengo no Mundial. Desde que mudou a fórmula de disputa, isso poderia acontecer pelo Kashima também. Ficava preocupado com a possibilidade - garantiu.

Para sorte ou azar do Galinho, nem ele nem o Flamengo voltaram a disputar o Mundial depois do título de 1981, quando liderou o melhor time da história do clube a sua maior glória em mais de 100 anos de existência.

Fonte: ge