Unidos pela Argentina, separados pelo futebol
Ao trocar o sol da bandeira pelo calor carioca, imigrantes da Argentina formaram uma colônia. Mas o que une dois argentinos em particular é a dor que nenhum pai gosta de sentir. Seja brasileiro ou não, o que perturba um fanático por futebol é ver o filho escolher outro time. Pior quando têm preferência por Flamengo ou Vasco, adversários de hoje no Maracanã, às 18h10m. Alejandro Dupont é vascaíno de Rosário, cidade onde nasceu Maxi, promessa de ídolo rival.
Para seu desgosto, Ariel, 10 anos, veste com orgulho a camisa do time da Gávea. Jorge Sápia é rubro-negro desde que se tornou carioca, há 30 anos. Gabriel, 25 anos, não puxou o pai: prefere Conca e Dudar, hermanos de São Januário.
- Fizeram mandinga para meu filho virar Vasco. Ele foi cooptado pelos vizinhos e amigos - lamenta Jorgito.
- Prometi presentes, intimidei e até usei psicologia, mas nada. Os tios pressionaram.
E ele virou Flamengo - desabafa Alejandro.
Ídolos argentinos são esquecidos pelos clubes Os dois celebram o crescimento da participação argentina no futebol brasileiro.
Em uma edição do campeonato nacional que registra 23 jogadores estrangeiros, seus conterrâneos são maioria, com sete em diferentes times do país. No Rio, são quatro, dois em cada time. Darío Conca e Emiliano Dudar pelo Vasco; Hugo Colace e Maxi Biancucchi no Flamengo.
- O Maxi é um traidor. Ele é de Rosário, como eu, e deveria estar no Vasco - provoca Alejandro Dupont, um massoterapeuta de 39 anos, que chegou ao Rio em 1988 e adquiriu a febre vascaína depois de casado, por pura implicância. - Meus cunhados são rubro-negros, eu faço oposição.
Professor de sociologia e fundador do bloco carnavalesco “Meu bem, volto já”, Jorgito,53 anos, é rubro-negro clássico.
Torce pelo Flamengo por causa de Horácio Narciso Doval e pela semelhança com a camisa do San Lorenzo, seu time na terra natal. Na primeira vez em que esteve no Rio, em 1972, viu o argentino ser campeão carioca com o Flamengo. De volta ao Brasil definitivamente, em 1976, em busca de refúgio da ditadura em seu país, que começara naquele ano, ficou impressionado com a habilidade de Doval no Posto 9 - e na noite de Ipanema...
- Mandava nas areias. Adorava vê-lo jogar na rede em frente à Rua Vinícius de Moraes - lembra Jorgito. - Era meio malucão, tinha tudo a ver com o Rio daquela época.
Em 1976, Doval estava no Fluminense e marcou de cabeça o gol do título carioca.
Contra quem? Vasco.- Um argentino não deve fazer gols contra o Vasco - reprova Dupont, ainda fascinado com a biografia do goleiro Andrada, também natural de Rosário e que entrou para a história por ter sofrido o milésimo gol de Pelé. O reconhecimento dado a Andrada e Doval pelos torcedores não é o mesmo dispensado pelas diretorias dos clubes.
Nos sites oficiais (www.vasco.com.br e www.flamengo.com.br), o goleiro e o atacante sequer são citados nas galerias de ídolos.
- Argentinos sempre se deram bem na cidade. Rivalidade, só em campo - declarou Jorgito, introduzido no mundo do samba e da bossa nova por Toquinho, Chico Buarque e Carlinhos Vergueiro, companheiros das peladas no final da década de 70.
- Muita coisa mudou. A praia é mais iluminada, mas era mais pacífica. E o futebolarte acabou. Mesmo com todos os argentinos - brinca Jorgito, com irreverência de carioca e sotaque portenho.
O desbunde de Ipanema virou mesmo história. Hoje, moram por lá os comportados Conca e Dudar. Este acabou de ter um filho, Santino, e está na torcida para o herdeiro não virar rubro-negro.