'São Januário pulsa'
Quando se olha para a situação dos quatro grandes do Rio, é natural enxergar o Flamengo num patamar econômico e os outros três em dificuldades técnicas que resultam da crise financeira. Mas na dura caminhada que é o Campeonato Brasileiro para quem não tem tanta capacidade de investir, o Vasco tem um trunfo: um estádio que pulsa. A vitória sobre o São Paulo foi mais uma demonstração de vitalidade de São Januário.
É até justo argumentar que tricolores e alvinegros atuam em estádios maiores, mais difíceis de ocupar. Mas também é nítida a sensação de que este Vasco encheria mais de um São Januário. Mobilizar sua gente parece mais fácil.
Mas há outros aspectos a tratar na tarde em que o Vasco foi claramente superior a um adversário que investe mais e alimenta ambições de título. Um deles, é Talles Magno. É pouco reduzir sua atuação ao gol que abriu o placar. É alentador ver que, à qualidade técnica, este jovem de 17 anos une audácia, invenção, drible. E, ao lhe permitir liberdade de se mover entre a ponta e o centro do ataque, Vanderlei Luxemburgo tira o melhor de Talles. O experiente Juanfran teve tarde difícil.
E é preciso falar do trabalho de Vanderlei Luxemburgo até aqui. Um olhar mais crítico pode até apontar que seu Vasco ainda tem problemas para ter iniciativa, dominar a partir da posse de bola. Mas a identidade de time forte defensivamente e com excelentes e rápidas transições ao ataque após retomar a bola está implantada.
Luxemburgo até surpreendeu ao colocar Raul partindo da ponta direita e buscando se infiltrar entre o lateral esquerdo Léo e o zagueiro Anderson Martins. Por trás, Andrey e Marcos Júnior compunham um meio-campo forte e móvel. Sem a bola, o Vasco fazia um eficiente e agressivo sistema de marcação, em que cada vascaíno buscava o homem que caía em seu setor. Daniel Alves, por exemplo, tinha enorme dificuldade para participar do jogo. A equipe de Luxemburgo acumulava retomadas de bola e corridas rumo ao gol. O jogo já era do Vasco antes de Raniel ser expulso.
Mas o futebol tem suas ironias e o cartão vermelho de Raniel, no lugar de facilitar, quase tornou o jogo mais desconfortável. A vantagem numérica obrigava o Vasco a ter mais bola e iniciativa. O time cedeu espaços e os paulistas criaram mais chances com um a menos. Até surgir outra ironia: o Vasco era melhor, mas chegou ao gol justamente num lance em que, em tese, a superioridade numérica deveria pesar menos: um córner aproveitado por Talles Magno. Luxemburgo, que já acertara ao ganhar velocidade com Rossi, renovou o fôlego do centro do campo com Felipe Bastos. O 2 a 0 foi justíssimo.
Quanto à expulsão, ela reacende o debate sobre o VAR brasileiro. Justa ou não, a decisão foi precedida por um processo típico do intervencionismo que marca o uso da tecnologia no país. O árbitro Anderson Daronco vira o lance e tomara sua decisão. Ficou a sensação de que, por longos cinco minutos de debate, foi convencido pela sala do VAR.
Num momento em que a Premier League inglesa mostra ao mundo uma saudável moderação no uso do monitor, Daronco assistiu a, pelo menos, dez repetições do lance. Aqui, as definições de “erro claro e óbvio”, assim como o conceito de “mínima interferência", são negligenciados.
Para piorar, logo em seguida, surgiu uma anomalia que, no Brasil, é anterior ao vídeo: o temor da compensação. Algo talvez potencializado quando o mau uso da tecnologia conduz a decisões controversas em que o árbitro não parece 100% convicto. Pois Vanderlei Luxemburgo substituiu Henrique simplesmente porque ele tinha cartão. Uma prova do quanto é frágil a confiança no apito.
Fonte: Agência O Globo