Romário fala em entrevista de Edmundo, Eurico e Kléber Leite
A noite da Quarta-feira de Cinzas ardeu em brasas em São Januário. Tanto, que Romário optou por terminá-la numa churrascaria da Barra, após assistir pela TV à vitória do Vasco sobre o Friburguense. Demissionário, o técnico diz que não tem ressentimento. Hoje, ele se encontra com o vice de futebol do Flamengo, Kleber Leite, que afirma ter um projeto para que o jogador se despeça do futebol com a camisa do Flamengo e participe da divulgação da FlaTV. À noite, em entrevista à TV Globo, ele deixou uma “fresta” para voltar ao Vasco: “ Não posso dizer que não vou encerrar a minha carreira no Vasco. Hoje minha cabeça não está voltada para isso. Mas na vida a gente pensa e repensa várias coisas. Às vezes os pais brigam com os filhos. E posso dizer que ele (Eurico) é o meu pai no futebol. A gente teve um desentendimento. Mas daqui a pouco a gente volta”.
Você se arrepende do que fez?
Não, de maneira nenhuma. O que fiz está feito. E, como eu disse antes, sem mágoas, sem ressentimentos. Mas, acabou.
Você não acha que está sendo ingrato com o Vasco e com a torcida?
Ingrato? Eu? Primeiro, é bom lembrar que ninguém paga minhas contas. Portanto, não devo nada a ninguém. Segundo, o que mais sinto pelo Vasco e pelo presidente do clube é carinho e gratidão. E ele sabe que isso eu vou levar por toda minha vida.
O que se comenta é que desde a chegada do Edmundo você passou a ter uma outra postura.
Não tem nada a ver. Isso é coisa de vocês...
O Edmundo seria utilizado nas semifinais da Taça Guanabara?
Não. O plano, traçado por mim, pelo Eurico e pelo próprio Edmundo é que ele seria trabalhado para jogar a Taça Rio.
Existe algum outro motivo que não tenha sido a questão envolvendo a escalação do Alan Kardec?
Não, nenhum. E quem me conhece sabe que sou assim. Não pedi para ser técnico e pus minhas condições para assumir o cargo. Eu cumpri com aquilo que havia combinado...
Mas a discussão em si não te parece pequena para um rompimento definitivo?
Não tem volta, acabou. Eu sei como ele é, e ele sabe como eu sou. Então, para que a gente continue amigo, o melhor que eu fiz foi sair fora. Sei que tinha muita gente querendo que eu ficasse, tenho muitos amigos lá dentro, mas o melhor foi ter feito o que eu fiz.
E o que tem a ver o pedido de demissão do técnico Romário com a rescisão de contrato do jogador Romário?
Ah, depois disso não tem mais clima. Como eu disse, acabou. Vou lá pegar meu material, assinar minha rescisão, contratar um advogado para ver minha situação no STJD e vida que segue...
E o projeto de seu final de carreira pelo clube, o jogo de despedida...
Eu nunca me liguei nisso. Sempre disse que um dia as pessoas vão notar que eu parei. Mas, por enquanto, não posso dizer que parei, entendeu? No momento, até domingo, quero dar uma relaxada. Depois, vou resolver minha situação com o Vasco e procurar um emprego porque tem um bebê aqui em casa que come à beça... (risos)
E como ficam a estátua e camisa 11 imortalizada pelo clube?
De minha parte, fico feliz e grato pelas homenagens que recebi. Mas cabe aos dirigentes e à torcida do clube decidirem o que é melhor para a instituição.
E o futuro do Romarinho no Vasco?
Não quero misturar as coisas. O Romarinho está começando a história dele e fico honrado com o fato de ele estar começando no Vasco. É preciso deixar claro que não estou saindo chateado. Tenho muito carinho pelo clube e torço, de coração, para que tudo dê certo para o Vasco.
Para quem você vai torcer nas finais da Taça Guanabara?
Para o Vasco, claro! Não só nas finais da Taça Guanabara, mas no Estadual. Tenho muitos amigos lá dentro e acho, sinceramente, que os quatro grandes estão mais ou menos nivelados. O Vasco ainda pode surpreender...
E o interesse do Flamengo? Você aceitaria fazer seu jogo de despedida pelo clube rival?
Não existe nada disso, não sei de onde vocês tiram essas coisas.
Kleber Leite (vice de futebol) disse que as portas da Gávea estão abertas para você?
E tem alguma novidade nisso? Há quanto tempo ele já diz isso? Não tem nada...
Mas ele acabou de dizer na Rádio Globo que tem uma proposta para te fazer (sobre um jogo de despedida)?
Ah, é? Então, quem sabe não pinta um trabalhinho para mim... (risos)
O Romário é vascaíno ou rubronegro?
O Romário é América!
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Colecionador compulsivo de gols e polêmicas
Dentre as análises feitas ao longo da carreira de Romário, as mais equivocadas e recorrentes foram as de que o artilheiro acabou e o de que homem estava mudado. Toda vez que assim preconizaram, lá estava ele, entre os beques ou desafetos, para marcar seus gols e território. Em campo, logo chegará o dia em que os arautos baterão no peito com razão, apenas na primeira das previsões.
O fim é inexorável, como a vocação do craque para o combate.
Dono de um modelo de jipe usado na Guerra do Iraque, seu combustível ainda tem alta octanagem. Em 23 anos de carreira, Romário perdeu cabelos e força física, mas conserva a capacidade explosiva para fazer barulho, arrombar portas e sair rompido de onde quer que esteja.
No último Natal, a festa de Zico foi de quase todo o futebol carioca. Ídolos de todas as torcidas, como Edmundo, Roberto Dinamite e Renato Gaúcho estavam presentes ao encontro dos maiores craques do Maracanã nos últimos 30 anos. Romário faz parte desta galeria, mas se recusa a jogar no time do desafeto.
A fronteira entre eles não é marcada só pelo tempo. Na Copa de 86, o ídolo rubro-negro tinha 33 anos e o vascaíno, 20, mas a lesão de um e a indisciplina do outro impediram a formação de uma dupla de sonhos. Um ano antes, um namoro proibido cortou Romário da seleção que seria bicampeã mundial de juniores. Destaque na conquista, Müller jogou com Zico na Copa, enquanto Romário começava sua saga já marcado por gols e confusões.
Desde o seu gol de número 999, feito em março contra o Flamengo, que o artilheiro não é ovacionado em seu maior palco. Apesar do clima natalino, preferiu jogar pelada na praia a ter que estender a mão para voltar ao Maracanã lotado. De braços abertos para a chegada do auxiliar Alfredo Sampaio, exibia a tolerância que vem com a idade, mas não a ponto de pedir perdão nem convite para a festa de Zico: — Aí já é demais.
Dentro e fora de campo, Romário dificilmente recua. Entre companheiros e grandes ídolos do futebol brasileiro, brigou com quase todos, seja de boca ou de mão. Em 1987, trocou tapas com Renato Gaúcho. Sob o comando dele, no Fluminense, bateu na cara de um zagueiro do seu time, Andrei, em pleno jogo. Também já lutou com torcedores e adversários, no treino, na noite e na Justiça. Entre tantas surpresas que reserva, certa vez despejou parentes que moravam num imóvel seu. Noutra, despareceu em viagem misteriosa e foi localizado dias depois num tribunal polonês onde cobrava US$ 8 milhões de um golpista local.
Apesar das rusgas, o bom humor, dele e do brasileiro em geral, acaba transformando tudo em piada. Pelé sempre fala de Romário com carinho, embora este tenha preferido vê-lo em silêncio: — Pelé calado é um poeta — disse, irado com um comentário sobre sua aposentadoria. O rompimento com o Vasco mostra que ninguém pode dizer o que Romário deve fazer. Individualista, seus amigos no futebol são tão poucos, que Eurico Miranda era um deles. Mas a fidelidade entre os homens não resistiu à chegada do Animal, Edmundo. No mundo canino, quanto menor o bicho, maior é capacidade de arrumar confusão. Romário detesta cachorro mas, guarda certa semelhança com aqueles de tamanho reduzido e valentes, como ele. Diferentemente dos animais, que apenas ladram, o veterano morde. Exatamente onde a presa é mais frágil.
Talvez por isso, aos 42 anos não tenha um clube como abrigo, mas resta uma canção, feita pela torcida do Flamengo, que ainda serve para torná-lo atual e para desmentir os que apontaram o fim do craque e a pacificação do homem.
Quando pensam que o desafiador do tempo e dos homens saiu de cena, Romário vem aí e o bicho vai pegar.