Futebol

Rodrigo Caetano relembra dificuldades dos tempos de jogador

Em uma nação onde 16,27 milhões de pessoas vivem em situação de extrema pobreza, as cifras astronômicas do chamado \"mercado da bola\" seduzem jovens que vislumbram no esporte uma das poucas chances de desfrutar de uma vida cercada de luxos. Pura ilusão. A crença popular de que jogador de futebol ganha uma fortuna está longe de corresponder à realidade da maioria dos que atuam profissionalmente no país. Ao contrário, a estes está reservada uma dura luta pela sobrevivência.

De acordo com levantamento realizado pelo Departamento de Registros e Transferências da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), aproximadamente 3% dos filiados à entidade ganham mais de 20 salários mínimos. A maior parte, cerca de 80%, recebe até dois salários mínimos, e destes, pouco mais da metade recebe apenas um salário mínimo.

Se as estatísticas a respeito da remuneração não fossem o bastante, fatores como o desemprego e a não oficial, embora conhecida, interferência de dirigentes e empresários na escalação dos times tornam as perspectivas para os atletas ainda mais assustadoras. Dentro deste cenário, em que pouquíssimos conseguem alcançar o sucesso desejado, muitas são as histórias de frustração e arrependimento.
Jogar para um Maracanã lotado: sonho de muitos, feito de poucosJogar para um Maracanã lotado: sonho de muitos, feito de poucos

Este é o caso de Diego Oliveira. Atualmente com 24 anos, ele decidiu largar o futebol em 2008 depois de se dedicar ao esporte desde a infância. Meia esquerda habilidoso - segundo o próprio -, passou pelas divisões de base do Flamengo e Botafogo antes de atuar profissionalmente por Olaria, Bangu e São Cristóvão.

- O dinheiro era muito pouco. Não teria como me sustentar com o que recebia nos clubes onde jogava. A competição é enorme e isso faz com que seja muito difícil se firmar como titular - diz.

Cursando Educação Física, ele lamenta ter nutrido a esperança de se consagrar como jogador de futebol por tanto tempo.

- Olho para trás e me arrependo. Vejo que já poderia ter me formado e estar com o futuro bem encaminhado. Mas agora não tenho como voltar no tempo. A minha única certeza é que, mesmo se tiver outra chance, não voltarei a jogar de maneira nenhuma - desabafa.

Também louco pelo esporte, Pedro Coppelli jogou futsal e futebol de campo quando era criança, mas não seguiu adiante devido aos pedidos da família, que não queria que ele abdicasse dos estudos. Formou-se em Educação Física e atuou na área até que, em uma despretensiosa \"pelada\", foi observado por um empresário que o convidou a jogar no Sportvein Türgkücü Werl, time amador da Alemanha.

- Foi uma experiência muito boa. Cresci em todos os sentidos. O lugar é incrível, a liga era muito organizada e eu precisei me virar em diversos momentos - conta ele, que também passou por maus bocados no país.

- Cheguei e o responsável pelos meus interesses estava em Dubai. Fiquei quase três semanas em hotéis e na casa de companheiros do time. Depois ainda tive problemas com os salários. Precisava ficar em cima do presidente para receber e, quando o dinheiro chegava, ainda pagavam menos do que o combinado - lembra.

De volta ao Brasil, profissionalizou-se e disputou a terceira divisão do Campeonato Carioca pelo União Central. Em seguida foi para o Craques Sports, onde realizou alguns amistosos contra grandes equipes do estado, mas, pouco tempo depois, decidiu parar e passou a trabalhar como professor em escolinhas de futebol.

- Acreditava no meu potencial, mas comecei tarde. Era muito incerto, não tinha garantia alguma. Achei melhor abandonar - diz.

\"Já precisei ajudar muito companheiro\"


Antes de se tornar conhecido por seu trabalho como dirigente, o diretor executivo de futebol do Vasco, Rodrigo Caetano, exibiu seu talento dentro das quatro linhas. Começou a carreira no Grêmio, passou por Mogi Mirim e Juventude, além de ter atuado por times de menor expressão. Nestes últimos, pôde ter um contato mais próximo com o abismo que separa os dois mundos do futebol.

- Muitos dos clubes não honravam os seus compromissos. Eu, como já tinha uma condição melhor, podia ajudar alguns amigos. Se não fosse isso, eles não teriam dinheiro nem para fazer as compras do mês. Era bastante desconfortável - lembra.

O ex-volante e treinador Andrade alerta para o momento mais crítico na vida de um jogador de futebol: o fim da carreira. Segundo ele, entre os mais consagrados, são poucos os que estão preparados para conviver com o fim das regalias dos tempos em que brilhavam nos campos. Há cerca de três meses, o ex-atacante e comentarista Müller admitiu, em entrevista ao jornal Marca, que chegou a morar de favor na casa de um amigo após passar por sérios problemas financeiros.

Andrade acredita que falta mobilização por parte dos jogadores de futebolAndrade acredita que falta mobilização por parte dos jogadores de futebol

- A maioria vem de família pobre e não sabe como administrar todo o dinheiro que passa a ganhar. O salário aumenta e o custo de vida também. O menino fica deslumbrado, compra vários carros, gasta fortunas em festas e não se preocupa em adquirir um imóvel para garantir alguma renda com o aluguel. Quando chega a hora de parar, ele tenta manter o mesmo padrão de vida, mas não tem como. Aí o cara quebra - analisa.

Andrade, que até hoje mantém vínculo com o grupo que conquistou a Libertadores e o Mundial para o Flamengo, diz que o jogador brasileiro ainda precisa se conscientizar da importância de fortalecer a classe.

- Aqui a maioria só quer saber de si, há pouca união entre os atletas. O pensamento é de que se a sua situação estiver boa, pouco importa o colega. Mas não é assim que funciona. O que acontece na Espanha [onde os jogadores decidiram adiar o início do campeonato nacional após o fracasso das negociações por um novo acordo coletivo] devia servir de exemplo - finaliza.

Fonte: Jornal do Brasil