Futebol

Rio festeja progresso mas vê desafios a superar

Embora ainda tente se reconciliar com o título nacional, que não conquista desde 2000, o futebol do Rio de Janeiro celebra seu melhor Brasileiro da era dos pontos corridos. Os quatro cariocas têm, até agora, sua melhor pontuação no atual sistema de disputa. Considerando os resultados dos quatro clubes, o futebol carioca tem média de 1,44 ponto por partida, a melhor marca nos pontos corridos. Pela primeira vez no atual sistema, nenhum dos quatro deverá chegar à penúltima rodada ameaçado de rebaixamento. Flamengo, com mais possibilidades, Botafogo e Vasco ainda sonham se juntar ao Fluminense na Libertadores-2008. Ter dois cariocas na competição, aliás, não ocorre desde 1985. O GLOBO, que em abril reuniu os presidentes dos clubes para discutir a situação do futebol do Rio, desta vez ouviu os treinadores. Para eles, o desempenho é um sinal de progresso, mas ainda há um caminho a percorrer, especialmente em estrutura.

O QUE MELHOROU

CUCA: “Hoje há mais profissionalismo, ainda sem ser o ideal. Você não vê mais três meses de atraso nos salários, como chegou a ser comum. Isto é fundamental para ter cobrança dura. O Botafogo hoje é um clube equilibrado. E há outro fator: quando um clube do Rio se reforça, os outros se vêem forçados a competir.”

JOEL SANTANA: “Os clubes estão sabendo se programar e a torcida entendeu. Você vê músicas legais na arquibancada, as famílias voltando. Mas defendo um grande simpósio para discutir todo tipo de assunto. Precisamos melhorar a estrutura, a organização do Estadual, ter centros de treinamento e diminuir o oba-oba.”

RENATO GAÚCHO: “Os clubes estão mais preocupados em se estruturar e aprendendo a se preparar, montando elencos maiores. A torcida passou a incentivar mais. O Fluminense pôs 42 mil pessoas no jogo com o São Paulo, e olha que os ingressos de nossos jogos são caros. O Estadual foi bom, parece ter havido mudança de mentalidade. Só não estamos brigando pelo título porque bobeamos em alguns jogos e fomos prejudicados por arbitragens. Por baixo, elas nos tiraram de 12 a 15 pontos.”

VALDIR ESPINOSA: “Os clubes não se deixam mais iludir por um bom Estadual, que não é parâmetro. Mas há muito a crescer. Estamos num Brasileiro em que o nível técnico não o desejável. Só se mexe nos times e nos esquemas táticos para trás, para defender. Tem time do país inteiro jogando no 7-1-2, com três zagueiros, alas que continuam sendo laterais e dois volantes. O Rio sempre foi pioneiro e deveria partir daqui acabar com a mesmice, colocando os times para frente.”

GOLEIROS DO BOTAFOGO

(Pergunta do leitor José Márcio Cuconato)

CUCA: “Esta será uma prioridade para 2008. Vamos trabalhar da seguinte forma. Vou definir um número 1 que, hoje, é o Roger. Os outros dois, Lopes e Júlio César, serão avisados disto. Se quiserem continuar nestas condições, será ótimo. Se acharem que podem jogar em outro clube, serão liberados sem problema.”

ESTRUTURA

CUCA: “Há um esforço para melhorar. Em 2005, cheguei ao Flamengo e precisamos treinar três meses na Urca. Hoje, a Gávea está em boas condições. O Botafogo deu passo importante com o Engenhão. General Severiano é excelente. Precisamos melhorar o refeitório, a sala de preleção. O Caio Martins tem um campo ideal para alguns treinos, mas o restante lá ainda não é ideal. Há momentos em que você precisa ter a liberdade, a privacidade do CT. Mesmo assim, hoje, em General Severiano, podemos treinar em tempo integral e trazer os jogadores para cuidar da alimentação e descansar. Os quartos são bons, são como a casa deles.”

JOEL SANTANA: “Claro que ainda há um caminho a percorrer mas estamos progredindo.

Um CT faz falta, sem dúvida. Quando o Ninho do Urubu estiver pronto será um avanço para o Flamengo. É fundamental ter um local moderno, que você domine e que obrigue todos os funcionários a serem operários do clube, trabalhando das 8h às 18h.”

RENATO GAÚCHO: “É importante ter opções. Treinar no clube mas, também, ter um CT, onde você saia de perto da torcida, onde os jogadores não tenham pressa de ir embora. O Fluminense está melhorando o seu. Se estiver em condições, posso até fazer a pré-temporada de 2008 em Xerém.”

VALDIR ESPINOSA: “Estamos caminhando bem neste sentido. O Flamengo montando o Ninho do Urubu, o Fluminense cuidando de Xerém. O Vasco tem espetacular estrutura em São Januário.”

BATEDOR DE FALTA NO FLA

(Pergunta do leitor Aldamir Antônio Corrêa)

JOEL SANTANA: “Renato era quem treinava. Com a saída dele, buscamos opções. Cristian, Juan e Egídio têm trabalhado. Eles têm potencial. Mas não se fabrica um batedor de falta, é um dom.”

DIVISÕES DE BASE

CUCA: “A nossa ainda não é ideal. Precisa de alojamento, dormitório e refeitório. A partir daí, o clube pode fazer o garimpo em várias partes do país para que, amanhã, se precisar de um lateral possa buscar no próprio clube e não precise contratar. Hoje, é mais difícil o garimpo no Nordeste, no Centro Oeste, exatamente por não termos onde colocar o garoto para comer e dormir.”

JOEL SANTANA: “Converso muito com os responsáveis pela base. Se o Flamengo é tricampeão carioca, tínhamos que usar os garotos. Estamos investindo neles. Se eu ficar, em 2008 este será o foco.”

RENATO GAÚCHO: “Hoje, a base pode ser fonte de receita se descobrir um garoto e vender.

No Rio, está acabando a história do garoto apadrinhado que treina porque tem chuteira bonita. Estamos evoluindo. Tenho uns sete ou oito da base no profissional do Fluminense.”

VALDIR ESPINOSA: “Um avanço é a participação em competições no exterior. Vasco e Fluminense foram à Europa. E o Flamengo jogou na Malásia torneio de nível mundial. Hoje, cada vez mais jovem, o jogador precisa estar pronto.”

FLU NA LIBERTADORES

(Pergunta do leitor Silvio Mauricio Mallet)

RENATO GAÚCHO: “ Precisamos de um time com pegada e experiência. A prioridade será ter caras cascudos, com experiência em competições internacionais. O Fluminense terá um time forte.”

IMAGEM DO RIO

CUCA: “Quando vim para o Botafogo, via o clube na mídia somente por notícias ruins. Falavase que aqui não se pagava, não se trabalhava. Hoje, sinto que os jogadores querem jogar no Botafogo. No Rio, talvez se trabalhe até mais do que em outros estados. As pessoas já reconhecem isto. O Vasco foi sexto colocado no último Brasileiro.

Neste ano, as únicas notícias ruins do Botafogo foram por causa da bobagem que a gente fez na Sul-Americana.”

JOEL SANTANA: “Com a preocupação de reestruturar os clubes, aos poucos estamos vencendo a época da desconfiança.

Ainda há um terreno a recuperar. Mas a época do finge que trabalha que o clube finge que paga está superada.”

RENATO GAÚCHO: “A imagem do Rio melhorou, principalmente por causa do Fluminense.
Todos querem jogar aqui. Os que ainda temem sempre perguntam pela questão financeira, se o clube paga em dia. Hoje, damos esta segurança.”

VALDIR ESPINOSA: “O perigo é quando colocam um carimbo. Ainda há quem diga que aqui não se trabalha. E aqui se trabalha muito. É charmoso trabalhar no Rio.”

PODER ECONÔMICO

CUCA: “Hoje, paga-se bem no Rio. Mas há uma cultura de contratos até o fim do ano. Então, os times estão sempre em reconstrução. O São Paulo faz contratos de três anos, mas contrata com convicção de que aquele é o jogador ideal. Então, se no final do ano saem seis jogadores, em quatro o clube faz dinheiro. Aí, tem capacidade de reinvestir. Para 2008, temos que entender que vamos montar um grupo, não um time. Às vezes, perguntam por que trazer dois laterais-direitos. Ora, é possível usar até mais num ano.”

JOEL SANTANA: “Os clubes estão investindo alto, sim. Mas o importante é investir dentro de suas possibilidades.”

RENATO GAÚCHO: “No Fluminense, não posso me queixar. Tenho um patrocinador que dá condições. Preciso de reforços para a Libertadores e ele banca. O salário está em dia e, ao contrário do que aconteceu no passado, posso cobrar do elenco. Em termos de Brasil, garanto que hoje só o São Paulo paga tão bem quanto nós.”

ALDIR ESPINOSA: “O jogador por vezes pergunta sobre esta questão, se cerca antes de vir. Em termos de Brasil, o futebol carioca tem, atualmente, total capacidade de competir por jogadores. Falo com orgulho do futebol do Rio. Não cuspo no prato onde como. Há clubes que me devem, sim, mas pagam.”

CIDADE x DISCIPLINA

CUCA: “O Rio não é diferente dos outros lugares. Em Criciúma também tem mulher bonita. O jogador deve entender que tem hora para tudo. Se ele sair na sexta-feira, vai atrapalhar o jogo de domingo. Se sair no domingo à noite, dá para recuperar.”

JOEL SANTANA: “O Rio é problemático, sim. E se você gosta da noite, sua vida não combina com o futebol. No Flamengo, buscamos homens de caráter, profissionais que acreditem nestes valores. Caso contrário, não servem.”

RENATO GAÚCHO: “As atrações da cidade não são problema.

O Rio, às vezes, é solução. O clima é melhor, menos frio do que no Sul, o que até evita lesões. Opção de lazer tem em todo lugar. Eu cobro o desempenho em campo.”

VALDIR ESPINOSA: “Claro que a cidade oferece algumas coisas, como o Nordeste oferece.
Tem mulheres bonitas. Mas há uma diferença cultural também. Aqui se permite algumas coisas a mais e não há mal nisso. Por exemplo, os jogadores da seleção foram a uma festa no Rio. Tudo bem. No Sul, talvez seja diferente. Eu posso brincar numa entrevista.
No Sul, o padrão é outro.”

Fonte: O Globo