Ricardo Sá Pinto relembra passagem pelo Vasco e cita decepção com Castan
Demitido pelo Vasco em 29 de dezembro, o treinador Ricardo Sá Pinto concedeu sua primeira entrevista a um veículo brasileiro nesta terça-feira, quase seis meses após sua saída. Embora os números indiquem que seu trabalho ficou aquém do esperado - apenas três vitórias e 15 pontos conquistados em 45 possíveis -, o português, em sua versão ao "GE Divide Tela", elencou situações que fizeram a equipe atuar tão mal no período em que esteve em São Januário.
Sá Pinto mencionou surto de Covid-19, problemas políticos, erros de arbitragem e falhas individuais de jogadores, porém os temas aos quais mais deu ênfase foram as dificuldades financeiras e a falta de apoio em campo de quem esperava que seria seu maior representante: o capitão Leandro Castan.
Em entrevistas recentes, Castan e outros jogadores que fizeram parte do elenco rebaixado à Série B afirmaram que o esquema com três zagueiros adotado por Sá Pinto jamais foi compreendido pelo grupo. Ao podcast "GE Vasco" (ouça acima e leia no link abaixo), o capitão destacou que o português não conhecia seus comandados.
Sá Pinto não digeriu bem as palavras de Leandro Castan e o elegeu como a "grande decepção" de sua passagem pela Colina.
- A grande decepção para mim foi o nosso capitão. Recentemente, ele deu algumas declarações. Eu mesmo liguei e disse a ele que não tinha entendido o que ele queria dizer com a entrevista.
- Ele me disse que não queria falar, como se tivesse sido obrigado a dar a entrevista. Mas também me disse que achava que aquilo tinha acontecido. Bem, ele deu a opinião dele de que eu não conhecia os jogadores. Uma coisa importante: antes de assumir o Vasco, eu vi não sei quantos jogos do Vasco. Até escolhi jogos de jogadores que tinham jogado apenas um jogo, como o caso do Juninho. Fui ver as características dele, era um jogador com enorme talento, por exemplo.
Sá Pinto defende-se afirmando que fez questão de estudar a fundo cada um dos jogadores e reforça sua decepção com Castan ao dizer que este foi o primeiro a lhe enviar uma mensagem de apoio após o Vasco optar pela demissão, em dezembro.
- Tinha uma senhora, Maíra, a psicóloga do Vasco. Grande profissional. Ela me entregou um dossiê de cada jogador. Eu não posso falar de uma forma igual a todos. Para cada jogador, eu tenho de falar de uma forma. Houve um cuidado de conhecê-los. Quando eu chego a uma equipe, faço questionários para saber a expectativa dos jogadores, seus objetivos, os pontos fortes e fracos, o que eles querem. Tenho tudo guardado, tudo arquivado. Portanto, eu conhecia os jogadores na perfeição.
- Quando o Castan diz que eu não conhecia os jogadores, eu não tenho vontade de rir. É de chorar. É uma tristeza. Quando eu saí, a primeira mensagem que eu recebi foi do Castan. Ele disse que era uma pena, que era injusto e pediu desculpas por não estar no melhor nível. Ainda tenho a mensagem guardada, portanto, fiquei surpreso com essas declarações.
- Não foi só isso. Fiquei triste com outra coisa. Um capitão tem de ser a extensão do treinador no vestiário e no campo. Na tristeza, na alegria, no trabalho, na cobrança, na vitória. Eu sempre disse isso, até porque tínhamos um elenco desequilibrado, muito jovem. Tinham grupinhos dos mais jovens, dos mais velhos, dos estrangeiros. Havia uma diferença. Era muito importante que ele ajudasse a liderar isso. Eu alertei a ele de vários casos, tive 50 mil conversas com ele.
Ao encerrar seus comentários sobre Castan, Sá Pinto aponta que uma desobediência tática de seu capitão na derrota por 3 a 0 para o Athletico-PR, jogo que lhe custou o emprego, foi decisiva para o fracasso em Curitiba.
- Eles tinham bons resultados, e a minha equipe não estava em um bom momento. Eu disse aos jogadores de trás, ao goleiro, o Fernando, e à minha equipe: "Não vamos sair jogando de trás nos primeiros 15 minutos. Eles pressionam bem, roubam a bola e podem fazer gol".
- Mas o meu capitão fica pedindo a bola ao goleiro. Quando o capitão deveria ser o primeiro a dizer “Fernando, vamos subir. Nos primeiros 15 minutos ficamos cá atrás, mete a bola lá na frente, lutamos pela segunda bola e construímos naquela parte”.
- Assim, a gente brigaria pela segunda bola e tentaria a criação. Quando o meu capitão, no primeiro minuto, pede a bola para sair jogando, e a gente não tinha combinado isso... Então, a decepção é grande não só em termos de liderança mas também no que era o compromisso com a estratégia de jogo. O que aconteceu? Em 10 minutos, estávamos perdendo de 2 a 0 (na verdade, por 1 a 0. O segundo é marcado aos 38). A culpa é só do treinador?
Confira outros tópicos da entrevista:
Então sente que o time não estava fechado com você?
- Não é o time. O time até tentava. Eu estou contando um caso pontual. Cinco dias antes, ganhamos do Santos do Cuca, o finalista da Libertadores e que estava jogando muitíssimo bem. Tivemos esse grande momento cinco dias antes. O que eu estou dizendo é que o meu capitão não pode pedir a bola quando a estratégia é outra. É um exemplo daquilo que é o compromisso. Aí aparecem os erros.
- Estamos a falar do Castan, daquilo que eu esperava dele e da decepção que ele foi em relação ao caráter pelo que ele disse. E a performance em campo também não foi a ideal. Outros falharam também, mas o compromisso é fazer aquilo que acordamos. E não foi feito.
- Não foi feita a extensão do treinador com o capitão dentro do campo. Se tivesse sido feita, não estaríamos a perder o jogo por 2 a 0 em 10 minutos. Foi esse jogo que me tirou do Vasco. Eu estava na tribuna, impotente, e meu auxiliar comandou e disse 30 vezes para a gente não sair jogando de trás. Agora, eu não posso controlar todas as situações. Eu não estou dizendo que Castan foi um mau profissional ou que não trabalhava ou que não tentou. Ele e todo o time tentaram. Mas quando fala assim... Ele não fez o que se deveria ter feito.
- É importante avaliar que não se controla todas as variáveis. Muita coisa afetou a equipe e tirou a concentração. Situação financeira, Covid-19, eleições... Foi inacreditável. Desestabilizou tudo. Ninguém vinha falar comigo, ninguém me cumprimentava, ninguém me dava nenhuma satisfação. Nem o presidente atual e nem o presidente eleito. Eu estava sozinho e sentia que a qualquer dia perderia um jogo e seria demitido. Foi o que aconteceu.
Dificuldades financeiras além do que imaginava
- Eu sabia que a situação financeira era difícil. Atraso de um mês, um mês e tal tudo bem, mas estive aí por três meses nos quais eu e minha comissão técnica não recebemos um salário. Os jogadores não receberam um salário, ninguém recebeu.
Sá Pinto diz ter ajudado jogadores com dinheiro
- Eu tive que ajudar financeiramente jogadores, porque eles não tinham o que comer. Diretores do Vasco tiveram que comprar pão e outras coisas para se fazer um pequeno almoço (café da manhã). Enfim, coisas inacreditáveis. Eu ajudei um jogador que não tinha dinheiro. Outros diretores ajudaram porque não havia dinheiro para comprar pão, um fiambre (presunto) ou um suco.
Falta de dinheiro para marcar o gramado com tinta
- Às vezes eu queria fazer marcações no campo, e não havia dinheiro para comprar tinta. Tínhamos que comprar, e os casos de Covid-19 acontecendo. O próprio Talles teve duas vezes Covid-19, e eu nunca tive o garoto na forma que o conheço.
Plantel desequilibrado
- Nós tínhamos um plantel desequilibrado em termos de opções, bastante jovem e bastante imaturidade. Com jovens de grande talento, mas que ainda não estavam preparados para viver a grande pressão quando as coisas não corriam bem.
Sá Pinto vê erros de arbitragem no primeiro jogo
- No primeiro jogo, contra o Corinthians, nós fizemos uma boa partida, um grande segundo tempo, e quando estávamos à espera do nosso gol da vitória acontece o gol deles no minuto 95 ou 96 (foi no minuto 90). Numa sorte tremenda, num cruzamento a bola bate no pé e trai o nosso goleiro, o Fernando.
- Nesse lance, se há VAR, só com esse ponto o Vasco tinha ficado na Primeira Divisão. Houve claramente uma má interpretação do árbitro e perdemos um ponto importante em um jogo que deveríamos ter ganhado. Foi assim consecutivamente. Ou por decisões da arbitragem ou por coisas que iam acontecendo e não eram normais. Quando um time não está estável, não vêm os resultados que animam e aquela onda positiva, vão acontecendo várias coisas.
- Essa derrota no minuto 96, em meu primeiro jogo, pôs-nos logo na linha d'água, na zona de rebaixamento. Mal cheguei ao Vasco, havia três dias, fiz um jogo e já estava na zona de rebaixamento. Portanto foi sempre lutar contra muitas situações.
Sá Pinto aponta erros individuais
- No entanto, os jogadores reagiram, tentaram e foram sempre profissionais. Deram o que sabiam, logicamente que nem sempre na melhor forma. Tivemos muitos erros individuais, e eu assumi muitas situações porque sou o líder e sempre protegi a equipe.
Derrota para o Defensa y Justicia com falha de Lucão
- Perdemos para o Defensa y Justicia, que foi o campeão da Sul-Americana. O Vasco não ia às oitavas de final há nove ou 10 anos da competição, e em casa, contra o Defensa y Justicia, o árbitro nos prejudicou não dando dois pênaltis ao nosso favor.
- Tivemos inúmeras oportunidades e acabamos por sofrer um gol numa altura em que o nosso goleiro, o Fernando, estava muito bem em termos de forma até que pegou o Covid-19 e teve de jogar o Lucão. Lucão é um menino de 19 anos e que ainda não estava preparado para jogar com essa pressão, intensidade e exigência. Sofremos um gol que nos coloca fora da Sul-Americana numa grande injustiça. Foram acontecendo coisas pontuais que um treinador não consegue controlar.
- Acabamos por perder injustamente contra o campeão da Sul-Americana e não contra uma equipe qualquer. E merecíamos ter ganhado. Ganhando o Defensa y Justicia, como devíamos ter ganho, provavelmente íamos ganhar a Sul-Americana também.
Sá Pinto diz que Benítez reclamava de indefinição na reta final do Brasileiro
- Benítez, que era um jogador tão importante, me dizia: "Ó, Mister, o presidente não resolve minha situação. Já estamos em novembro e ainda não sei de nada". Benítez foi embora, fizemos uma festa de despedida porque não se pôde pagar o Benítez.
Eleições
- Eu desconhecia as eleições do clube, elas aconteceram 15 dias depois de eu chegar. Estava preparando para uma situação financeira difícil, com o clube pagando aqui e acolá, mas quase três meses sem pagar a mim e aos jogadores é uma coisa inacreditável. Ainda não recebi um salário.
- Até hoje, devem quatro meses a mim e à minha comissão técnica. Ninguém da direção nova teve a hombridade ou a delicadeza, e ao meu ver a obrigação, de me dar uma resposta e pedir desculpas.
Sem apoio de Salgado ou Campello
- Houve eleições no clube, e eu nunca tive o apoio presencial do novo presidente. O novo presidente nunca mandou mensagem. O antigo presidente, com quem eu tinha boa relação...
- Nos últimos três jogos, empatamos com o Fluminense, fizemos um grande jogo e merecíamos ter ganho. Ganhamos o Santos, finalista da Libertadores, no meu penúltimo jogo em casa.
- O presidente antigo me disse: "Ricardo, parabéns, você tem sido fantástico. Tens aguentado, não sei de onde busca força para aguentar esta pressão com esses problemas todos". Eu disse: "Não se preocupe, presidente, porque nós vamos vencer no final".
- Entretanto o novo presidente ficou de vir e fazer várias coisas. Disse ao Zé Luis (então vice de futebol) de dar uma palavra à equipe, mas nunca apareceu. No último jogo, em que eu estou fora por estar suspenso, sou despedido assistindo ao jogo da tribuna. No duelo com o Athletico-PR, que vivia sua melhor fase, não foi ninguém da direção. Fomos mais uma vez sozinhos para o jogo. E os jogadores sem resposta, não havia liderança.
Impactos do Covid-19 e principais jogadores em mau momento
- O Covid-19 deixou muitas marcas, e muitos jogadores jamais recuperaram. Ainda tivemos de sofrer com a espera de que os nossos melhores jogadores e aqueles que tinham maior influência recuperassem a forma ideal, coisa que não aconteceu.
- A não ser o Cano, que foi extraordinário. Era o único jogador que em duas oportunidades que tínhamos fazia um gol. Foi o jogador que mais rendimento teve na nossa equipe. E era o único jogador que nos ajudava ofensivamente verdadeiramente. Nos faltavam opções ofensivas.
Saída sem despedida de Campello ou Salgado "no melhor da festa"
- Fui embora numa altura em que, depois de tanto sacrifício, íamos pegar o Atlético-GO, o Botafogo, que não estava bem e estava desfalcado, e o Coritiba também. E íamos pegar outros dois times lá de baixo que também tínhamos hipóteses de ganhar. E não nos deram sequer o mínimo que eram esses 12 jogos seguintes após a fase mais difícil.
- Era o melhor para a equipe, seria uma estabilidade maior. Resolvem me despedir no melhor da festa. E sabe a coisa que me deixou triste? Nem o presidente antigo e nem o presidente atual não me mandaram sequer uma mensagem de despedida. Inacreditável.
Pagamento de salários logo após a saída de Sá Pinto
- Depois de eu sair, no dia a seguir ou dois dias a seguir, pagaram logo o salário. Passaram quatro dias e foram buscar o Benítez outra vez. Por que não nos ajudaram antes? Eu não mereço isso. Isso foi uma tremenda falta de respeito porque aguentei todas as dificuldades, e foram muitas.
- Inclusive a insatisfação dos torcedores, que entraram nos treinos, dei sempre a cara e defendi a equipe. E no melhor da festa me tiraram do meu trabalho.
Vasco no coração
- Recebi muito carinho e mesmo por muitos vascaínos quando saí. Compreenderam perfeitamente que as condições de trabalho eram muito difíceis, sou muito grato a eles por isso. Claro que não tive unanimidade, o que é normal pela emoção, mas o que eu tinha dei a esse equipe. E, sinceramente, o Vasco está no meu coração e os vascaínos também. Mas era preciso dizer isso: que isso não se faz, que isso não foi justo, e que eu não merecia passar por essa situação. Adorei o Vasco, sempre estarei disponível para ter uma história diferente.
Relação boa com os jogadores, segundo Sá Pinto
- Com relação aos jogadores... Com todos eles, fantástica. Com todos eles, muito boa.
Problema com Fellipe Bastos
- Tive um caso que é público, com o Fellipe. É um rapaz que gostava muito, tinha boa relação com ele. É experiente, mas não jogava. Provavelmente estava triste, tinha expectativa de jogar mais. Ele teve ali uma atitude comigo que não pode ter. Era uma hora e meia ou duas horas antes do jogo contra o Defensa y Justicia em casa. O clube não tinha autorização para o Fellipe e o Werley jogarem e, portanto, eu tive de tomar uma decisão por causa dessa questão da Covid-19. Werley, um grande profissional, entendeu perfeitamente e foi com a equipe para o vestiário.
- O Fellipe não quis entender e teve uma atitude desagradável que eu não gostei. Também não alimentei e deixei o assunto para o dia seguinte pois queria me concentrar no jogo. Ele mesmo não acompanhou a equipe, não sei se foi para casa. Eu não o vi lá.
- No dia seguinte, o mandei chamar. Disse que não poderia falar como ele tinha falado e nem agir como agiu com a verdade do treinador. Pois aí há uma quebra de confiança. E quando não há confiança há uma quebra na relação. Ele só não soube aceitar a verdade do treinador como a forma como falou... o tom não foi adequado.
- Já o tinha feito no dia anterior e voltou a fazê-lo. Então, foi afastado. Não o afastei do clube, mas daquilo que era treinar. Mais lá para frente, se ele treinasse bem e pedisse desculpa, poderia reintegrá-lo. Mas ele mesmo quis resolver as coisas. Isso foi o que me disseram, não posso comprovar.
Fonte: geMais lidas
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