Futebol

Relembre a saga de Romário até ser o herói do tetra

A pergunta que perseguiu Carlos Alberto Parreira durante as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994 vinha de vários lados, imprensa, gente do futebol, conhecidos, torcida, provocadores: “Por que não convoca Romário?”. Sem perder a paciência, Parreira respondia a todos da mesma maneira: “Só falo dos jogadores que convoquei, nunca dos não convocados”.

Até porque justificar a ausência do melhor atacante do Brasil — e um dos melhores do mundo — era tarefa quase impossível.

A luta por uma vaga na fase final da décima quinta Copa, a ser disputada nos Estados Unidos, durou dois meses (de 18 de julho a 19 de setembro de 1993). Para o Brasil, um começo preocupante: empate de 0 a 0 com o Equador e derrota de 2 a 0 para a Bolívia, a primeira da seleção brasileira na história das eliminatórias. Seu primeiro gol, marcado por Raí, só aconteceu no terceiro jogo: 1 a 1 com o Uruguai em Montevideu.

Portanto, três jogos, nenhuma vitória, três gols contra, só um a favor. E Romário lá longe, dando vitórias ao Barcelona.

Parreira vivia uma situação difícil que as respostas não disfarçavam. Também ele achava que Romário era “o homem”.

Mas como reintegrá-lo à seleção depois do amistoso do 12 de dezembro anterior, em Porto Alegre, onde o Brasil derrotara a Alemanha por 3 a 1? Para o amistoso, Parreira mandara chamar Romário, então no PSV Eindhoven da Holanda.

Só que, na hora do jogo, Bebeto e Careca foram escalados como dupla de atacantes.

Romário, no banco.

Entrar no segundo tempo no lugar de Careca não lhe diminuiu a indignação. Afinal, tinham sido quase 17 horas de vôo de Amsterdã a Porto Alegre para apenas alguns minutos de futebol. Queixa que Romário passou, em tom ofensivo para o auxiliar técnico Zagallo.

Naquele instante, em nome da disciplina e da hierarquia, decidiu-se que Romário não seria convocado para Copa do Mundo.

Gols em cinco jogos Tudo que Parreira precisava, para pensar melhor, rever posições da comissão técnica e arquivar sua resposta, eram as duas semanas que separariam o penúltimo obstáculo das eliminatórias (vitória de 6 a 0 sobre a Bolívia, em Recife), da última e decisiva partida com o Uruguai, no Maracanã.

Pensou melhor, reviu posições e, com o aval de Zagallo, mandou buscar Romário, a esta altura na Cataluña.

Por mais que pareça exagero, foi nessa partida, testemunhada por 100 mil pessoas que ainda não sabiam o que esperar da seleção de Parreira, que Romário de Souza Faria — 27 anos, carioca do Jacarezinho, criado nos rachas de pés descalços dos campinhos do bairro, revelado pelo Vasco, baixo na estatura, grande no futebol — começou a se tornar o craque da Copa do Mundo de 1994. Pelos 2 a 0 da vitória que consolidou a classificação do Brasil (o empate bastava), pelos dois gol que fez, um deles driblando o goleiro Siboldi, e por convencer Parreira, Zagallo, o Brasil , de que a seleção era uma sem Romário e outra com ele.

Das sete partidas da campanha brasileira na Copa, Romário só não marcou no 1 a 0 contra os Estados Unidos, mas deu o passe (gol de Bebeto, um parceiro perfeito) e na final com a Itália (120 minutos de tentativas frustradas dos dois ataques, restando a Romário marcar um dos gols que deram a vitória do Brasil na decisão por pênaltis). No mais, o artilheiro marcou presença: um gol nos 2 a 0 de estreia contra a Rússia, outro nos 3 a 0 sobre Camarões, mais um no empate de 1 a 1 com a Suécia, outro nos 3 a 2 das quartas de final com a Holanda e o último no reencontro com os suecos pela semifinal, 1 a 0, o gol de cabeça de Romário, a 10 minutos do fim.

Muito se falou sobre o papel da seleção brasileira na chamada Copa do tetra. Se a questão era vencer, tudo bem. Passar 24 anos sem ser campeão mundial era algo com o qual o torcedor não se conformava.

Para os que achavam que a vitória era tudo, Parreira acertara.

Contudo, aos olhos de quem preferia que a conquista viesse com um futebol à brasileira, técnico, ofensivo, cheio de classe, estilo, aquela seleção ficava devendo. O meio de campo, com quatro jogadores fortes, mas não necessariamente finos, era o ponto de apoio de um conjunto bem organizado, mas pouco inspirado.

Os fãs das táticas e dos sistemas juraram que, não fossem Romário e seu parceiro Bebeto, dois atacantes que valiam por um time, o Brasil não teria voltado campeão.

Romário era realmente “o homem”. Provou isso nos Estados Unidos e reafirmaria todas suas virtudes ao voltar para seu país: centroavante de estilo tradicional, sempre atacando, nunca voltando, transitava pela defesa adversária com impressionante velocidade, raciocínio sempre à frente dos marcadores, toque de primeira para o gol, inteligência, extraordinária capacidade para descobrir soluções nos espaços mais reduzidos da grande área. Foi o craque da Copa do Mundo de 1994 e — por que não? — tinha tudo para brilhar novamente na França, dali a quatro anos, na maturidade de seus 32. Era o que sonhava (naturalmente, jogando ao seu lado), um dos reservas de Parreira nos Estados Unidos, Ronaldo Luís Nazário de Lima, na juventude de seus 18 anos.

(Matéria reproduzida diretamente da versão papel do Jornal O Globo)

Fonte: Jornal O Globo