OPINIÃO: Tudo são símbolos

Lacan disse que a vida se passa nos níveis simbólico, real e imaginário. O mundo real (da natureza, dos instintos, dos desejos inconscientes) é impossível, completou o psicanalista.
Vivemos a maior parte do tempo no mundo simbólico, das regras, das convenções sociais e da cultura. Apesar de necessário, pagamos um preço pela passagem do mundo real para o simbólico e pela repressão dos instintos, como escreveu Freud em seu magistral e cada vez mais atual livro O mal-estar da civilização.

Para conviver melhor com essa dualidade, refugiamos no mundo imaginário, onde podemos fantasiar e criar, como fazem profissionalmente os artistas. Projetamos em suas obras os nossos sonhos e utopias. Sem a arte o mundo se torna repetitivo, burocrático e somente simbólico.

Enquanto a maioria dos grandes atletas joga um excepcional futebol técnico, mas previsível e simbólico, o artista Ronaldinho Gaúcho, além da técnica, viaja nos gramados, pelo mundo da imaginação e da fantasia.

O símbolo representa ou substitui algo. Pelé simboliza o futebol. Fazer mil gols passou a ser o grande desejo dos maiores atacantes, o símbolo do talento e da proeza de atingir os limites da capacidade de um artilheiro. Só Pelé atingiu oficialmente essa marca.

Fazer 999 gols é bem diferente do que mil. Há uma grande distância. É preciso atingir a marca, o símbolo. \"\"Tudo é símbolos. Será que você é também um símbolo\"\" (Fernando Pessoa).

Romário sabe disso e só pensa nos mil gols. A marca servirá também para ele alfinetar o Zico e os grandes atacantes que não conseguiram este feito. A busca será ainda ótima para o Romário manter a motivação por jogar mais tempo e melhor.

A partir de agora, todos os gols serão contados um a um pela imprensa. Só a Copa do Mundo será mais divulgada no Brasil. Será que o Romário chega aos mil gols? Já imaginou a festa? Será que o Romário vai dedicar os gols às crianças, como fez o Pelé, ou ele vai homenagear seu amigo Eurico Miranda?

Quando o ser humano deseja obsessivamente algo, a maioria perde os limites para conseguir o objetivo. Não deverá ser diferente com Romário. Vai valer tudo, até gol contra o Íbis, impedido, com a mão e após o tempo normal do jogo.