Opinião: O balanço das contas do Vasco
Alexandre Campello, presidente do Vasco desde o início de 2018, reuniu a imprensa numa terça-feira no início de maio com responsabilidades ingratas. O cartola tinha de explicar as renúncias de 12 de seus vice-presidentes, ocorridas de uma vez só havia poucos dias. Também tinha de apresentar o balanço financeiro que sua diretoria acabara de confeccionar. Imersa entre crises políticas e financeiras, assim é a rotina do médico que passou a presidir o clube carioca a partir desta temporada. Disse Campello aos jornalistas que, depois de fazer intervenções e demissões no departamento financeiro cruzmaltino, ele começou a sofrer retaliações de aliados que o apoiaram na eleição. A renúncia em bloco fora mais um desdobramento da insistência do mandatário para que duas auditorias de renome, BDO e Grant Thornton, fossem contratadas para checar as contas vascaínas. Qualquer que fosse o custo político, continuou o presidente em sua fala, o esforço valera a pena. O Vasco agora publicava o balanço mais transparente de sua história.
Campello talvez tenha razão na comparação com balanços anteriores, produzidos pela diretoria do ex-presidente Eurico Miranda. O seu balanço apresenta mais dados do que o mercado está acostumado a encontrar. O que não quer dizer que o clube tenha conseguido nem sequer chegar perto da transparência necessária e prometida. O documento é precedido por uma carta de 15 páginas, nas quais o novo presidente descreve problemas financeiros e administrativos que encontrou em seu início de gestão. Além disso, ele promete gestão moderna e profissional, fortalecimento contínuo da imagem do clube, expansão das receitas comerciais, entre outras promessas genéricas. Ainda segundo a carta do mandatário, o Vasco entra em 2018 com a perspectiva de um déficit de R$ 118 milhões na temporada, porém com a previsão de superávits de R$ 3 milhões em 2019 e R$ 31 milhões em 2020. “Apesar das dificuldades narradas, cabe informar que temos convicção de que o Vasco possui plenas condições financeiras de saneamento desse panorama”, escreveu Campello no desfecho de sua carta ao mercado e ao público.
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Basta virar mais uma folha para que se chegue ao relatório da BDO, justamente aquela que Campello citou como motivo de credibilidade para o balanço, para que o discurso escrito pelo cartola nas páginas anteriores vire um ponto de interrogação. O presidente tomou posse em 22 de janeiro de 2018, mas a auditoria descreve que só se reuniu com a diretoria para definir a contratação e o escopo do trabalho em 2 de março. A contratação foi formalizada no dia 5, e os trabalhos foram iniciados no dia 7, sem que houvesse tempo hábil para que todos os procedimentos de auditoria fossem executados antes do prazo legal para a publicação, 30 de abril. O quadro fica pior com o que a auditoria descreve a seguir. Este é um trabalho que funciona do seguinte modo. O clube diz que deve tantos milhões para o governo em impostos não pagos, e a auditoria avalia, a partir das documentações fornecidas por ele, se os números informados estão corretos. Isso não existe no Vasco. A BDO descreve que, até a data de sua publicação, não tinha sequer recebido da diretoria vascaína as documentações necessárias para validar as demonstrações.
Todo esse preâmbulo serve ao propósito de alertá-lo, torcedor vascaíno, sobre o campo minado no qual entra quem se propõe a analisar as finanças do Vasco. A partir do balanço financeiro, pode-se calcular que o endividamento do clube chegou ao fim da temporada de 2017 em R$ 557 milhões. Será verdade? Impossível ter certeza. A diretoria de Campello não conseguiu provar à auditoria nem mesmo que tinha R$ 932 mil na conta bancária da equipe em 31 de dezembro de 2017, data de fechamento das demonstrações financeiras. A direção tampouco conseguiu prover à auditoria que contratou as documentações que confirmassem os R$ 208 milhões apontados como dívida com o governo federal, ou os R$ 146 milhões devidos a instituições financeiras, ou os R$ 124 milhões em dívidas trabalhistas. Nada do que está descrito no documento confeccionado por Campello é confiável, assim como não eram confiáveis os valores informados pelos antecessores Eurico Miranda e Roberto Dinamite. O Vasco pode dever mais de R$ 1 bilhão. Quem vai saber?
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Por conta e risco
Eurico Miranda chegou ao fim de mais um mandato na presidência. Em seu último ano, fica para trás um clube em estado falimentar. A arrecadação registrada em 2017 foi de R$ 192 milhões, inferior à que fora contabilizada no ano interior e dependente de poucas fontes de receita. A televisão corresponde a 50% do faturamento. As transferências de atletas, alavancadas pela saída do volante Douglas para o Manchester City no meio da temporada, respondem por 30%. Os outros 20% se dividem entre todas as outras entradas de dinheiro, como patrocínios, bilheterias, sócios torcedores e sócios patrimoniais. Pior do que a realidade é a perspectiva. Incapaz até de confeccionar um balanço financeiro confiável, o Vasco não passa ao mercado publicitário credibilidade que motive novos investimentos de patrocinadores. Nem inspira o torcedor a frequentar São Januário, estádio obsoleto, de baixa média de público e difícil acesso.
Sem dinheiro para custear a própria operação, o Vasco não consegue fazer investimentos em seu time. Vive de negociatas com empresários para formar equipes e ir a campo. Embora seja esta uma das poucas alternativas que restem aos dirigentes cruzmaltinos, o efeito desta estratégia é o apequenamento de outra fonte de receita: a das transferências de atletas. Do elenco profissional que o Vasco formou para representá-lo em campo na temporada de 2017, o clube é dono de apenas 41%, na média geral, sobre os direitos econômicos dos atletas. Logo, receberá apenas uma fração do valor negociado nas vendas desses direitos. E, mesmo quando tem 100%, o time não consegue toda a grana. Aconteceu na saída do volante Paulinho para o Bayer Leverkusen em abril de 2018. Campello negociou um pagamento de 18,5 milhões de euros por 90% dos direitos do atleta, mas o Vasco repassou 1,85 milhão ao empresário Carlos Leite a título de comissão na venda e 3 milhões ao próprio jogador como bônus por performance.
O apequenamento também se percebe no investimento vascaíno em sua folha salarial – o indicador econômico que possui maior correlação com a performance esportiva. O Vasco fechou 2017 com R$ 73 milhões gastos em remunerações de jogadores, seguido de perto por rivais como Atlético-PR, Botafogo e Bahia. Com a sensível diferença que clubes como Atlético-PR e Bahia não estão nem perto de um estrangulamento tão grave no fluxo de caixa como o Vasco. Uma vez que o endividamento vascaíno supera os R$ 557 milhões, penhoras e bloqueios de verbas na Justiça fazem com que a direção não tenha, no dia a dia, a segurança de que poderá gastar as poucas receitas com vendas de jogadores no pagamento da folha salarial. Na prática, isso significa que o Vasco tem propensão ao atraso constante de salários dos jogadores, enquanto equipes cujos investimentos são inferiores gozam de tal estabilidade. Enquanto isso, o Flamengo custeia com pagamentos em dia uma folha de R$ 219 milhões, exatamente três vezes maior do que a folha salarial do Vasco. A competitividade vascaína está arriscada até na esfera estadual.
Os efeitos perversos da administração caótica são visíveis aos vascaínos. Goleado pelo Racing, goleado pelo Cruzeiro, o clube pode se despedir da Libertadores de 2018 na última colocação de seu grupo. Derrotado por 3 a 0 pelo Bahia no primeiro confronto das oitavas de final da Copa do Brasil, as chances de reverter o placar e prosseguir são remotas. Ainda na parte de cima da tabela do Brasileirão, a equipe dependerá da dedicação abnegada de sua comissão técnica e de seus jogadores para tentar se manter no topo até o fim da temporada. Não há nenhum incentivo, pelo contrário, por parte da administração. A direção formada por Alexandre Campello em 2018 se desintegra e se reinventa a cada crise política que o clube enfrenta. A crise financeira se agrava a cada um dos empurrões que o novo presidente leva em sua gestão, que precisaria encontrar centenas de milhões de reais em pouquíssimo tempo para arcar com suas despesas e dívidas de curto prazo. Humilhado pelos rebaixamentos à segunda divisão em 2008, 2013 e 2015, o torcedor vascaíno tem motivos de sobra para esperar por mais decepções.
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