Opinião: De médico e monstro eles têm um pouco (Dunga e Edmundo)
Dunga e Edmundo, quem diria, são bem mais parecidos do que parece. O primeiro construiu fama de disciplinado, à época em que jogava, e disciplinador ao virar técnico pelas mãos de Ricardo Teixeira. Por onde passou teve papel de líder, seja na primeira era Dunga, quando virou símbolo do fracasso na Copa da Itália, seja no tetra dos EUA, quando foi o capitão que ergueu a taça e, nos bastidores, domou Romário e seu temperamento intempestivo.
O Animal, ao contrário, nunca perdeu a pecha de bad boy. Nem fez questão disso. Por onde passou arrumou confusão. Seja fora do campo, num acidente em que dirigia acima dos limites e que provocou três mortes, seja nos gramados, com agressões, atos de indisciplina, todo tipo de polêmica no Palmeiras, no Vasco, no Flamengo, na Itália e onde mais esteve.
Mas o que une, então, personalidades tão díspares? Simplesmente a falastrice, a irresistível vocação de, como diz o ditado, morrer pela boca. O Dunga da nova era, o comandante da Seleção, aparece muito mais pelo que fala do que pelo que produz. Já alfinetou Ronaldinho Gaúcho, que teve de engolir por imposição do presidente da CBF e virou a esperança brasileira de, enfim, ganhar o ouro olímpico. Já cutucou Robinho, Ronaldo (mesmo antes da barriga do Fenômeno torná-lo quase um ex-atleta) e Kaká.
Se mais craques houvesse em seu caminho, mais alvos certamente teria. São os que ele gosta: nunca se ouviu críticas suas a Gilberto Silva, Gilberto, Mineiro e outros mais ou menos que insiste em prestigiar.
O Edmundo do Vasco ainda tem lampejos do jogador que foi. E que se transformou num dos maiores ídolos da história de São Januário.
Controlado, tolerou a convivência com Romário, antes de o Baixinho pendurar as chuteiras. Talvez escaldado pela batalha verbal que travaram em 2000, e que acabou levando o Animal a deixar o clube.
Mas já chegou a anunciar a aposentadoria, revogada depois que esfriou, e raspou, a cabeça, já bateu boca com o técnico Antônio Lopes. Até partir para o ataque, do nada, contra Jean e Leandro Bomfim.
Foi depois desta última polêmica que o Animal e Dunga se tornaram, mais do que parecidos, irmãos de besteirol. Ao se defender da acusação de fazer corpo mole, Jean contra-atacou: “Edmundo, agora, além de jogador de futebol, é médico?”.
Mais Dunga, impossível.
Foi assim, todos se lembram, que Dunga agiu com Kaká e o lateral Marcelo, do Real Madrid. Ao contrário de todas as evidências, e mais do que isso, do diagnóstico do doutor Runco, não por acaso médico de sua comissão técnica, o técnico tentou indispor a torcida contra o craque do Milan desconfiando de uma contusão como mero pretexto para não defender o Brasil.
Edmundo, aos 37 anos, repreendido em público pelo presidente Roberto Dinamite e isolado pelos colegas, arrombou com o verbo solto a porta da rua em São Januário. Dunga, talvez por mera falta de opção de Ricardo Teixeira, ainda sobrevive incólume à falastrice. O desempenho em Pequim pode selar seu destino. De um jeito ou de outro.
Quando a boca fala, o talento do Animal e o passado de Dunga simplesmente se calam
Luiz Fernando Gomes escreve esta coluna aos domingos
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