Opinião: "Cristóvão ouve vozes..."
Tá bom.
Jogador, quando erra, é substituído, advertido. Tudo se faz para que ele reconheça o erro.
E treinador?
E quando o treinador, que é quem devia melhor enxergar o jogo, não enxerga nada e erra? Quem o corrige? Quem o chama à luz da consciência? Quem o chama no cantinho do vestiário e diz: \"Errou feio, parceiro! Não enxergou o jogo, não?!\"?
Que me perdoem os românticos, mas a idade pesa e o futebol moderno requer muito preparo físico. Juninho e Felipe, juntos, não dá. Com Juninho e Felipe juntos, numa escalação romântica que muita gente pedia antes do jogo, o meio campo do Vasco ficou lento e vulnerável - tanto em velocidade como em força física, razão pela qual os uruguaios dominaram todo o primeiro tempo de jogo, mantendo sempre a hegemonia da posse de bola. Como não conseguiam acompanhar 80% das jogadas, os dois talentos vascaínos ficavam sem acesso à armação de jogadas. Quem conseguia correr e alcançar as bolas eram Nilton e Eduardo Costa, cuja categoria nem de longe pode ser considerada à altura da força física. Apesar disso, eram eles que encontravam a bola e, por isso, deles precisava sair a armação do jogo. Daí a precariedade do setor criativo do Vasco no primeiro tempo.
Mesmo que Eder Luis estivesse em atividade, o Vasco já devia ter se preocupado em contratar um jogador veloz e driblador para ser seu reserva. Mais ainda sabendo que não poderia contar com ele para o inicio de temporada. Ficou um vácuo no ataque. Alecsandro é um jogador pesado de área, precisa ter um velocista. E cadê o velocista pra prender lateral adversário, fazer jogada de linha de fundo, tabelar com os laterais ofensivos do time?
A jogada extraordinária de Diego Souza a fim do primeiro tempo, numa sequencia de dribles de uma arrancada fenomenal do meio de campo, mostrou a real posição em que ele deveria jogar: vindo de trás, não isolado como atacante, na frente. Essa escalação é um equivoco exaustivamente repetido pelo treinador Cristovão, que ainda não se deu conta de como anula um de seus melhores jogadores quando o escala dessa forma.
Infelizmente nem sempre treinador enxerga o jogo. Cristovão já se notabiliza no Vasco por não enxergar o que todos enxergam. Ano passado, assumindo uma postura de incentivar o time em tudo, os torcedores deram a ele um crédito que, em tempos idos, nenhum outro treinador teria recebido. Foram várias as oportunidades em que ele poderia ter ouvido o corinho de \"burro\" que ouviu hoje. Por respeito a Ricardo Gomes, por respeito ao aguerrido elenco, muitos engoliram, outros sufocaram, outros \"blindaram\"... enfim, o grito não saiu.
Hoje ficou difícil segurar. O time uruguaio é bom, tem excelente toque de bola. Não vimos nenhuma novidade. Foi um replay da partida contra o LaU. Replay da atuação do adversário e replay da morosidade de nosso técnico.
O segundo tempo de jogo não tinha segredo. Não precisava ser Einstein, nem Sócrates, nem Dostoiévski nem qualquer gênio da humanidade para fazer o que deveria ser feito. Estava na cara de todo mundo. A mais óbvia das possibilidades era sacar Felipe ou Juninho, subir Diego Souza para o meio, dando mais pegada e velocidade no setor, e colocar alguém veloz no ataque para incomodar o adversário e ter saída de ataque.
Todo mundo enxergou isso. Menos Cristóvão. Por quê? Porque Cristóvão só enxerga o Felipe Bastos! Ideia fixa. Mantra. Ele dorme e acorda ouvindo uma voz em sua consciência:
\"Felipeeeeeee... Bastooooooooossss\".
Fantasma que o assombra, o persegue.
E, quando veio o segundo tempo, ele tirou o lateral Max (que ele mesmo deixou encalhado a temporada passada inteira, sempre improvisando gente no setor, e resolveu lançar justo numa Libertadores). Sacou o garoto para dar vazão à voz de sua consciência. E trouxe para campo provavelmente o jogador que mais errou tudo o que fez, além de entrar improvisado num setor que não é o seu.
O meio continuou se arrastando com os dois veteranos. Só sob forte pressão da torcida ele resolveu mexer: sacou Felipe e colocou o aguerrido Tenório (ótimo cartão de visitas, estreou muito bem!) no ataque. Melhorou muito. Diego recuou e o jogo melhorou muito. Até Juninho ficou convincente no jogo, fazendo o que dele se espera: boas cobranças de bola parada, passes de qualidade, sem a necessidade de marcar.
Mas o tempo passava e a melhora no Vasco evidenciava a necessidade de descentralizar a armação do jogo dos pés temerosos de Nilton e Eduardo Costa. Não haveria de ser com a bola passando tanto pelos pés deles (mesmo após as substituições) que ganharíamos força ofensiva.
Qual a mexida óbvia? Bernardo, que é veloz, entra quente nos jogos decisivos, sabe sentir o espírito do jogo e incendeia a torcida.
Pois é. Cristóvão não gosta do óbvio. Gosta, sim, de \"inventar\", de \"trilhar caminhos\". Lamentavelmente a \"sociedade de empreendedores\" carrega consigo esta sina: virar o prato de feijão-com-arroz por achá-lo \"simplório\", indigno de quem pode \"ousar mais\". Perde-se um bom cardápio por tosca preciosidade!
Fizemos um golzinho de honra, animador. E - a meu ver, tal e qual perdemos a Sul-Americana e o Brasileiro do ano passado (não obstante a roubalheira do apito) - novamente tivemos um resultado adverso cm estádio lotado, graças à inércia intelectual de nosso treinador.
O caminho mais fácil estava na cara do estádio lotado. A opção era lógica e imediata. Mas não estava diante dos olhos (do raciocínio?) do treinador vascaíno.
Que vai precisar dormir com um novo coro em seus ouvidos. Agora, em vez daquela única voz que lhe sopra o nome de \"Felipe Bastos\", ele vai ter que enfrentar o trauma de um estádio lotado a chamar-lhe pejorativamente de \"burro\".
Pois é, senhor Cristóvão. Tivesse ouvido a torcida antes, não ouviria esse coro depois.
Agora... dorme com um barulho desses!
Twitter @hrainho
Facebook Hélio Ricardo Rainho
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