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O próximo passo na reestruturação dos clubes do Brasil

Desde que a lei da SAF passou a vigorar, em 2021, e posteriormente com a aquisição de Cruzeiro, Botafogo, Vasco e Bahia por investidores, clubes de futebol têm sido questionados e até cobrados a expor se e quando passarão por essa transformação. Sinônimo de investimento, a SAF permite que eles deem um passo além, para o qual o mercado já está se estruturando: a abertura de capital na Bolsa de Valores.

O modelo a ser adotado no Brasil deve ser similar ao português. Lá, foi constituída, em 1997, a Sociedade Anônima Desportiva (SAD), equivalente à SAF daqui. Segundo Francisco Zenha, vice-presidente executivo do Sporting, a situação dos clubes portugueses à época era semelhante à dos brasileiros hoje, com endividamento crescente, atraso no pagamento de impostos e gestão amadora.

— A admissão em Bolsa da Sporting SAD permitiu um impacto enorme na profissionalização do clube, mas também o acesso ao capital de novos investidores. O Sporting vendeu 34,2% do capital em 1997 por 11,9 milhões de euros (R$ 66,1 milhões na cotação atual), um valor muito relevante para a época — conta Zenha.

Exemplos no exterior

No Brasil, além dos que já são SAF, os clubes mais próximos de atrair investidores são aqueles com faturamento superior ou perto de R$ 1 bilhão, como Flamengo, Palmeiras e Corinthians. Além da perspectiva de retorno maior, eles já se mostram “empresas” estruturadas, mesmo sem ser SAF. O presidente Rodolfo Landim admite ser a favor da venda de parte do rubro-negro, mantendo a fatia majoritária. A decisão, porém, cabe aos sócios do clube.

— O que temos feito por aqui é organizar palestras para discutir o tema com a presença de nossos conselheiros, que são milhares. Particularmente, tenho minha visão pessoal sobre o assunto, mas ela não necessariamente é ou será a do Flamengo — afirma Landim.

O advogado Pedro Trengrouse, especialista no tema, reforça que instituições bem administradas podem abrir capital na Bolsa para captar recursos necessários ao seu desenvolvimento sem abrir mão do controle. Cita como exemplo o Athletico, com sua dívida zero e ótimo desempenho esportivo recente.

— O futebol é uma atividade relevante para o arranjo produtivo nacional e, para que possa gerar ainda mais emprego e renda, é fundamental que tenha condições de desenvolver plenamente suas possibilidades no mercado de capitais, com segurança jurídica e os melhores padrões de gestão e governança — argumenta.

Trengrouse destaca ainda o potencial de clubes de massa para transformar torcedores em futuros investidores. Alguns casos ilustram essa força. Em 2005, o Colo-Colo, do Chile, tornou-se o primeiro time de futebol da América do Sul a abrir capital, levantando 31,7 milhões de dólares com a oferta inicial de parte das suas ações na Bolsa de Santiago. Sete anos depois, o Manchester United-ING foi além, ao se transformar no primeiro clube a negociar suas ações no exterior. Seu IPO na Bolsa de Nova York levantou 230 milhões de dólares por uma fração dos papéis. Hoje, o controle da empresa está em negociação por mais de 6 bilhões de dólares (R$ 31,3 bi).

Exigências a cumprir

No Brasil, para que qualquer empresa possa negociar na Bolsa, ela precisa ser uma Sociedade Anônima. No caso do futebol, a SAF já garante essa possibilidade.

— Foi uma adaptação do que a gente conhece como Lei das S.A. para a realidade do mundo de futebol, exatamente para conseguir aproximar esses dois mundos — explica Rogério Santana, diretor de relacionamento com clientes da B3, a Bolsa de Valores brasileira.

Mas não basta ser uma Sociedade Anônima. É preciso cumprir regras estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia que fiscaliza o mercado de capitais. No caso dos clubes, eles terão que seguir um regime de tributação específico da SAF, além de adotar regras de governança corporativa, padrões contábeis internacionais, transparência e divulgação de informações, modelo de negócios empresarial, etc. E precisarão compor uma Diretoria, um Conselho de Administração e um Conselho Fiscal.

Com todos os trâmites feitos, o próximo passo é a realização do IPO, sigla em inglês de Oferta Pública Inicial. É neste momento que parte da empresa se transforma em ações. Qualquer pessoa física ou jurídica pode comprá-las, basta ter conta em uma corretora. No fim de 2022, havia aproximadamente 4,6 milhões de contas cadastradas. Acredita-se que o futebol seja capaz de fazer esse número subir, já que torcedores desacostumados a investir poderiam comprar ações apenas pelo sentimento de propriedade do seu clube. Alguns deles terão ações ordinárias, que permitem participar de decisões da empresa; outros, as preferenciais, que dão direito à retirada de proventos, mas não a voto. Nesse IPO, quanto será vendido depende de cada clube.

Presidente da CVM, João Pedro Nascimento diz que o mercado de capitais já está pronto para receber a indústria do futebol. E lembra que, apesar de muito se falar em IPO, há outras possibilidades, inclusive para marcas de menor poder aquisitivo:

— Clubes intermediários podem pensar em operações estruturadas, seja por meio da emissão de Certificado de Recebíveis Imobiliários, seja por meio da constituição de fundos de investimento para direitos de jogadores. Até mesmo os clubes menores podem recorrer ao mercado de capitais por meio dos crowdfunding, que são as vaquinhas.

Fonte: Agência O Globo