Futebol

Milton fala sobre Rodrigo, família, polêmica no Maracanã e mais

Milton Mendes é uma figura diferente. Depois da discreta carreira como jogador, construída quase toda em Portugal, ele voltou à terra natal para tentar conquistá-la, agora como técnico. Talvez pelo longo tempo longe do país, enxergue com tom crítico comportamentos tão comuns por aqui, como a tradicional hostilidade do torcedor pelos rivais. Também difere do habitual ao reconhecer que o Vasco, apesar da grandiosidade, inicia o Campeonato Brasileiro preocupado em permanecer na Série A. Autentico, não abre mão do terno e gravata e nem de assistir a uma partida de times rivais, por mais que gere polêmica. Segundo ele, sinceridade assusta.

Esse ano no Vasco pode ser um divisor de águas na sua carreira?

É o meu primeiro clube grande de fato. O Atlético-PR é grande no Paraná, mas médio a nível nacional. O Santa Cruz é grande no Nordeste, mas médio a nível nacional. O Vasco é grande nacional e internacionalmente. Não digo um divisor, mas é meu primeiro grande desafio.

Você já disse que o Vasco inicialmente briga para seguir na Série A. Isso é cautela? Realismo?

Tenho que ser realista. A dimensão do clube é muito grande e sua historia nos faz pensar em ganhar. Mas temos de colocar a expectativa de acordo com o que nós podemos. Esse grupo é mesclado, alguns mais novos, outros mais velhos. Os mais velhos têm experiência de competição, mas não tem mais aquela continuidade. Os jovens têm muita vontade, mas não têm a experiência. Estamos numa incógnita de futuro. Estou gostando muito do que fizemos até aqui em matéria de treinos, mas na hora do jogo é outra coisa. Só o campo é que vai dizer para nós onde podemos chegar. A realidade é o Palmeiras, domingo. Lá, vamos mostrar se estamos preparados para encarar uma Série A com tranquilidade. Sinceramente, o campo me mostra que poderemos conquistar coisas maravilhosas.

Qual foi sua participação na saída do Rodrigo?

Sem entrar em muitos detalhes, isso é um assunto da direção. Ela que preparou, organizou e definiu a saída. Quando ela faz isso e eu estou há pouco tempo no clube, só tenho que aceitar. Eu sei que a instituição está tentando fazer o melhor para o grupo, confio 100% no meu presidente. Rodrigo foi um líder perante nosso grupo, ganhou campeonatos, foi uma referência. Gosto dele, gostei de trabalhar com ele, mas o ciclo dele terminou aqui. Torço pelo sucesso dele.

Por onde você passa, ganha a fama de disciplinador. Ela é justa?

Não sou disciplinador, sou organizado. Eu tenho minhas convicções, levo a campo e sempre paro para ouvir quem está perto de mim. Mas sou organizado. Se o treino está marcado para às 9h, porque começar às 9h30, às 10h? Somos um time, não somos? Então por que vamos entrar em campo com roupa diferente? Não me incomodo que falem que sou disciplinador, mas não sou. Sou brincalhão, gosto de rir, mas dentro do vestiário tem de haver um líder. Como é um pai dentro de casa? O pai brinca, mas chama a atenção do filho quando é preciso.

Como faz para manter o grupo ao seu lado?

Ser honesto é o segredo, olhar nos olhos e falar: "você não vai jogar por isso, você não vai viajar por isso". Temos definidos os 11 com que vamos jogar a primeira partida. Vou dar continuidade a eles, se não funcionar, vou chegar e dizer: "você vai sair do time por isso, nosso trabalho é alcançar resultados e vamos trabalhar até alcançar". Gosto de trabalhar, sou apaixonado pelo trabalho. Vivo intensamente, eu acordo no meio da noite pensando em trabalho, vem treinamentos à minha cabeça e anoto em um caderno do lado da minha cama. Isso me dá segurança para o que estou fazendo. Quanto mais eu me dedico, mais forte me sinto.

O jogador brasileiro tem mais dificuldade para entender a parte tática?

Tem e isso vem da base. Alguns entendem mais rapidamente, outros menos. Às vezes não entendem, quando falamos de ocupação de espaços. Na Europa, eles conseguem fazer isso, todos atacam, todos defendem. Por quê? Eles são estimulados a treinar 100% e jogar 100%. Quando o cara que chega a 12km/h tenta marcar o de 20km/h, porque na hora do jogo ele vai tentar, ele não consegue. O jogador brasileiro precisa ser estimulado na base. Ele é craque, mas precisa entender que o futebol tem duas ideias, atacar e defender, criar e destruir. É só você ver o Neymar, o que ele fazia no Santos e o que ele faz agora. Depois de muito tempo, estamos conseguindo esse salto de patamar no futebol brasileiro. Talvez precisássemos de um 7 a 1, de um balanço. Ele não afetou apenas os treinadores, mas todos os setores do futebol.

Onde mais precisa mudar?

O povo brasileiro é diferente do europeu. Eles, quando vão a campo, sabem ver o adversário, reconhecer o mérito. Aqui, estamos preocupados em achincalhar o adversário. Tenho que entender que se o cara foi melhor, ele mereceu a vitória. O torcedor precisa entender que o profissional precisa ser recebido bem, educação gera educação. Mas quando a gente vê o que a nossa casta de cima faz, quem está lá embaixo vai fazer o quê? Culturalmente, o Brasil está doente, precisa mudar rapidamente. Estamos falando de futebol e estou falando de outra coisa também, está tudo ligado. O Brasil está doente. Precisa saber que se tem a fila de dez pessoas, não tem que furá-la, tem que esperar.

Repercutiu sua ida ao Fla-Flu. Você causa um choque cultural aqui?

O diferencial foi o lugar onde eu vi o jogo, mas onde eu estava havia rubro-negros e tricolores. Na Europa é normal assistir ao jogo de um rival, por que o técnico brasileiro não pode? No dia em que me mostrarem que está errado, deixo de ir. Mas a partir do momento que acho que é um crescimento para mim, vou. Eu poderia estar na praia, em vez de estar ali trabalhando, buscando algo bom para o clube. Mas levaram tudo para o clubismo, para a rivalidade

O Vasco vive ano eleitoral. Isso chega ao vestiário? Como você processa isso?

Eu não gosto de falar sobre política, não entro em detalhes, mas quando são plantadas coisas, mentiras, como foram inventadas, que eu briguei com não sei quem, é tudo mentira. Essa coisa chata, da intriga, é cultural no Brasil. As pessoas estão colocando interesses próprios ao invés de pensar na instituição. Se as pessoas soubessem o que o doutor Eurico dá por esse clube, as pessoas mudariam a opinião. As pessoas devem ter cuidado quando leem as coisas. Eu vejo o quanto ele se preocupa, o quanto está tentando. Como ele vai contratar mais jogadores, se ele está bancando três planteis, por causa de dívidas deixadas por outras pessoas?

Sente muita falta de sua família? (Milton é casado e possui um casal de filhos, o mais velho tem 22 anos e a caçula, 12. Todos estão na Ilha da Madeira, em Portugal)

Falo com eles todos os dias, muito, mas não é facil. Tento suprir isso com o trabalho, falo com meus jogadores, tivemos um jantar da comissão técnica lá em casa. Sinto saudade da minha mulher, dos meus filhos, que estão em Portugal, dos meus pais, que estão no sul. Estou abrindo mão da minha família, de certa forma, mas eles não reclamam, são meus maiores incentivadores. Minha missão é fazer o torcedor do Vasco feliz. Estou com uma força muito grande dentro de mim, que me faz todos os dias estar louco para vir treinar, passar o que tenho para os jogadores. Faço o que gosto e quem corre pelo que gosta, não cansa.

Com o Brasil, o Rio do jeito que estão, traria sua família de Portugal?

Traria sim. Acredito ainda no ser humano. Nossos líderes, o juiz Sérgio Moro, confio muito nesse homem, precisamos de muitos mais como ele no Brasil. O Brasil está sem rédeas, uma terra sem dono. Eu gostaria de trazer meus filhos, sei que é muita pretensão, mas eu gostaria de ser um ponto de virada, gostaria de ajudar de alguma forma. As pessoas precisam criar uma corrente do bem.

Como assim?

Precisamos ser mais autênticos. Vou ser amigo seu por que você é do jornal? A pessoa vai ser minha amiga porque sou técnico? Você tem de ser sincero, eu posso dizer que não vou responder a uma pergunta porque ela é irresponsável. Quando se é sincero e direto, pessoas se assustam. No futebol tem muito disso. Se você diz uma verdade para alguém, ela tira isso como pessoal e fala mal de você.

Por falar em sinceridade, como viu a coletiva do Eduardo Baptista (ex-técnico do Palmeiras, que esbravejou contra notícias de que estaria sofrendo interferência na escalação do time)?

Ele pagou o preço por ela. Não falo mais nada.

Fonte: Extra