Futebol

Leandro Castan revela detalhes da chegada ao Vasco e recomeço no futebol

A frase de Leandro Castan, numa tarde ensolarada no CT do Almirante, onde o Vasco treina, é forte mesmo fora de contexto. Mas ela tem contexto. É reflexo das memórias representadas por uma cicatriz na cabeça do zagueiro, que não esconde a marca mais dura de sua vida.

Aos 31 anos, Castan pode dizer que renasceu aos 26. Em 2014, ele descobriu que tinha um cavernoma (malformação vascular do sistema nervoso central, um tumor de três centímetros no cérebro) e precisou repensar várias coisas. À época na Roma, cogitou voltar ao Brasil. Cogitou se aposentar. Cogitou sequer fazer a cirurgia para corrigir o problema. Mas decidiu não desistir da própria carreira, retomada em 2016.

Hoje, muito mais experiente, o zagueiro está no Vasco com uma liderança que garante já ter desde mais novo, mas admite: colocou ainda mais para fora depois do tumor. É querido pela torcida e pelo elenco. Pai de três filhos e casado. Leva, aliás, seus filhos na escola todos os dias... Costumes novos para alguém que viu a morte de perto. E renasceu.

- Eu vi minha aposentadoria com 26 anos passar na minha frente. Vi até minha vida passar na minha frente. Com certeza, foi um aprendizado muito grande. Tudo o que faço hoje dou meu melhor para mim e para as outras pessoas. Quero ajudar essa equipe que me abriu as portas. E já tenho um carinho muito especial por isso. Realmente já tenho um carinho pelo clube e pela torcida – disse Castan em entrevista exclusiva.

A transformação do zagueiro depois do grave problema reflete também dentro de campo. Seus anseios mudaram. A importância de uma derrota ou uma vitória, também. Isso tudo, porém, não altera a sede de querer mais – e é justamente esse o espírito visto no Vasco diariamente, em bastidores, em reuniões, em treinos. Castan, relatam, só pensa em vencer.

- É claro que eu vejo, talvez, a vida com outros olhos, mas isso que a torcida passa, isso tudo sempre me estimulou muito. Poxa, fui jogar no Cagliari-ITA por quatro meses e me dava nervoso. Não tinha torcida, pressão. Eu gosto de viver intensamente, mas espero que essa pressão se transforme em alegrias para que, no ano que vem, como falei, a gente possa conquistar alguma coisa junto – completou.

Abaixo, um papo de 16 minutos com Leandro Castan sobre a passagem pela Europa, a volta ao Brasil e os piores momentos de sua vida. Com vocês, o zagueiro-líder do Vasco:

GloboEsporte.com: Castan, de onde vem essa sua liderança? Você sempre foi assim?

Leandro Castan: Sou igualzinho dentro de casa quando falo com os filhos. Eu sou assim. Gosto de vencer. É uma característica. Sempre fui assim. Procuro ter esse espírito vencedor, porque estou no futebol para vencer e vou ser sempre assim.

- Sim, desde a base. Quando comecei no XV de Jaú, depois no Atlético-MG. Sempre tive esse espírito, até por ser defensor e vir de uma família em que meu pai e meu irmão jogaram futebol.

E você traz na perna essa lembrança da família...

- É, eu trago comigo, porque foi o que me inspirou a jogar futebol. Eu fecho os olhos e lembro do meu pai treinar quando eu era criança. Quando eu entrava em campo com meu pai, bem pequeno, eu tenho um pôster lá em casa dessa cena. Aí decidi fazer uma tatuagem disso. Marquei na minha perna. Levo para sempre comigo.

Sabemos que todos que têm esse perfil de liderança costumam estar insatisfeitos, querer sempre mais. Queria saber: aqui no Vasco, o que te faria chegar numa entrevista e dizer que está satisfeito?

- Só quando acabar o ano. E estivermos num lugar tranquilo. Não vou planejar nada, mas que estejam todos felizes e satisfeitos. Você não pode nunca estar satisfeito. Procuro sempre melhorar. Depois desse jogo (vitória por 2 a 1 no Bahia) nem comemorei muito, porque não gostei da minha performance. Fiquei pensando no que poderia melhorar. Se tenho de entrar menos pilhado, mais concentrado... Aprendi muito isso quando estive fora. Ninguém pode ser perfeito, mas tenho de estar o mais próximo possível da perfeição.

Por que você decidiu voltar agora ao Brasil, mesmo com o Andrés um pouco antes perguntando se você queria voltar ao Corinthians, e o que você encontrou no Vasco assim que chegou?

- Quando tive meu problema de saúde, fiquei praticamente dois anos sem jogar e muitas equipes do Brasil me procuraram para voltar a jogar naquele período. Eu falei não para todos, porque sei o peso de uma camisa no Brasil. E não poderia aceitar um desafio desse sabendo que não poderia dar conta do recado. Foi sempre por isso que adiei minha volta.

- Quando estava negociando a rescisão lá, apareceram algumas coisas, mas muitos times desistiram porque não sabiam quanto tempo ia demorar essa negociação com a Roma. Foi quando apareceu o Maxi López, que mandou uma mensagem para mim. Depois, o Vasco em três dias formulou uma proposta oficial.

Às vezes, fazemos algumas perguntas que já imaginamos as respostas, mas gostamos de ouvir das pessoas o que elas têm para contar. Imagino que o momento mais difícil da sua carreira tenha sido fora de campo. Queria que você relembrasse tudo o que passou, o que aconteceu quando você estava com um tumor...

- Foi um momento difícil. Foram intensos e longos. Vou procurar resumir o máximo possível. Como sempre falei, vivia o melhor momento da minha carreira. Tanto que sempre era cogitado na Seleção. Até na época em que fiquei três meses sumido, porque a Roma me afastou, não falou nada para ninguém, o Gilmar Rinaldi me ligou e me perguntou porque eu não estava jogando, porque o Dunga queria me levar para a Seleção. Na época, falei que tinha um problema muscular.

- Foram momentos difíceis. Era titular, entre os cinco melhores zagueiros da Itália. Vivia o auge. E de um dia para o outro... Realmente de um dia para o outro, porque eu joguei no sábado e no domingo passei mal...

- Eu tive tontura. Estava brincando com meu filho na garagem, chutando a bola. Me deu tontura, aí falei para minha esposa que estava cansado e ia deitar. Dormi, mas a tontura no dia seguinte era mais forte. Procurei o médico da Roma, que me levou no oftalmologista. Ele examinou meus olhos, viu que não tinha nada e me mandou fazer ressonância.

- Eu lembro que saí da ressonância e o doutor, branquinho, estava vermelho. Aí falei: “O que eu tenho?”. Ele disse que depois me ligava... Peguei, encostei ele no muro e falei: “Me fala agora o que eu tenho. Não vou assim para casa”. Ele disse que tinham encontrado algo no meu cérebro e teria de fazer mais exames.

- No outro dia, viram que era um tumor e tinham de entender porque ele estava ali. Aí fiz muito exame. Me viraram de cabeça para baixo. Aí viram que eu tinha cavernoma. E não poderia mais jogar futebol. Foi um sentimento intenso. Na hora, falei que não ia mais jogar, ia embora, aposentar, não ia fazer a cirurgia. Aí cheguei em casa, minha mulher falou que estava grávida da minha filha.

- Minha filha é um anjo de Deus, porque foi ela que me deu forças para continuar jogando. Ali, me fez refletir. Como ia fazer? Minha esposa grávida, ia parar de jogar? Fui para a Roma pegar meu contrato e voltar para o Brasil, mas o diretor não me deu. Não deixou. Me disse para pensar o tempo que quisesse.

- Voltei para casa praticamente aposentado. Num dia, estava vendo um jogo na televisão. Vendo a Roma perder. Pensei: “Não posso parar de jogar futebol”. Liguei para o doutor e falei para marcar a cirurgia. Ele perguntou se era para marcar em janeiro, depois das festas. E eu disse para marcar antes do Natal, porque se viesse para o Brasil nas festas eu não voltaria mais.

- Ver tudo isso é o que me estimula a cada dia a dar o meu melhor. Foi o que eu falei na minha apresentação. Cada treino meu é como se fosse o último, porque não sei se amanhã vou estar vivo. Foi assim comigo. É isso que levo para a minha vida. Posso jogar mal, treinar mal, mas vou sempre dar o meu melhor. Se não dou meu melhor, eu chego em casa insatisfeito, porque não sei se vou ter oportunidade de fazer aquilo.

- Outro exemplo é que levo meu filho na escola todos os dias. Acordo cedo e levo. Antes, eu tinha um motorista que levava meu filho na escola. Falei para minha esposa que levaria. Para acompanhar o que eles fazem. Aproveitar os mínimos detalhes da vida e às vezes não damos valor para as pequenas coisas.

Depois de tudo o que você passou, pressões por resultado, pressões de torcida... Tudo isso fica em segundo plano?

- É claro que a pressão sempre teve. No começo, você pensa... Um exemplo: eu não gosto de andar muito de avião. Aí falei para minha esposa que entraria num avião sem medo. Na primeira vez que entrei num avião, minha mão começou a suar, comecei a me tremer (risos).

- Eu vejo, talvez, a vida com outros olhos, mas isso que a torcida passa, isso tudo sempre me estimulou muito. Poxa, fui jogar no Cagliari por quatro meses e me dava nervoso. Não tinha torcida, pressão. Eu gosto de viver intensamente, mas espero que essa pressão se transforme em alegrias para que, no ano que vem, como falei, a gente possa conquistar alguma coisa junto.

Seu primeiro ano foi no Atlético-MG de 2005, rebaixado, né?

É claro que você não pensa nisso, mas como o que você viveu lá atrás ajuda num momento como esse? A pressão para não cair, a busca contra o rebaixamento...

- Uma coisa ficou muito clara na minha cabeça, porque eu tinha 18 anos. Era uma equipe muito boa, com jogadores muito bons. Rodrigo Fabri, Amaral, Euler, Marques. Eu lembro que depois de todo jogo que perdíamos, eles falavam que íamos ganhar o próximo. E isso aprendi muito. Não pode deixar para o próximo, porque se pensarmos que vamos jogar, sei lá, contra o Grêmio, e pensarmos que podemos ganhar depois... Não, não. Temos de ganhar o próximo.

- Falavam isso e eu ficava doido. E nunca ganhávamos. Todo jogo tem de entrar para ganhar, porque futebol é assim. Quando entra em campo, se for para entrar para perder ou empatar, nem entra.

Fonte: ge