Homenagens a Barbosa exaltam campeão e trazem mensagem antirracismo
Durante as duas passagens pelo Vasco, que, somadas, representam 15 anos e 431 jogos de dedicação, o goleiro Moacyr Barbosa descobriu um lugar só para ele dentro de São Januário, onde passava horas e mais horas.
“Meu treinador desde o início chamava-se paredão da arquibancada do Vasco da Gama. Eles me chamavam até de maluco por ficar debaixo do paredão batendo bola. Toda hora. Todo o dia”, disse Barbosa à ESPN Brasil, em 2000.
O goleiro deixou o Vasco em 1962, ano em que pendurou as chuteiras. Voltou para São Januário algumas vezes depois disso. A última foi em 1998, quando foi homenageado com os campeões do Sul-Americano de Clubes de 1948. Agora, no ano que marca o centenário de vida do camisa 1, ele será eternizado em dois paredões da sede vascaína por iniciativa de Pedro Rajão, 35, e Fernando Sawaya, o Cazé, 34.
Eles vão pintar um grafite de quase sete metros de altura com a imagem do goleiro dentro do complexo esportivo, a partir de 20 de julho, com previsão de entregar a obra de arte nos primeiros dias de agosto, mês de aniversário do clube.
“Será na lateral da arquibancada do Parque Olímpico, local que tem uma visibilidade tremenda, além de deixar o Barbosa gigante atrás do gol do Vasco, como o guardião maior do clube e do Brasil”, disse o produtor cultural Rajão.
“Eu chamo de biografias urbanas o que fazemos pelo Negro Muro, projeto que tenho em parceria há quatro anos. São histórias de pessoas contadas por meio da arte mais democrática, o grafite", disse o artista urbano Cazé.
A iniciativa conta também com o apoio de Rhuan Gonçalves, 35, parceiro e coprodutor do Negro Muro, responsável pela captação audiovisual.
A proposta do grupo é homenagear personalidades negras da história e da cultura brasileira. Barbosa será o primeiro nome do esporte.
“Nós chegamos ao formato atual ao pintar a Clementina de Jesus na rua Acaú, no Engenho Novo, em 2018, local que ela residiu quando já era famosa como cantora. De lá para cá, pintamos 17 personalidades , disse Rajão.
“Já retratamos a Antonieta de Barros, que foi a primeira deputada negra do Brasil, em um colégio municipal do Rio. Fizemos uma imagem de 150 metros quadrados do Pixinguinha [um dos maiores compositores do Brasil] na lateral do Museu da Imagem e do Som do Rio. Pintamos a casa do João Cândido, herói da Revolta da Chibata, em São Luiz do Miriti, onde o filho dele, o mais novo e único vivo, seu Candinho, de 82 anos, mora”, acrescentou.
Foi ao pintar a imagem de João Cândido que a dupla se aproximou do Vasco, pois Candinho, filho remanescente do Almirante Negro, é vascaíno.
Foi ali também que se depararam com a ideia de fazer alguém do futebol e escolheram Barbosa, que trazia na bagagem uma história vitoriosa e outra triste, perseguido como culpado pela perda da Copa do Mundo de 1950.
“Barbosa vai além do clubismo, eu vejo o futebol como um ato político. A gente tem de valorizar ícones como ele e se redimir das ações do passado. Ele foi o primeiro goleiro negro de extrema importância na seleção, mas foi tão massacrado publicamente que morreu na miséria”, disse Cazé.
O grafite trará também uma mensagem antirracista. Afinal, depois da Copa de 1950, os únicos goleiros negros convocados para defender a seleção brasileira em Mundiais foram Manga (um jogo em 1966) e Dida (reserva em 2002 e titular em 2006).
“Acho importantíssimo a juventude ouvir falar de Barbosa. É importante a gente conhecer essa história para que ela não se repita. Ela continua se repetindo. Os goleiros negros continuam passando por situações de racismo”, disse Rajão.
Mas, para que o grafite de Moacyr Barbosa vire realidade, o Negro Muro necessita de ajuda. O trabalho está orçado em pouco mais de R$ 39 mil e contempla material, mão de obra, transporte, alimentação, entre outros. A arrecadação é feita via Benfeitoria (www.benfeitoria.com/barbosa100anos), uma plataforma de financiamento coletivo.
“A pessoa pode contribuir de forma anônima, nominal ou em nome de uma torcida. Há recompensas, como moela e cerveja no bar do bode cheiroso, um botequim famoso na zona norte, camisas especiais do Barbosa, camisas do movimento Vasco Antifacista, entre outras. Quem contribuir com R$ 200 terá o nome incluído em uma placa que ficará ao lado do grafite”, disse Rajão.
Barbosa em São Paulo
Também com uma mensagem antirracista, o Museu do Futebol, localizado na entrada principal do estádio do Pacaembu, no centro de São Paulo, iniciou uma exposição chamada “Tempo de Reação” no último sábado (19).
Em cartaz para o público até 21 de novembro, das 9h às 17h, e com ingresso a R$ 20 (meia-entrada, R$ 10; e gratuito para crianças até 7 anos), a exposição aborda os 150 anos da profissão de goleiro e o centenário de Barbosa.
“O nome 'Tempo de Reação' remete a duas dimensões. A primeira está relacionada à posição de goleiro, que tem um fundamento específico que é a reação para evitar o gol. O nome também remete a outra dimensão que é reagir a tempos tão difíceis como o que estamos vivendo em relação ao racismo”, disse Diana Mendes, 44, historiadora e coordenadora do centro de referência do Museu do Futebol.
A exposição aborda a relação da perseguição que Barbosa sofreu após a perda da Copa de 1950, no Maracanã, quando foi acusado de falhar, com casos de racismo no futebol. Personalidades negras como o jurista e advogado Silvio Almeida, o ex-goleiro Aranha e o jornalista Breiller Pires, dos canais esportivos Disney, endossam e dão testemunhos reforçando o assunto.
Os visitantes ainda encontram informações preciosas, como uma linha do tempo que retrata a criação da posição de goleiro, fatos relacionados aos principais camisas 1, fotos, depoimentos de Barbosa, um pedaço da trave original do Maracanã, que era de madeira, entre outros itens históricos.
“A gente espera que a exposição possa aproximar as pessoas de uma história do futebol ainda pouco contada a partir desse universo do protagonista negro. A gente espera que as mensagens que estão sendo passadas aqui em relação a da causa antirracista possam aproximar as pessoas dessa causa, e que possam contribuir para ao fim do racismo no futebol”, completou a historiadora.
Fonte: ESPN Brasil