Futebol

Felipe abre o jogo sobre Eurico, Campello, começo no Vasco e muito mais

Felipe não tem papas na língua. Fala o que pensa e sempre foi assim. O jeito sincero marcou sua trajetória no futebol desde a época em que se tornou ídolo do Vasco, brilhou no Flamengo e virou um dos ícones do futebol carioca entre o fim dos anos 90 e a primeira década dos anos 2000.

A habilidade para driblar, tanto na lateral quanto no meio de campo, rendeu o apelido de Maestro, mas também gerou controvérsia. Para muitos, era "pura marra". Mas ele garante que era apenas seu estilo de jogar. E revela que o jeito de ser era fruto de uma certa timidez.

Nesta entrevista ao UOL Esporte, Felipe relembra as glórias e os desentendimentos do passado, a rápida ascensão no futebol e a frustração de tentar ajudar o Vasco em 2018, mas se deparar com um cenário político decepcionante.

A fama

Felipe nunca negou sua personalidade forte. Ela aparecia até dentro das quatro linhas, com o jeito ousado de atuar, com dribles desconcertantes e paradinhas diante dos adversários. Fora do campo, a sinceridade o fez se destacar, mas também custou um preço alto.

“Ser verdadeiro é complicado, mas é o meu jeito de ser, eu nasci assim e não tem como. Hoje, estou mais acessível. Com a idade, é óbvio que você acaba melhorando, mas é mais complicado", diz. "É aquela social, o ser político, que em toda a profissão você tem que fazer”.

“Eu sou um cara tímido, então chegava e ficava no meu canto. Aí o cara começava a conviver comigo e vinha: 'Posso te falar uma coisa?'. Eu falo: 'Já sei. Você não é o primeiro, já teve um montão. Tu me achava marrento. Já estou acostumado'. Porque, quando eu não tenho intimidade com uma pessoa, eu fico mais na minha. Mas eu tenho um coração enorme, procuro ajudar todo mundo. As pessoas que me conhecem sabem”.

Não sei pedalar até hoje

Em pouco tempo de Vasco, no fim dos anos 90, Felipe virou o ‘Maestro’. O apelido não veio à toa. Sua habilidade para achar o companheiro livre e facilidade para driblar o alçaram a esse patamar. Mas ele revela que tinha deficiências. Não sabia driblar em velocidade. E, até hoje, não sabe pedalar.

“Eu tinha mais facilidade em driblar com ela parada do que com ela em movimento. Então, não era menosprezo ao adversário, era a minha facilidade de driblar com a bola parada. Se você me pedir para pedalar, eu não sei até hoje. Na minha época, era muito difícil pedalada, eram poucos. Hoje, meu filho de oito anos faz. Eu driblava o adversário, mas não dava continuidade porque eu preferia parar de novo, por ter mais facilidade”.

O talento foi lapidado nos tempos em que jogava futsal e precisou desenvolver a habilidade de pensar rápido e jogar em espaços curtos.

“Eu era privilegiado nessa parte. Não era um velocista, mas em um espaço curto, minha partida inicial era muito boa. Também podia olhar mais ou menos o posicionamento do marcador, onde ele está facilitando, onde está dando brecha para conseguir o drible. Esse somatório de coisas me ajudou bastante”.

De reserva dos juniores a titular do clássico em uma semana

A ascensão de Felipe no futebol foi rápida. No Vasco, o lateral era reserva do time júnior. De repente, em menos de uma semana, foi alçado a titular do time principal justamente em um clássico, contra o Botafogo, em pleno Maracanã. Tudo começou porque o filho do então técnico do Vasco, Antônio Lopes, o viu jogar.

“O Antônio Lopes era o treinador do profissional e o filho dele, Júnior, que é treinador hoje, viu uma final de juniores entre Vasco e Flamengo. Eu era reserva, mas o Bill, que era o titular, estava suspenso. E eu joguei muito bem”.

Naquela ocasião, Antônio Lopes estava com problemas para montar seu time. O titular da lateral esquerda, Cássio, estava suspenso e o reserva, Vitor, machucado. As opções eram Bill e Felipe. “O Bill já tinha tido oportunidade no profissional e não foi muito bem, foi um pouco questionado. Aí o Júnior comentou: ‘Pai, o reserva é melhor do que o titular, joga muito bem’. O Vasco estava em uma situação muito ruim e ele me chamou para treinar. Eu e o Bill. Aí fui lá fazer o coletivo e, na quinta-feira, ele deu o colete de titular para mim, não para o Bill. Aí já fiquei surpreso, mas muito feliz, muito motivado. Treinei na quinta-feira e na sexta ele falou: 'Você vai jogar de titular'. O futebol tem essas surpresas. Eu joguei muito bem, aproveitei minha oportunidade e não saí mais”.

Quem discorda de Eurico vira inimigo

Felipe conhece o Vasco a fundo e viveu de perto a gestão de Eurico Miranda. No fim dos anos 90, Eurico era apenas vice-presidente, mas tinha mais poder político que o próprio presidente, Antônio Soares Calçada. Felipe é um crítico do cartola.

“Eu acho que se você colocar na balança, ele fez muito mais coisas ruins do que boas. Então, o saldo não é positivo”.

Para ele, os títulos conquistados pelo Vasco nos bons tempos eram muito mais mérito dos torcedores que apoiavam o time. “Quando a gestão é compartilhada com todos, ela é muito melhor do que quando é uma pessoa só. Infelizmente, se você discordar dele, você é inimigo. O Vasco foi vencedor na época em que o presidente era o Calçada. Ele fez parte? Fez parte. Mas o presidente era o Calçada”.

Felipe acredita que seus filhos, que jogam futebol, não seriam bem-vindos na base do Vasco por causa da relação conturbada com Eurico. “Não, na diretoria do Eurico, não. As pessoas confundem muito. Eu posso não concordar com a maneira que você trabalha, mas isso não quer dizer que você é meu inimigo. É só a minha ideologia, metodologia, que é diferente da sua. Mas as pessoas confundem muito e o Vasco não é meu, não é seu, não é de ninguém, o Vasco é da torcida, é de todo mundo”.

Como ele "se ferrou"

As boas atuações renderam a Felipe uma vaga na seleção brasileira. Ele foi convocado por Vanderlei Luxemburgo para o pré-olímpico dos Jogos de Sidney-2000. Mas o cartola Eurico Miranda não o liberou. “O Vasco não quis me liberar. O Eurico Miranda não quis me liberar para o pré-olímpico e acabei me ferrando. Não fui para a Olimpíada. Mesma coisa da Roma. É o que dizem, eu era criança, adolescente, só pensava em jogar futebol", conta, lembrando da negociação frustrada com o time italiano.

Sem ele, a seleção foi campeã do pré-olímpico e fechou o grupo para os Jogos. “Ele (Luxemburgo) deve ter ficado chateado, mas entendeu que o Vasco precisava de mim. Eu era um jogador importante, só que eles foram campeões do pré-olímpico. Então, fechou o grupo. Ele deve ter ficado chateado porque eu não fui e o grupo foi campeão, juntou o útil ao agradável e ele falou: agora também tá fora. Não sei, é a minha opinião, porque eu não vou e seu grupo é campeão, não tem porque mexer”.

Felipe até teve outras chances. Foi chamado por Luxa em outras oportunidades. Foi campeão da Copa América de 2004, por exemplo, com Carlos Alberto Parreira. Na época, vestia a camisa do Flamengo. Ele tinha o sonho de jogar uma Copa, mas não se sente frustrado por não ter realizado o desejo. “Óbvio que o sonho de todo jogador é disputar uma Copa do Mundo, mas eu entendo, não sou frustrado, não. As pessoas só convocam 23".

Cadê a valorização?

Felipe foi feliz no Vasco, mas também encarou dificuldades. O jogador veio das categorias de base do clube e não se sentia valorizado financeiramente. Por isso, precisou ser negociado para fazer seu pé de meia.

“Eu era prata da casa, mas já era um jogador de alto nível dentro do cenário do futebol brasileiro e não era valorizado. Outro clube pagaria mais, mas o clube onde eu fui formado não queria pagar. E essa é uma das minhas brigas. Por isso eu fui emprestado duas vezes”. Nesse período, Felipe foi emprestado ao Palmeiras e ao Atlético-MG. O ano era 2001. Depois, acabou vendido ao Galatasaray, da Turquia.

Felipe ficou pouco tempo no Palmeiras e, no Atlético-MG, disputou a fase final do Brasileiro. O time chegou à semifinal do torneio em 2001. Na visão de Felipe, o fato de a Lei Pelé estar em implantação (ela foi assinada em 1998, dois anos após sua estreia no profissional) durante sua consolidação como jogador o prejudicou.

“Antigamente não tinha a Lei Pelé e o prata da casa não era muito valorizado. Hoje já é o contrário: é valorizado demais. Com a Lei Pelé, o garoto joga bem um, dois joguinhos, você já dá aquela moral na imprensa e o clube fica com medo de perder. Então ele paga mais do que o garoto merece porque fica com medo de perder. Nem sabe se vai virar. Na minha época não: a gente jogava muito e era pouco valorizado, porque ficava preso. Mesmo se não tivesse contrato, não estava livre para jogar em outro clube”.

"Se é pra atrasar, atrasa lá no Rio"

Eu dei azar. Aqui no Brasil eu já estava acostumado com o mês que não tinha 30 dias, mas 45, 60 dias, dependendo do clube. Isso já fazia parte do meu cotidiano. É um absurdo, mas a gente já estava acostumado. Eu fui para a Turquia, fiz um contrato de quatro anos e, nos meus primeiros seis meses, recebi só dois. Fiquei com quatro meses de atraso: "Pô, para atrasar, deixa atrasar lá no Rio, perto da minha família". Aí entrei na Justiça e saí. Fiquei livre. Foi quando eu fui para o Flamengo" 

Sobre o motivo de não ter dado certo na Turquia

As coincidências com Pedrinho

Felipe não conquistou apenas títulos e glórias no futebol. O esporte trouxe também uma amizade especial com o também ídolo vascaíno Pedrinho. Os dois são melhores amigos desde a infância.

“É o meu melhor amigo, converso todo dia com ele. Nossos filhos estudam juntos. Temos umas coisas em comum que são engraçadas. Meu filho mais velho tem a mesma idade do dele: 12 anos. A diferença entre eles é a mesma da dele para mim, 65 dias. E meu filho mais novo nasceu no mesmo dia do Pedrinho, dia 29. É uma coisa que até me emociona. É um companheiro, um irmão”.

Felipe demonstra preocupação com o amigo. Os dois estavam juntos na última eleição do Vasco e se sentiram traídos pelo atual presidente. “Ele ficou muito decepcionado com a eleição do Vasco. Não queria trabalhar mais com futebol por causa disso”.

“Ele quer trabalhar no futebol, mas voltar para a televisão, que é uma área mais tranquila. Quer comentar. No futebol, ele foi meu auxiliar, foi auxiliar do Deivid no Cruzeiro, a gente fez os cursos juntos para poder trabalhar juntos, mas está bem decepcionado. Acredito eu que vai conseguir, mas está difícil”.

O golpe nas eleições do Vasco

Felipe queria retribuir ao Vasco tudo o que o clube lhe deu, mas tinha receio de se envolver na política cruzmaltina e perder o carinho do torcedor. Depois de refletir, decidiu arregaçar as mangas e agir ao ver o clube afundado em uma crise.

Com o amigo Pedrinho, mergulhou nas eleições e foi um dos líderes da chapa de Júlio Brant (Sempre Vasco). Ele queria que o grupo se candidatasse sozinho, mas foi convencido a se unir a Alexandre Campello (Frente Vasco Livre) para derrotar o grupo de Eurico Miranda. Ali nasceu a Sempre Vasco Livre. Brant seria o presidente. Campello, o vice.

A chapa venceu a eleição e levou as 120 cadeiras do Conselho. Mas, na hora da reunião para confirmar a eleição de Brant, houve, na visão de Felipe, uma traição e Campello foi eleito presidente.

“Para nós, foi [um golpe]. Porque eu confio muito na palavra do ser humano. Então, se você me der sua palavra, vou acreditar. Aí você tem outra atitude... As pessoas começam a arrumar desculpa”.

A decepção com o atual presidente

Depois de eleito, Campello pediu que um assessor de imprensa enviasse mensagem a Felipe dizendo que as portas do clube estão abertas. Ele se sentiu ofendido. “Ele não foi homem o suficiente para me mandar mensagem diretamente”, disse.

“Ele tem meu telefone. A gente se encontrou algumas vezes. Não sei porquê, deve estar envergonhado pelo que fez. Se ele não estivesse envergonhado, teria me ligado. Isso aí é fato. Mandou mensagem através de um assessor de imprensa. Só que a porta do Vasco está aberta para mim desde os meus seis anos de idade”.

“Não é ele: ninguém vai abrir a porta do Vasco para mim. Eu sou sócio do clube por tudo o que eu fiz. O Vasco me ajudou muito, mas eu também fiz muito. Nem ele nem ninguém vai dizer que a porta do Vasco está aberta ou fechada, entendeu? Infelizmente, a política é suja. As pessoas só vão nas feridas das outras”.

Agora, não pretende frequentar mais o clube. “Não tem como ir ao Vasco com ele lá. Eu vou ficar mais três anos sem ir ao Vasco. Quando for um jogo no Maracanã, eu vou. Não tem como conviver no mesmo ambiente com uma pessoa que fez isso com a gente”. 

As pessoas se submetem a cada coisa só pelo poder... Querem ajudar a si próprias antes de ajudar ao clube. Infelizmente, as pessoas são muito vaidosas. Todo mundo tem vaidade, só que umas pessoas têm mais, outras menos. [...] Acabam atropelando o caráter, a palavra e a dignidade. E isso conta bastante. A política do Vasco é fruto da política do Brasil 

Sobre a eleição do Vasco

As pessoas são capazes de tudo para estar no poder do futebol. O Júlio [Brandt] contou que, na última eleição, saiu de camburão. Nessa última eleição, a gente contratou, se eu não me engano, 60 seguranças. Eu perguntei: "A gente vai subir a Rocinha? Invadir algum morro? Desafiar uma facção criminosa?" Não acreditava que seria necessário. Mas foi, infelizmente 

Lembrando da reação durante a eleição

Fonte: UOL Esporte