Futebol

Felipão explica o corte de Romário da seleção de 2002

A Seleção Brasileira teve de superar a desconfiança de Pelé e dos fãs de Romário para conquistar o pentacampeonato na Copa do Mundo da Coreia do Sul e do Japão. Mas o técnico Luiz Felipe Scolari não se sente incomodado em recordar a pressão do público pela convocação do \"Baixinho\" e adotou o bom humor ao falar sobre a previsão errada do Rei do Futebol.

Felipão lembrou o clima de deboche que Pelé gerou nos bastidores ao declarar antes da Copa que Argentina e França eram as favoritas ao título, excluindo o Brasil da lista de principais candidatas. \"Quando ele falou aquilo, passamos a pensar que aqueles dois não estavam mais. No grupo, claro que gerou brincadeira\", recorda.

Antes de embarcar para buscar a quinta taça em Mundiais, o treinador sequer cogitou a ida de Romário, que foi capitão em seu primeiro jogo no comando da Seleção, na derrota para o Uruguai, em 1º de julho de 2001.

Um pedido de dispensa mal explicado deixou o então vascaíno mais distante do grupo. Para sepultar de vez a esperança do Baixinho, o técnico não o via como uma peça que se adaptaria ao esquema tático adotado para a Copa. Por isso, Romário estava vetado muito antes da convocação final.

Muitos falavam que o grupo do Brasil era mais fraco do que os outros. Você concorda?
Felipão: Teoricamente, era o grupo mais fraco, mas dois chegaram à semifinal (Brasil e Turquia). Ou seja, provaram que não era o mais fácil. Dentro do retrospecto de seleções, outros grupos tinham equipes mais conceituadas, mas com menos qualidade.

Quando o Pelé indicou França e Argentina como favoritas, excluindo o Brasil, os jogadores da Seleção ficaram mais motivados?
Felipão: Não deu mais motivação, pois foi motivo de brincadeira. Geralmente, se o Pelé aponta um time tal, esta equipe passa a pensar: \"ai meu Deus\". Ele fala com simplicidade, porque é o pensamento dele e nem imagina a implicação. Quando falou aquilo, passamos a pensar que aqueles dois não estavam mais. No grupo, claro que gera brincadeira. Se você ouve uma ou outra entrevista de Ronaldo e Romário, eles falam sobre o Pelé no sentido de brincadeira, de piada. Quando os times não chegam, a história é reforçada. Não causou mal-estar, porque temos de respeitar opiniões e provar o contrário. Não era só o Pelé que tinha dúvidas da Seleção, e sim 179 milhões. Só nós tínhamos esperança de fazer um bom campeonato.

Até o dia da convocação, havia o apelo popular pelo Romário, que foi titular e capitão em seu primeiro jogo no comando da Seleção, contra o Uruguai. Depois, ele pediu dispensa da Copa América. Quando você decidiu que não o levaria mais?
Felipão: Houve outro problema também, acho que em jogo amistoso nosso (pausa, em dúvida). Não. Foi na Copa América mesmo. Ele disse que faria uma cirurgia (nos olhos), mas, depois, o Vasco viajou e ele acabou não fazendo a operação, porque o clube tinha outro valor sem o Romário e exigiu que fosse junto. Eu estava exigindo atitude dos outros, para que fossem à Colômbia, onde existia um comentário sobre falta de segurança, e comecei a deixar um pouco essa situação de lado. Depois, vi que para jogar no sistema que tinha decidido, com três zagueiros e laterais, precisava de alguém lá na frente com boa movimentação, enquanto o Romário era um jogador mais de área, para ser servido, e não com a movimentação que tinha o Ronaldo.

Seu outro centroavante acabou sendo o Luizão, que não era unanimidade.
Felipão: Claro que existia diferença de qualidade entre Luizão e Romário, todo mundo sabe disso. Mas o Luizão era importante em determinados momentos da partida, porque marcava os zagueiros, era forte e brigador, além de aterrorizar a vida deles. Para determinados momentos, ele era importante e tive de seguir minha leitura.

Mas houve uma pressão enorme para você convocar o Romário, que deu até entrevista coletiva pedindo para ser chamado.
Felipão: Houve pressão da imprensa, de determinados órgãos, mas são coisas normais de ouvir. Mas nunca pararam para me dizer (de dentro da CBF) que eu tinha de convocá-lo.

Você acha que o ambiente no grupo teria sido diferente com ele?
Felipão: Não sei, nunca ouvi falar que ele tivesse mau ambiente, sempre teve bom relacionamento com o grupo. Ele tem uma personalidade como qualquer outro, mas, pela informação que ouço, sempre foi bem visto nos grupos em que esteve. Acredito que não seria diferente, mas tive de fazer uma opção em cima do que eu imaginava do futebol.

Você definiu, então, o grupo depois dos amistosos...
Felipão: Quando fizemos a convocação dos 23, a Seleção passou a ter o ambiente de amizade, porque não se sentiram mais ameaçados. Nosso grupo de trabalho, composto por mim, Murtosa, Paixão, Darlan Schneider (preparador físico), Antônio Lopes, doutor Runco (médico), Rodrigo Lasmar (médico)... Foi composto um grupo e, a partir da ida daqui para Barcelona (local da preparação), ficou tudo fechado, porque antes sempre existiu uma divergência qualquer. A partir dali, o ambiente ficou mil vezes melhor.

Quais divergências?
Felipão: De convocações, de ideias, métodos de treinamentos, exigência aos jogadores... Esta série de detalhes só foi composta com a ida para Barcelona, porque passamos a ter o grupo junto.

Nos clubes, você tinha uma base da psicóloga Regina Brandão, mas ela não viajou com a comissão técnica para a Copa. Vocês mantiveram contato mesmo à distância?
Felipão: Uma vez por semana, eu conversava e dava um feedback para ela sobre o que eu estava vendo do meu grupo. Cafu, Ronaldo, Rivaldo, Roque Júnior e Roberto Carlos também me davam uma posição e eu repassava. Ela me devolvia do Brasil algumas coisas e eu seguia sua orientação, baseado no que eu imaginava conhecer do psicológico.

Fonte: Gazeta Esportiva