Eurico Miranda e o desmonte do projeto olímpico do Vasco
Há oito anos, Eurico Miranda desfilava pelas ruas da tranqüila cidade canadense Winnipeg, sede do Pan de 1999, com seu característico jeito bonachão e orgulhoso. Não era pra menos. Ele se considerava o artífice de boa parte das medalhas conquistadas pela delegação no evento.
Na final do vôlei de praia, em que as \"vascaínas\" Adriana Behar e Shelda conquistaram o ouro, ele se gabava: O Vasco já tem 4 ouros, 7 pratas e 11 bronzes. Se fosse um país, ficaria em sétimo no Pan, na frente da Venezuela. Hoje, às vésperas de mais um Pan, desta vez em sua cidade natal, Miranda encarna um papel bem diferente. O Projeto Olímpico do Vasco já não existe. E ele nem mesmo se esforça para ajudar na organização.
Quer uma prova? Ele não cedeu o estádio do clube para o Rio-2007 abrigar o futebol. Segundo o dirigente, foi uma represália ao secretário geral do Comitê Organizador do Pan, Carlos Roberto Osório. \"O Vasco não vai ceder São Januário para o Pan. Isso é motivado por declarações infelizes e desastrosas do Osório, que se meteu na administração de um clube privado.
Isso mesmo. Aquele que se definia como mecenas do esporte olímpico brasileiro em 2000, hoje não colabora com a organização do Pan por pura retaliação. Além disso, se queixou quando saiu a determinação que durante o Pan (13 a 31 de julho) não poderá haver jogos do Campeonato Brasileiro de futebol na cidade-sede do evento continental.
O curioso é que, nos idos de 1999 e 2000, Miranda estava envolvido na candidatura do Rio a sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007 e planejava estar em sua organização, com pretensão a ter influência no COB (Comitê Olímpico Brasileiro), hoje dominado por dirigentes vindos do vôlei e com forte influência do marketing sua administração (o maior exemplo é Carlos Arthur Nuzman, o presidente da entidade).
Essa transformação começou na formação do projeto olímpico do Vasco. Em 1999, Eurico ainda era vice-presidente do clube e já começava a preparar sua candidatura para a presidência. Em 2001, quando o projeto vascaíno cambaleava e ele atacava o Comitê Olímpico Brasileiro, coincidentemente ou não, Miranda já ocupava o cargo principal no clube.
Com a parceria financeira do NationsBank no futebol vascaíno, o dirigente se viu, de uma hora para a outra, com verba para investir. Com o Pan de Winnipeg batendo à porta e as Olimpíadas de Sydney se aproximando, não foi uma decisão difícil decidir onde colocar o dinheiro.
Em 1999, o Vasco gastou R$ 17,8 milhões nos esportes olímpicos. A quantia era três vezes mais que o investimento do governo federal no setor no período. Pessoalmente, Miranda contatou os atletas de maior renome do país e assinou patrocínios com eles. No dia da abertura do Pan, o Vasco, de papel discreto no esporte amador até ali, era a agremiação com o maior número de participantes na delegação do Brasil: um total de 78 profissionais contratados em 12 modalidades, entre atletas, treinadores e médicos. Seus destaques eram o nadador Gustavo Borges, o velejador Robert Scheidt e a dupla de vôlei de praia Adriana Behar e Shelda, todos voltando com ouro na bagagem.
Miranda, apesar de ocupar, na época, os cargos de deputado federal foi ao Canadá e acompanhou a maioria das competições. Ele não tinha credencial, não era membro oficial da equipe brasileira e mesmo assim foi uma das pessoas mais marcantes dos Jogos.
Um ano depois, o fenômeno se ampliou. Nas Olimpíadas de Sydney-2000, o investimento vascaíno pulou para R$ 30 milhões, superando de longe o dinheiro desembolsado pelo COB, de cerca de R$ 23 milhões. Eram 83 atletas vascaínos nas Olimpíadas. Deles, 19 voltaram ao país com medalha.
Mais uma vez, ele foi uma figura presente em todos os eventos com atletas do seu clube. A explicação era, no mínimo, diferente: O atleta amador é carente de atenção. Jogador de futebol gosta de muita paparicação, enquanto o atleta amador não exige quase nada, disse à época.
O sucesso ainda levou a uma série de promessas. Ele garantiu, por exemplo, que o projeto seguiria até as Olimpíadas de Atenas, em 2004. No auge da popularidade de seu projeto olímpico, Eurico Miranda se elegeu pela primeira vez presidente do Vasco, cargo que mantém, entre uma série de polêmicas, até hoje. Na presidência, porém, o projeto morreu.
Ainda em 2000, o projeto começou a ruir. No final do ano, uma série de atletas passou a reclamar de atrasos salariais. A maioria entrou na justiça contra o clube e alguns ainda não receberam. Destes, nenhum faz críticas abertas ao clube.
Dois atletas procurados pela reportagem do UOL Esporte afirmaram que ganharam as ações e devem receber o dinheiro. Mas temem que, caso aparecessem em nova reportagem sobre o caso, o clube atrase ainda mais o pagamento.
O medo de Miranda e a possibilidade de não receber já eram esperados por quem reclamava em 2000. Em novembro daquele ano, o então diretor técnico da Confederação Brasileira de Triatlo, Lauter Nogueira, alertou para o fato. Ele (Miranda) vai chegar e falar: se você continuar com a camisa do Vasco tudo bem, mas você que ganha R$ 8.000 passa a ganhar R$ 1.600. Ou então vai falar: infelizmente acabou a brincadeira. Um abraço. Os atletas têm uma esperança mínima de que possa resolver. Eles acham que, se ficarem reclamando, dão uma chance ao Eurico passar a foice no pescoço.
Mas não foi só dos atletas que Miranda se distanciou. Em 2000, durante a Assembléia dos Comitês Olímpicos Nacionais, realizada no Rio, ele era uma das principais figuras para a candidatura do Rio para ser sede do Pan de 2007, ao lado do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman.
Após as Olimpíadas, o dirigente soltou o verbo. Esse pessoal (do COB) sabe muito pouco de esporte. Não é levando psicólogo, andando sobre a brasa, que se resolve o problema. Como esses homens, que dirigem o esporte, não pensam que um judoca tem o seu técnico e na hora da competição vai outro? É isso que se deve questionar. Se continuar assim, em 2004 e 2008 vai acontecer a mesma coisa de agora, disse Miranda em outubro de 2000.
O quadro só piorou desde então. O clube parou de pagar salários da maioria dos atletas. Sofreu uma série de processos, alguns que ainda tramitam na Justiça. Culminando com o episódio São Januário barrado para o Pan-2007.
O REI DAS POLÊMICAS - Não por acaso que é o mais conhecido dos dirigentes de futebol. A palavra \"polêmica\" deveria ser nome do meio. Só nessa década, o número delas é enorme. A primeira delas aconteceu na final da Copa JH, que valeu como o Brasileiro-2000, após uma série de viradas de mesa. Na final entre Vasco e São Caetano, um alambrado de São Januário cedeu e feriu mais de 100 torcedores. Com os feridos sendo atendidas no gramado, Miranda tentou recomeçar o jogo dizendo que quem manda aqui sou eu.
Depois, foi protagonista da CPI do Futebol, no Senado, em 2001. O então deputado foi alvo de várias denúncias, entre elas de apropriação indébita de recursos do Vasco, falsidade ideológica por uso de laranja, crimes em sua campanha de 1998, crimes tributários e tentativa de obstrução da CPI. Com tantas críticas, ele não conseguiu se reeleger para o cargo em 2006.
Em sua eleição à presidência do Vasco, em 2000, a oposição já alegava um número muito alto de votantes irregulares. Desta vez, em 2006, o número foi muito maior, segundo o Movimento Unido Vascaíno, que aponta 1256 eleitores a mais que os irregularizados.
A eleição, que confirmou Miranda para mais um mandato a frente do clube, foi impugnada pela Justiça. Agora, o clube tem de realizar nova disputa. A reportagem do UOL Esporte tentou contato com Miranda durante a última semana, sem resposta.
VASCAÍNAS NO JATINHO - A medalha de ouro de Adriana Behar e Shelda no Pan de Winnipeg só aconteceu graças aos esforços e a pressão de Eurico Miranda. As duas não iriam disputar a competição pois as datas coincidiam com o Circuito Mundial da modalidade. Em campanha olímpica, as então bicampeãs do mundo prefeririam perder o Pan a se ausentar por duas etapas do Circuito e correr o risco de ficar de fora de Sydney-2000.
Miranda resolveu o problema alugando um jatinho, para levar as duas do Canadá para Osaka, no Japão. A dupla viajou logo após conquistar a medalha de ouro e enfrentou uma verdadeira maratona de 13 horas de vôo, com paradas no Alasca e no leste da Rússia antes de chegar ao Japão.
Quatro anos depois, quando o vôlei de praia estava sendo ameaçado do corte de verbas pelos resultados abaixo do esperado no Pan de Santo Domingo, as atletas rebateram que não recebiam apoio do COB: Só competimos em Winnipeg porque o Eurico Miranda fretou um avião para que chegássemos a tempo\", lembrou Shelda.
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