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Eu vou onde vai o Vascão (relato - Site oficial da FJV)

*Por Paulo Murillo

Ritual de batizado reforça os laços de amizade
entre componentes da Força Jovem.


O estouro de um morteiro em frente ao portão principal de São Januário indicou o começo da excursão. Era 11h45 e a caravana da Força Jovem partia para Belo Horizonte onde assistiria, naquela noite de quarta-feira (12/11), o Vasco ser goleado por 4x1 pelo Atlético-MG. Entre os presentes, o ambiente era de confiança: o time vinha de quatro bons resultados e após a vitória sobre o Santos (1x0) tinha saído da zona de rebaixamento no Campeonato Brasileiro, depois de nove rodadas.

O jogo começou atrasado, já que os dois ônibus da Alpha Ômega Turismo alugados pela Força Jovem deveriam sair às 8h30 e só pegaram a estrada horas depois. De diferentes pontos da cidade, também seguiram para Belo Horizonte um ônibus e algumas vans, de outras torcidas organizadas. Quando o morteiro pipocou no ar, Bala, da Mancha Negra, entrou correndo, enquanto as últimas latas de cerveja eram passadas pelas janelas.

A caravana seguiu em ritmo de festa. Meio-dia, estava na Linha Vermelha e era possível observar o Pavilhão de São Cristóvão vazio. Enquanto isso, os jogadores do Vasco, concentrados num bom hotel da capital mineira, preparavam-se para o almoço, depois de uma manhã de descanso. Eles chegaram segunda-feira à noite e no dia seguinte treinaram na Toca da Raposa II, do Cruzeiro.

INTEGRAÇÃO – Todos confiavam na vitória, mas alguns vascaínos se preocupavam mais com a própria pele do que outros, pois estavam prestes a serem batizados. Os componentes da Força Jovem passam por este ritual na sua primeira viagem. Em geral, torcedores com pouco tempo de torcida organizada e que, apesar de algumas escoriações, quase sempre levam a brincadeira na esportiva, por seu caráter de integração.

Bem antes de chegar à Rodovia Washington Luís, quatro dos que seriam batizados no ônibus da diretoria já estavam devidamente identificados por Policinha. Pareciam apreensivos e tinham razão: atravessariam três vezes um corredor polonês formado por veteranos. Depois, dentre outras coisas, seriam trancados no banheiro com a janela fechada, onde cantariam músicas de incentivo durante a viagem.

Foi o que aconteceu: os torcedores de primeira viagem passaram correndo algumas vezes num corredor polonês com passagem de ida e volta. Sem camisa e com a cabeça abaixada para não machucar o rosto e facilitar os tapas nas costas. Na última, rumo ao banheiro, vestiam as camisas da Força Jovem e recebiam aplausos. A brincadeira estava começando.

– Ei Policinha, aquele russo ali na frente é novato e está enganando a gente! – disse Panda.

– Podicrê, vai ser batizado também – disparou Tiago, recebendo apoio de Maurinho, Rogério e de outros.

À beira do desespero ao observar que Pandeirinho o esperava no meio do corredor, Flávio argumentou:

– Que isso!!! Eu viajei duas vezes. No Vasco x Cruzeiro em 2000 e num Vasco x Santos em 2006!

– Vasco x Santos não teve caravana, é mentira. Alguém se lembra dele em 2000? – perguntou Policinha.

– Vasco x Santos foi aquele que eles atiraram uma privada na nossa direção!

– Não tenta enganar, esse aconteceu num outro jogo.

– Eu não me lembro dele não... – rebateu Panda.

– Nem eu – afirmou Valter Luís.

– Tudo bem, então escala o time do Vasco para hoje à noite que você escapa.

– Mas o Renato divulgou a escalação?!?!?

– Sim, divulgou. Agora pára de conversa e vai dizendo aí.

– É Rafael; Wagner Diniz, Eduardo Luís, Jorge Luís, Odvan e ...Valmir?

– Rodrigo Antônio, animal. Vai para o corredor polonês! – decretou Policinha.

Flávio trocou a poltrona pelo banheiro, onde prosseguiu a viagem em pé, pulando, fazendo ola e cantando com disposição, junto com seus novos companheiros. Até que Policinha surgiu do nada, peidou dentro da cabine lotada e foi embora, gerando pânico, pois todos ali respiravam por um tubo de ventilação instalado no teto. Ele reconheceu que exagerou e prometeu não repetir o gesto inusitado.

– Eu sou... da Força Jovem eu sou...

– Mais alto, não estou escutando!!! – ordenava um veterano.

Algum tempo depois, eles deixaram a minúscula cabine sob aplausos. Próximo ao pedágio de Petrópolis, um carro suspeito aproximou-se do ônibus, mas logo foi embora. Pandeirinho não se impressionou com a violência dos tapas desferidos nas costas dos batizados:

– Por 12 cervejas eu vou e volto. Mas tem que ser 12 garrafas!!! – disparou, escancarando uma gargalhada. Ninguém bancou a proposta.

A moleza deles terminou na divisa do Minas Gerais, quando Chumbo desconfiou do boné de Gordinho:

– Ih, o boné do Gordinho é vermelho e preto (na verdade, azul marinho).

– Imperdoável, meu irmão – emendou Sabóia.

– Corredor polonês de novo... Todo mundo.

– Na cara não para não estragar o velório – disse Rogério, parodiando o filme Tropa de Elite.

GOL DO VASCO – Trancados na cabine, os batizados começaram a narrar a escalação:

– Suderj informa. Um: Rafael; Dois; Wagner Diniz; Três...

– Narra um gol do Madson – exigiu Douglas.

–... Madson recebeu a bola, chutou e goooool do Vasco!!!

– Gordinho, você é o líder, organiza a narração direito – exigiu Panda, do outro lado da porta.

– Agora quero ouvir o gol do Edmundo de pênalti contra o Santos – disse Steve.

– Lá vai Edmundo para a bola... e gol.

– Cimento e cola é Quartzolite! – anunciou uma voz abafada, no horário comercial.

Pouco antes da única parada para comer até Belo Horizonte, Rogério anunciou que os torcedores batizados trocariam de ônibus para repetir a dose. Explicou que a cerimônia de batizado não tem o propósito de ferir ninguém. O objetivo do ritual é unir a torcida, fazendo os mais novos sentirem-se em casa:

– Isso é para entrarem no ritmo de Vasco x Flamengo. Vocês estão sendo preparados, para ficar com a carcaça afiada. Aí se acontecer de levar uma paulada na cabeça dos vermes vão continuar lutando.

Filipe compreendeu a mensagem:

– Estava preparado. Sempre tem a primeira vez, mas depois dessa eu vou à forra. Só não imaginava tomar porrada de novo, no outro ônibus.

ALMOÇO – Conhecidos pela cordialidade e comportamento exemplar nas estradas, os componentes da Força Jovem como sempre foram muito bem recebidos pelos funcionários da lanchonete Graal, localizada pouco depois de Juiz de Fora. Comida a quilo saborosa, mas cara. Meia hora depois, todos voltaram a seus lugares. A viagem recomeçou. Astro já havia batizado alguns companheiros e fazia a digestão observando a paisagem montanhosa que se apresentava na janela.

Os cinco novatos se despediram e chegaram três, visivelmente preocupados, depois da experiência que tiveram no outro ônibus. Ficou pior depois que alguém viu semelhanças entre o penteado de Bismarck – cujo nome não nega a origem vascaína – e o de Léo Moura, lateral do Flamengo. Além de sofrer no corredor, Bismarck prometeu cortar o cabelo quando retornasse ao Rio. Quem também sofreu com brincadeiras foi Zé Otávio, chamado de “primo do Grande”. Depois de passar por tudo novamente, além da dança da bundinha e algumas flexões de braço, repetiram em coro:

– Eu gosto dos meus amigos porque eles me deixam no ritmo da guerra.

Num raro momento de tranqüilidade, o silêncio foi cortado por um som abafado que vinha do banheiro, mas que parecia distante:

– Força Jovem (Força Jovem); em movimento (em movimento)...

A tranqüilidade de Astro mudou radicalmente depois que Policinha foi informado que ele fazia a sua primeira viagem na Força Jovem. Pior: segundo rumores, teria dito que se fosse batizado contaria tudo para Léo – membro da FJV ausente na caravana –, e que este procuraria um por um para tirar satisfação devido aos tapas e pescoções que levaria.

– Tá maluco? Quem disse que vou contar alguma coisa? Claro que não, eu nunca falei isso! – defendeu-se Astro, tentando negociar um batizado mais tranqüilo.

– Você nunca viajou, então vai para o corredor! – disse Tiago.

– Se fosse minha primeira vez eu deveria ter trocado de ônibus – alegou, sem efeito algum.

Ninguém escutou sua última tentativa:

– Eu viajei duas vezes com a TOV!!!

Depois de alguma conversa, concordou “amigavelmente” passar duas vezes pelo corredor polonês, ida e volta, e se trancar em pé no banheiro, não sem antes levar um corretivo dos outros três que estavam sendo batizados.

BLITZ – Chovia fino quando, às 17h45, os ônibus da Força Jovem ultrapassaram o perigoso Viaduto das Almas. Uma hora depois, foram interceptados pela Polícia Militar/MG ainda na estrada, para uma minuciosa blitz. Os componentes da torcida deixaram os veículos em grupos pequenos, foram revistados e esperaram a liberação sentados num gramado, numa espécie de piquenique sem comida. O repórter quis saber do comandante se aquele procedimento era normal.

– Todas as torcidas organizadas que chegam do Rio e de São Paulo são paradas aqui para a revista. Às vezes encontramos armas e drogas – explicou o coronel Carvalho.

Naturalmente, nada de errado foi achado e às 19h10 a blitz acabou. Alguns torcedores vieram para o ônibus da diretoria porque o outro, segundo a polícia, tinha gente demais. Quatro atleticanos da Galoucura pegaram carona. A polícia escoltou a caravana até dentro do estádio. Antes da saída, o sargento Fábio José passou as últimas orientações táticas:

– Bacana, cerveja e bomba aqui é proibido.

MINEIRÃO – Os ônibus deram uma volta de 360 graus na parte interna do Mineirão, num turismo forçado para os torcedores, que estavam cansados da viagem. Foi preciso esperar meia hora dentro dos ônibus para que a entrada nas cadeiras inferiores fosse liberada. A polícia não gostou de uma música, invadiu o espaço destinado à torcida do Vasco e silenciou o surdo que estava nas mãos de Diogo. A partir daí, alguns cantos tradicionais de incentivo foram auto-censurados para evitar novos problemas.

Mesmo com o carnaval ainda distante, um sujeito vestido de galo (símbolo do Atlético/MG) apareceu no gramado e foi saudar a torcida do Vasco. Topetiih e Tindo não viram nada disso porque estavam explorando a lanchonete do Mineirão. São padronizadas em todo o estádio e vendem apenas sanduíche de porco (R$3), churrasco de porco (R$3), prato de feijão tropeiro (R$7) e refrigerantes (R$2). Torresmo está em falta. Hamburguer, nem pensar.

O churrasco de porco é servido em pequenas tiras e lembra comida chinesa requentada, servida com palitos de dente. Quem não aprecia o paladar suíno tem a opção de matar o fome comendo pipopa, cachorro quente ou bombas de chocolate com vendedores ambulantes.

A DERROTA – O Atlético/MG entrou em campo primeiro e foi saudado pela grande maioria dos 42.182 pagantes. Mas a torcida do Vasco gritava forte, confiava num bom resultado. Àquela altura os batizados já eram veteranos. O time cruzmaltino foi saudar sua torcida, mas tinha um problema grave, como se veria em seguida: suspenso, Alex Teixeira foi substituído pelo limitado Leandro Amaral.

O Vasco jogava mal e logo aos 10min o adversário abriu o placar, com Castillo. A situação piorou aos 31min, quando Ramon Oliveira marcou o segundo gol. O ataque era incapaz de segurar a bola e o meio-campo não criava nada. Pela visão de onde estava a torcida do Vasco, a situação do time naquela noite era bem mais perigosa do que a de Astro, Gordinho, Léo Moura, Flávio, Filipe, Daniel, Bismarck e dos outros recém-batizados.

Para o segundo tempo, Renato Gaúcho lançou Leandro Bonfim no lugar de Eduardo Luiz e voltou para o tradicional 4-4-2. Quando o Atlético/MG fez 4x0, aos 17min, com dois gols de pênalti, o que se ouvia era “Queremos seis”, numa alusão ao jogo de ida, em São Januário, em que o Vasco sapecou 6x1. Quando parte da massa iniciou o coro de “segunda divisão”, a própria torcida adversária tratou de resolver o impasse:

– União sinistra que ninguém segura – Força Jovem e Galoucura!!!

Aos 22min, Madson descontou por acaso: cobrou falta à direita da grande área, a bola não bateu em ninguém e entrou graças a um corta-luz de Odvan. Novamente um dos destaques negativos foi Leandro Amaral, que errou quase tudo. Diferente do que apresentou contra o Santos, quando chutou a bandeirinha ao cobrar um escanteio, dessa vez o atacante cobrou um pênalti com paradinha, aos 45min, e isolou a bola por cima do travessão.

– Esse Leandro Amaral está debochando da nossa cara. É inacreditável o que acontece – desabafou Sueli de Araújo, torcedora de arquibancada há mais de 40 anos, carinhosamente chamada de tia do Eddie e componente da FJV desde a década de 70.

Após o jogo, os componentes da Guerreiros do Almirante continuaram cantando:

– Somos, somos guerreiros e apoiaremos o Vascão para sempre!!!

As luzes do Mineirão já se apagavam quando eles se uniram às outras torcidas organizadas do Vasco presentes. Passava de meia-noite, hora de escarar novamente a estrada.

O RETORNO – O carpinteiro Francisco Andrade se despediu e ficou em Belo Horizonte. Dizem que foi para a rodoviária. Motivo: levou a sério a ameaça de Valter Luís, de que seria batizado na volta ao Rio. Os vascaínos esperaram na parte interna do Mineirão até o público ir embora, no começo da madrugada, para embarcar nos ônibus, vans e seguir viagem. Com a derrota, o clima era de tristeza e preocupação com o destino do time no Brasileirão. Quem não estava cansado tinha sono ou fome. Era impossível negociar com a moça do caixa.

– Pandeirinho estava esperando o tropeiro cair para R$3 para comprar – observou Rogério.

A amizade entre a Força Jovem e a Galoucura foi reforçada com a troca de peças de roupa pelos componentes das duas torcidas. Os vascaínos retornaram para o Rio com casacos, camisas, calças e bonés da Galoucura; e deixaram em Minas camisas da FJV e objetos. Quando o ônibus finalmente deixou o estádio, encontrou nas ruas alguns torcedores retardatários, felizes com a vitória do seu time. Um deles estava com o boné da Força Jovem na cabeça e escutou a mensagem:

– Aí atleticano, se deu bem. Com esse boné na Força Jovem você vai pegar um monte de mulher! – garantiu Maurinho.

– É a Força! É a Força! – gritava Douglas pela janela.

O ônibus da diretoria errou o caminho, parou da Avenida Pedro II e um motoqueiro apareceu para dar informações, despertando suspeitas de uma emboscada da torcida do Cruzeiro. “Você é mariazinha, meu chapa?”. O motoqueiro garantiu que não era e foi embora. Por ali funciona um ponto de prostituição de travestis. Quando algum cliente desavisado chegava para abordar as “moças”, era logo saudado:

–Se dando bem!!! Vai namorar o João!!!

– É a Força! É a Força!

O motor do ônibus teve problemas na BR-040 próximo a Três Rios quando o dia já estava quase amanhecendo. Quase todos dormiam. Às 7h15, o ônibus chegava na Avenida Brasil e um novo dia estava começando. É tempo de trabalhar. Rogério trocou de roupa, botou uma camisa social, lançou um desodorante por cima e disparou:

– Lamentável. O Vasco perdeu e agora vou trabalhar o dia inteiro como se fosse mendigo!!!

– Pandeirinho, acorda. Cerveja!!!

Outros foram descendo pelo caminho, a maioria atrasada para o trabalho. O ônibus estava quase vazio quando passou por São Januário. O outro chegou um pouco antes e Bala, que entrou correndo na ida, saiu correndo com a faixa da Mancha Negra, em direção à Barreira.

*Paulo Murillo é Jornalista

Fonte: Site oficial da Força Jovem: www.forcajovem.com.br