Especialistas falam sobre o fator psicológico vascaíno no final da Série B
O fator emocional virou assunto no Vasco, na semana decisiva para o clube na busca pelo acesso à Série A. Na traumática derrota para o Sampaio Corrêa, em São Januário, alguns jogadores deixaram o campo aos prantos. Por outro lado, viu-se membros do staff em demonstrações de raiva. As críticas, de modo geral, se voltaram a uma falta de controle emocional da equipe em segurar o resultado. Desse modo, o tema passou a ser a grande preocupação dos torcedores para a última rodada da Serie B.
Diante desse cenário, o Jogada 10 foi buscar a opinião de especialistas. As psicólogas Thalita Martignoni e Aline Saramago opinaram sobre o que pode ser feito para que os atletas do Vasco lidem com a pressão por um resultado que garanta o retorno à primeira divisão. O time faz o último e decisivo jogo contra o Ituano, no próximo domingo, fora de casa e precisa de pelo menos um empate.
Thalita é mestre em psicologia social (PUC-Goiás) e terapeuta Certificada em EMDR (abordagem de reprocessamento de memórias traumáticas) e atualmente cursa pós-graduação em Terapia Cognitivo Comportamental aplicada à Infância e Juventude na PUC RIO. Aline é psicóloga e coach e tem experiências anteriores com atletas de diversas modalidades como vôlei, triatlo, crossfit, lutas e até mesmo de xadrez e games.
Que tipo de trabalho pode ser feito com atletas para amenizar a pressão e para que se recuperem de uma derrota tão dura ?
Thalita Martignoni: O primeiro trabalho é o acolhimento da dor, da frustração e da tristeza da derrota. Houve muito empenho, muito esforço e obviamente, muita expectativa de vitória. Não é fácil se decepcionar, decepcionar a expectativa de uma grande torcida. Uma derrota é sempre uma derrota, um evento que ativa grandes emoções. Diante de um evento trágico, de não alcançarmos um objetivo tão desejado, podemos sentir muita tristeza, chorar, expressar a dor, a frustração e isso é saudável. É uma emoção que nos leva ao recolhimento, à reflexão e que nos ajuda a refazer a rota para continuar.
Em segundo lugar, trabalhar a aceitação radical da realidade. Mesmo sendo um jogo decisivo, em que ganhar é muito importante, a derrota é sempre uma possibilidade. Isso vai na contramão da expectativa da torcida apaixonada, de que a derrota do Vasco é inadmissível, que ele não poderia ter perdido essa chance. Todas essas expectativas são irrealistas. Perder é sempre uma possibilidade. Não se preparar para a derrota e ficar buscando culpados é uma grande fonte de sofrimento. É preciso se lembrar que jogo é jogo. São dois times. Não é razoável que se ganhe sempre. Haverá derrotas e vitórias.
Em terceiro lugar, é preciso desconectar autovalor de desempenho. Essa postura rígida da torcida que diante da derrota vira as costas para o time e hostiliza os jogadores reforça essa lógica de “tudo ou nada”, leva uma mensagem de que o jogador só tem valor se demonstrar alto rendimento.Essa é uma boa metáfora para a vida. Quantos de nós ficamos presos na lógica do sucesso e fracasso e só nos sentimos bem se estivermos vencendo na vida? Qualquer fracasso é terrível, qualquer desempenho tem que ser perfeito, incrível para ser reconhecido. É preciso aceitar a derrota sem que isso signifique fracasso como pessoa. Assim, é possível tolerar melhor os resultados negativos e se fortalecer para seguir .
Aline Saramago : Nessas situações, trabalho temas e questões como aceitação, perdão, ressignificação. Aceitar o que houve no passado e nos perdoarmos e perdoar aos outros para poder seguir em frente, ou ainda buscar formas de interpretar a situação de uma forma construtiva, levando os aprendizados para as experiências futuras pode ser transformador.
Há também que se desenvolver a resiliência e a tolerância à frustração, haja vista que nem sempre a vida será justa e livre de percalços. Se planejar e preparar para os próximos desafios, realizando este trabalho de equilíbrio emocional é fundamental para que mente e corpo estejam alinhados para os próximos jogos.
Em relação à pressão que possam estar sentindo sobre os próximos desafios, é imprescindível buscar relaxar e se distrair nos momentos livres, pois a tensão emocional pode influenciar no físico e, consequentemente levar a lesões. Fazer um trabalho psicológico a fim de que se preparem mentalmente, além do físico, claro, é fundamental para enfrentar os jogos que estão por vir e obter melhores resultados.
Como se trabalha com um trauma em coletivo, em um grupo tão diverso de atletas, em que cada um absorve de uma forma ?
Thalita Martignoni: O grupo tem essa força maior, de vivenciar juntos a mesma dor. Quando recebemos acolhimento nesse momento, sentimos a empatia daquele que vem nos abraçar, nos confortar, que se coloca ao nosso lado para sofrer junto com a gente, nos sentimos um pouco mais fortalecidos e confiantes para continuar seguindo em frente e buscar melhores resultados. Há muita cumplicidade e fortalecimento de um grupo também nos momentos difíceis.
De fato, a empatia é o melhor remédio diante de uma derrota. Quando falta empatia, quando num momento de fracasso você é desconsiderado, julgado como incompetente e incapaz, essa atitude traz uma lógica de que fracassar é inadmissível e que você só tem valor quando ganha. Isso leva a sentimentos de vergonha e divisão dentro do próprio time. Quando a identidade coletiva é forte, os jogadores podem se unir para cuidar uns dos outros, levantar aquele que caiu, ajudar o que está com dificuldade de se reerguer.
Aline Saramago: Considero importante tanto o acompanhamento psicológico individual, mas também o trabalho com dinâmicas de grupo também manejadas por especialistas, que propiciam maior engajamento, parceria e integração dos jogadores. Cada psicólogo trabalha de uma forma. Mas esses seriam temas que eu trabalharia.
Fonte: Jogada 10Mais lidas
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