Futebol

Especialista dá aula sobre categorias de base e fala sobre Vasco

Respeitadíssimo no mundo árabe, o técnico Leonardo Vitorino é um dos responsáveis pela evolução do futebol no Catar. Comandante da equipe juniores do Al-Gharafa, antigo time de Juninho Pernambucano, o carioca acumula conhecimento em categorias de base. Tal conhecimento foi adquirido ao longo de anos no convívio de alguns dos maiores treinadores de futebol do mundo, como Sir.Alex Ferguson, do Manchester United, e Carlos Ancelotti, que durante anos comandou o Milan.

Por conta disso, Leonardo sabe como funciona o trabalho de base em muitos clubes do futebol mundial. Como atual momento das categorias de base do Vasco não é nada bom, o SuperVasco.com procurou o profissional para debater o assunto. No bate-papo, que você poderá conferir abaixo, Vitorino dá uma verdadeira aula sobre trabalho de base.

Confira a entrevista:

Antes de mais nada, faça uma breve apresentação para o nosso leitor.

\"Tenho 38 anos e possuo uma vasta experiência internacional. Já trabalhei em seleções de base e clubes, como: Botafogo FR (RJ), América FC (RJ), Estados Unidos, Austrália e Trindade e Tobago, além de já ter trabalhado em equipes profissionais: Macaé Esporte (RJ), Estrela do Norte (ES), Rio Branco (ES) e Santos FC (Angola). Já ministrei palestras nos Cursos nestes locais: Academia Brasileira de Futebol (FIFA), Sindicato dos Treinadores de Futebol do Rio de Janeiro, Associação Brasileira dos Treinadores de Futebol. Hoje, trabalho no Al Gharafa, do Qatar, equipe que foi a última tricampeã do País e foi eleita pela Federação de Futebol do Qatar como melhor trabalho de base por quatro anos seguidos, sendo que estou cinco anos trabalhando neste clube. A minha maior relação com o Vasco da Gama se deu no processo de integração entre o clube carioca e o Al Gharafa, com o objetivo no treinamento de manutenção da forma física e técnica do Juninho Pernambucano, na ocasião de sua volta ao time cruzmaltino.\"

Você trabalha fora do Brasil há muitos anos. De fora, como você vê o trabalho que vem sendo realizado nas categorias de base dos times brasileiros? Na sua visão, por qual motivo o Brasil não revela mais tantos craques como antigamente? Qual clube brasileiro para você deve ser seguido como exemplo?

\"Penso que o trabalho de base do Brasil revela muitos jogadores, mas pode revelar muito mais. O Brasil ainda precisa profissionalizar mais os seus treinadores (precisam trabalhar de forma integral no clube) e procurar se atualizar mais. Nós, brasileiros, temos o defeito de achar que só por sermos brasileiros e não temos que aprender com os estrangeiros. A realidade do futebol é completamente diferente no cenário de hoje. O Japão, por exemplo, tem ido a todos os Mundiais, pois, buscaram intercambio com outros países e seus treinadores e jogadores passaram a fazer cursos no exterior. O FC Barcelona, que hoje tanto se fala, começou o trabalho há 10 anos com o Cruiff, que integrou profissional e base e colocou profissionais capacitados na sua base independente de ter sido jogador ou não. O futebol brasileiro deixou de trabalhar o fundamento (passe, controle, lançamento, cabeceio, etc...) com as duas pernas, para trabalhar somente sistemas táticos e deixar de lado a qualidade técnica do jogador. A captação do jogador, antigamente, era feita no futsal. Hoje, alguns clubes estão mais preocupados em realizar peneiras, pois, talvez, politicamente seja mais interessante. Um dos trabalhos mais bem realizados no Brasil é o do SC Internacional (RS), porque eles souberam unir estes aspectos e de forma científica. Sempre têm profissionais buscando informações do que acontece em termos de treinamento, tanto no Brasil quanto no exterior. Futebol, hoje, não tem mais espaço para quem não se prepara e qualifica\".

Como funciona o trabalho de base no Qatar e nos clubes europeus. É verdade que vocês, no Al Gharafa, trabalham visando formar uma geração capaz de fazer bonito na Copa do Mundo de 2022?

\"Por estar trabalhando em um país que é o primeiro representante como sede em Mundial do Golfo na história do futebol, o Qatar tem investido muito na formação de jogadores e tem recebidos vários times e seleções para competições aqui. Isso faz com que a gente possa colher informações valiosas para formação de jogadores em muitos países. Mas, como brasileiro e com a experiência de já ter trabalhado em outros lugares, observei que não podemos aplicar aqui o mesmo trabalho que é feito no Brasil, mas sim achar um meio termo. Cada escola de futebol tem sua metodologia de treino diferente: a francesa trabalha em treinos quadrantes; espanhola: campos reduzidos; africana: força e velocidade ... Hoje, aqui, conseguimos aplicar o trabalho de fundamento brasileiro, aliado ao trabalho coordenativo holandês, que é um dos que mais me atraíram. A nossa formação no clube tem treinadores de várias nacionalidades: francês, italiano, marroquino, argelino e tunisiano. Mas, o fundamental é a integração de todos os treinadores que respeitam o trabalho um dos outros e sempre acompanhando aos jogos de todos, tanto da categoria de cima, quanto da categoria de baixo. Isso aqui é obrigatório! Essa integração faz com que a dispensa de um jogador, por exemplo, seja uma decisão conjunta de todos os treinadores, fazendo com que a margem de erro seja menor e fiquem, só, os melhores\".

Acredita que a estrutura oferecida no Brasil está longe de ser a ideal para a formação de jovens talentos?

\"O futebol brasileiro tem muitos clubes com boa estrutura e aqueles que ainda não tem vão sofrer mais para frente na hora de completar seus elencos, tendo que contratar inclusive jogadores para ser reserva. O segredo é planejar. Se um clube deixar de gastar com contratações para jogadores ficarem na reseva e sem jogar e colocar este valor na base, depois de cinco anos vai ter, com certeza, pelo menos 50% de jogadores que formam o time reserva com jogadores oriundos da base. Para se formar é necessário investimento. E, investir, hoje, faz com que os gastos futuros sejam menores. Na minha opinião é preferível duplicar os salários dos profissionais da base e cobrar que eles fiquem de manhã e de tarde no clube e ajudem as outras categorias sem ser a dele do que eles trabalharem no clube e terem que completar o orçamento em outros lugares. Se a agremiação plantar hoje colherá no futuro ... Atualmente, o Ajax, o FC Barcelona e o PSG estão aí para mostrar que esse é o caminho\".

Na sua visão, para um trabalho de base ser excelente, quantos jogadores por ano devem subir ao time profissional?

\"Se um clube colocar dois jogadores prontos para jogar no time principal será um trabalho bem feito. Mas, para isso é necessário se competir mais na base e dar rodagem ao jogador. Só se ganha experiência jogando. Ninguém fica experiente na reserva. Por isso que acho que o Brasil poderia ter um Campeonato Brasileiro de Juniores, seguindo exatamente às preliminares do profissional. Estádios ficariam mais cheios, torcedores chegariam mais cedo e os jogadores iriam poder acompanhar de perto seus futuros craques\".

Para que os jovens sejam utilizados no time profissional é necessário que exista uma política de aproveitamento no clube que garanta aos que se destacarem uma vaga no plantel principal? Pergunto por que na minha visão de nada adianta a base revelar e o clube não utilizar.

\"Tudo depende da qualidade da formação. O treinador do profissional só irá utilizar o jogador que tiver realmente qualidade, pois, ele vive de resultados. Normalmente, os grandes jogadores são aqueles que vêm jogando no clube há no mínimo cinco anos. Só observarmos: Felipe, Juninho Pernambucano, Romário e por aí a fora. Mas, tudo depende da política do clube. Tem clube em que a política é vender jogador para aplicar em melhorias, outros formar jogador e diminuir gastos no time profissional. No Brasil temos vários exemplos destes dois tipos. Hoje, no futebol mundial, o FC Barcelona é visto como um espelho e um exemplo a ser seguido, já que a maioria dos atletas do seu plantel foram revelados no clube. Qual é a principal diferença da equipe catalã para os outros clubes do futebol mundial, como os brasileiros, por exemplo. Tive a oportunidade de conversar com Sandro Rossell (presidente do FC Barcelona) e ele me falou que o segredo da captação de jogadores para a sua equipe é simples: valorização do clube, profissionais qualificados e capacitados e estrutura que desperta o desejo de todos chegarem lá. Só para que se tenha uma ideia, em 2010, um de seus treinadores das categorias de base (Sergi Barjuan) disse que se um talentoso jogador, com potencial para ser tão bom quanto o Messi, não cumprir com suas obrigações escolares e com normas de conduta do clube, será convidado a sair do FC Barcelona. Isso mostra que, primeiro, a Instituição é mais importante que o jogador. Outro segredo: definiram uma linha de trabalho, diretrizes para a formação do atleta, de acordo com os valores do clube e da sua ideia de futebol:

- Escolheram um gestor/coordenador PREPARADO para conduzir o processo e este escolheu os profissionais (treinadores, preparadores físicos, treinadores de goleiro e etc.) que se encaixaram no perfil pretendido

- Pensaram em um projeto de médio e longo prazo e entenderam que os resultados representam um dos indicadores e não o único indicador do andamento do processo

- Investiram na formação cognitiva/intelectual e humana dos atletas e, principalmente, na percepção do mesmo sobre a sua necessidade constante de busca de aprendizado (se necessário, adotar medidas operacionais, como não conceder entrevistas; trabalho de conscientização com os familitares; limitar a participação de empresários, etc.)

- Principalmente, no campo, hoje, eles têm em sua base, equipes que jogam em um mesmo sistema e valorizam a posse de bola. Além de um treinador que também foi formado pelo clube e já conhecia todos os jogadores da base.

Estes foram diferenciais que acho que nao se aproxima de nenhum clube brasileiro no momento que vivemos hoje\".

Você tem o desejo de trabalhar no Vasco um dia? Em caso de resposta afirmativa, em qual função?

\"Quem não sonha em trabalhar em clube da grandeza do CR Vasco da Gama? Lógico, que sonho em poder contribuir com meu trabalho para o futebol brasileiro. Já são, praticamente, 10 anos trabalhando no exterior, entre idas e vindas, e a hora de voltar está próxima. O clube está crescendo cada dia mais, a torcida é uma das mais apaixonadas do Brasil e tem excelentes jogadores. Um dia eu vou trabalhar no Vasco, isso você pode ter certeza. Mas, só acontecerá quando o clube quiser e tiver a possibilidade para tal. Com relação à nomenclatura ou função, somente eles poderão definir. Quando acontecer este dia o mais importante será o trabalho pela instituição Vasco da Gama, mais do que a função que poderá ser técnica ou de gestão. O Vasco sempre foi e sempre será grande.
O que tem me deixado muito feliz são as inúmeras mensagens de torcedores e sócios do Clube que tenho recebido através das redes sociais elogiando meu trabalho aqui. A coisa mais difícil no futebol é ter seu trabalho reconhecido pelo torcedor . E isso tem me deixado muito feliz, fazendo com que até aqui em casa meus familiares fiquem pensando em uma possível volta para o Brasil. Agradeço de coração a toda torcida do Clube por isso\".

Se recebesse um convite oficial neste ano você ‘largaria’ o Qatar para encarar o desafio no Gigante da Colina? Chamo de desafio pelo fato da base do Vasco ter sido alvo nos últimos tempos de algumas denúncias e do clube ainda não possuir um Centro de Treinamento para revelar suas jovens promessas.

\"Não gosto muito de falar em hipóteses. Hoje, trabalho em um dos maiores clubes da Ásia e costumo honrar meus contratos, basta recordar que os meus últimos trabalhos no exterior foram quatro anos em Angola, um ano nos Estados Unidos e agora cinco anos no Qatar. Faltam cinco meses para o encerramento de meu contrato e existem sondagem de um clube do Rio de Janeiro, que não é o Vasco da Gama, um de São Paulo e a possibilidade de permanencia em outro clube aqui do Qatar. Mas, até agora não recebí oficialmente nenhum convite do Vasco. Antes de maio minha saída aqui é impossível, pois, normalmente, não quebro contrato, além de ter uma gratidão muito grande com o presidente do Al Gharafa por ter me trazido e hoje ter a confiança em meu trabalho. Mas, com certeza, um dia irei trabalhar no Vasco. Isso pode ser daqui a alguns meses ou daqui a alguns anos. Mas, só irei quando o trabalho tiver como objetivo a formação em longo prazo e sem interferências de empresários. Jogador tem que se preocupar em jogar futebol, família em dar o apoio em casa e o empresário te que dar o apoio ao jogador fora do clube. Nos treinamentos só devem estar presentes jogadores, comissão técnica e diretoria. Mais ninguém! Com relação a denúncias ou não, isso somente a diretoria, os sócios e os beneméritos do clube que tem que julgar se o trabalho é satisfatório ou não. Eu não trabalho no clube e, portanto, não tenho competência para falar se tais denúncias são verdadeiras ou não. O Vasco da Gama possui uma diretoria, torcida, sócios e um conselho que sabem o que é bom para o clube\".

Por falar no Vasco, recentemente o clube mandou sua equipe sub-17 para participar de um torneio aí no Qatar. O que você poderia falar sobre o desempenho dos ‘Meninos da Colina’?

\"Lógico que toda equipe brasileira e, principalmente, o Vasco, quando vai disputar toda competição em qualquer lugar do Brasil e do Mundo, se espera que seja um dos finalistas. Infelizmente, o clube ficou fora na primeira fase, mas segundo soube, não contaram com três jogadores que estavam na Seleção Brasileira não viajaram. Isso pode ter prejudicado o desempenho. O que me chamou a atenção positivamente foi a conduta extra campo dos jogadores, comissão técnica e diretores, que representarem dignamente o clube. Prova disso é que o Vasco da Gama ganhou o Troféu Fair Play (time que levou menos cartões). Torço para que no próximo ano eles possam voltar com um time mais forte, competitivo e conquistar mais premios coletivos e individuais\".

\"Juninho

Leonardo Vitorino treinando Juninho Pernambucano


Para conhecer mais sobre o trabalho de Leonardo Vitorino acesso o site oficial do mesmo: WWW.LEONARDOVITORINO.COM.BR

Escrito por Carlos Gregório Júnior.

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