Dia da 'Resposta Histórica' é aprovada pela Câmara do Rio
A famosa "Resposta Histórica", como ficou conhecida a carta escrita em 7 de abril de 1924 pelo então presidente do Vasco, José Augusto Prestes, agora tem sua data oficialmente integrada ao calendário oficial do Rio de Janeiro. O projeto de lei criado pelo vereador Tarcísio Motta (PSOL-RJ) e aprovado hoje (22) em sessão na Câmara.
A "Resposta Histórica" é vista como um marco contra o racismo e a discriminação no futebol brasileiro. Para muitos, inclusive, com uma importância maior que qualquer conquista da centenária história cruzmaltina.
Na época o Vasco, que havia sido campeão carioca de 1923, foi condicionado a participar da nova associação de futebol (AMEA) - fundada por clubes como Botafogo, Flamengo, Fluminense, América e Bangu - somente se excluísse de seu elenco 12 jogadores. O argumento era o de se ter maior controle sobre "a moral no esporte" e de se defender um futebol que fosse puramente amador.
Um dos critérios para a exclusão baseou-se no analfabetismo e nas condições e natureza das profissões dos jogadores vascaínos. "Curiosamente", os 12 atletas eram negros ou brancos de origem humilde.
Foi então que José Augusto Prestes informou em ofício que o Vasco estava desistindo de participar da associação por não concordar com as determinações, fazendo com que o Cruzmaltino disputasse uma liga alternativa, ato que seria considerado histórico anos depois.
Tarcísio: "É o que a torcida canta, com muito orgulho, nas arquibancadas"
Antes da aprovação, o vereador Tarcísio Motta, que é vascaíno, teve a oportunidade de subir ao púlpito para defender seu projeto de lei, destacando a importância da "Resposta Histórica" para o contexto social e esportivo do Brasil, lembrando ainda do orgulho que a torcida cruzmaltina carrega por esta carta:
"É sempre muito importante falar de onde vem esse debate. Tem a ver com a chamada data da Resposta Histórica, que é uma resposta que o Clube de Regatas Vasco da Gama deu em um determinado momento diante de uma tentativa de outros clubes que tentavam limitar a participação de atletas profissionais que, ao fim e ao cabo, limitavam a participação dos atletas negros. E aí é nessa questão muito cara para a torcida do Vasco, mas que é importante para todas as torcidas do futebol brasileiro... 'Eu já lutei por negros e operários'. É o que a torcida do Vasco, com muito orgulho, canta nas arquibancadas. Essa data colocada no calendário oficial é para se lembrar de um clube importante na cidade, mas sobretudo da perspectiva de como é necessário lutar contra o racismo no futebol todos os dias, contra toda e qualquer manifestação racista".
Colega de partido de Tarcísio Motta, Chico Alencar quis ingressar como coautor do projeto de lei mesmo sendo torcedor do Flamengo:
"Tem rubro-negro nesse projeto também, viu?".
Os outros vereadores que manifestaram o desejo pela coautoria foram César Maia (DEM), Thaís Ferreira (PSOL), Dr. Carlos Eduardo (PODEMOS) e Inaldo Silva (REPUBLICANOS).
Quem foi José Augusto Prestes?
Mas afinal, quem foi José Augusto Prestes, o ex-presidente vascaíno que escreveu o documento que se tornaria histórico e emblemático no Brasil?
Nascido em Portugal, Prestes tinha uma família abastada e foi mandado para os Estados Unidos ainda jovem, onde se formou em engenharia mecânica. De volta ao seu país, participou em 1891 do primeiro golpe para tentar implementar o republicanismo em terras lusitanas.
O fracasso do movimento o levou ao Brasil, onde teria muito sucesso como empresário, quando fundou a primeira fábrica de gelo do país, em endereço próximo à primeira sede do Vasco.
Sua representatividade no Brasil foi aumentando gradativamente, tornando-se posteriormente superintendente da Companhia Docas do Rio de Janeiro e responsável pela primeira indústria siderúrgica da América Latina, a Usina Santa Luzia.
Na vida política, sofreu uma tentativa de atentado a bomba no Brasil, em 1912, e chegou a ser preso e libertado em Portugal, em 1917. Em sua terra natal, foi condecorado com a Ordem Militar de Cristo no grau de Grande - Oficial, título honorífico que é destinado somente à pessoas de altíssima relevância por serviços prestados.
Sua passagem pelo Vasco foi curta, porém marcante e histórica. Ele se tornou presidente em 1923, confeccionando a famosa carta no ano seguinte. Pouco depois, ainda em 1924, o português renunciou ao cargo por conta de sua atribulada vida profissional.
Vasco perdeu contato com parentes
O Vasco, atualmente, não possui contato com parentes de José Augusto Prestes. O último aconteceu em meados de 2013, com um familiar distante que, na ocasião, morava em Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro.
"Eu tinha um contato com um sobrinho-neto ou sobrinho-bisneto dele. Isso lá por 2013, mas perdi esse contato. Ele morava em Petrópolis", informou o vice de Relações Especializadas do Vasco.
A íntegra da "Resposta Histórica"
"Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Officio No 261
Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle,
M. D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.
As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.
Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.
Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever
De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.
(a) José Augusto Prestes
Presidente"
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