Futebol

Chico Anysio estava assistindo jogos do Vasco no hospital

Filhos, familiares, amigos e vários artistas foram ao velório do humorista Chico Anysio, realizado neste sábado (24), no Theatro Municipal, no Centro do Rio de Janeiro. Seu corpo será cremado no domingo, no Cemitério do Caju.

Nizo Neto e Bruno Mazzeo, filhos do humorista, já estão no velório do pai. A cerimônia de despedida será reservada para amigos e familiares no início do dia e, às 12h, será aberta para fãs e admiradores. Famosos como Glória Pires, Boninho, Marcos Palmeira, Marília Pera, Juliana Didone e Elymar Santos também já estão no local para se despedir do humorista que morreu nesta sexta-feira.

Ícone do humor brasileiro

Centenas de personagens, oito filhos, seis mulheres, uma legião de jovens humoristas apadrinhados, alguns desafetos, milhões de admiradores em 65 anos de carreira. Chico Anysio viveu uma vida superlativa, em tudo prolífica, e, mesmo tendo passado a maior parte dela no Rio, sempre se vangloriou de ser nordestino, dos que não fogem à luta. Foi assim até o fim. Maior humorista da TV brasileira, ele não se rendeu e, nos últimos três meses, travou uma batalha para superar as complicações decorrentes de problemas pulmonares causados por anos de tabagismo. A luta terminou hoje, às 14h52m, quando seu coração parou de bater. Vítima de falência múltipla de órgãos, Chico morreu aos 80 anos, no Hospital Samaritano, em Botafogo.

Comediante brilhante, observador aguçado do comportamento humano, Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho só teve a oportunidade de vir para a cidade onde construiria sua carreira no humor graças à dor. Aos 7 anos, o garoto, nascido em 12 de abril de 1931, em Maranguape (CE), viveu um episódio traumático: o pai, Francisco Anysio de Oliveira Paula, dono de uma empresa de ônibus, perdeu tudo num incêndio. Da noite para o dia, a família de alto padrão foi jogada na pobreza.

“Meu pai sempre foi chamado de coronel, mas não agia como os coronéis do sertão. O charuto era uma constante, dando-lhe um jeitão de Getúlio Vargas. Um dia a garagem de ônibus pegou fogo. Não havia seguro. Acordamos pobres. Eu não sabia de nada. Nem da abastança anterior nem da penúria que viria”, descreveu num depoimento publicado no seu site oficial.

Com Chico e três irmãos, a mãe, Haydée Viana, veio tentar a sorte no Rio, enquanto o pai ficou no Ceará para se reerguer como construtor de estradas. Aos 8 anos, o pequeno teve de abandonar a vida no vilarejo da região metropolitana de Fortaleza e o sítio onde se criou.

A primeira impressão de Chico sobre o Rio de Janeiro não foi nem boa nem ruim. “Sabia apenas que estava numa cidade diferente, não por meu querer, mas porque me haviam trazido”.

A entrada na cultura carioca não foi senão pelo futebol, paixão que herdara do pai, presidente do Ceará Sporting. Mas não foi o Botafogo, “clube-irmão” do time cearense, que o seduziu. Por ironia, ele virou vascaíno. E essa não foi sua única piada futebolística. Além de ter vivido os primeiros tempos cariocas ao lado da sede do Fluminense, foi no tricolor das Laranjeiras que Chico jogou profissionalmente por um curto período. “É um absurdo eu torcer contra o Fluminense. Aliás, não consigo. O máximo que atinjo é não torcer a favor”, dizia.

Na sede do clube, Chico frequentou, nos tempos dos estudos nos colégios Zaccaria e Anglo-Americano, os primeiros bailes de muitos que marcariam uma vida precoce. Por conta de um erro no ano do seu nascimento registrado na certidão, com somente 16 anos (“e corpo e cara de 13”) ele tinha, oficialmente, 18. Já podia dirigir, entrar — e deixar perplexos seguranças e porteiros — em boates e beber, sem ser perturbado. O lado ruim? Pequeno, “inacreditavelmente magro”, pesando 42 quilos e calçando 41, também teve de se alistar no Exército.

Relegado a “reservista de terceira” graças ao tipo físico, pôde mergulhar de cabeça no sonho que já começara a tomar forma: a carreira no humor.

A ideia inicial era se tornar advogado, mas a veia cômica e a necessidade de trabalhar mudaram seus planos. O cearense, que ainda jovem fazia imitações de personalidades, preparou um número com 32 vozes que o fez ganhar vários concursos de programas de calouros, como o “Papel carbono”, de Renato Murce, e a “Hora do pato”, apresentado por Jorge Cury, ambos da Rádio Nacional.

Aos 17 anos, ele fez um teste na Rádio Guanabara e ficou em segundo lugar em locução. Trabalhou em outras rádios, inclusive a Mayrink Veiga, até o início da década de 1950. Com 19 anos, transferiu-se para a Rádio Clube de Pernambuco, em Recife, onde permaneceu por um ano antes de voltar para o Rio.

Chico trabalhou ainda na Rádio Clube do Brasil, até que, em 1952, retornou à Mayrink Veiga como autor e diretor de vários programas (“A Rainha canta”, com Ângela Maria, “Rio de Janeiro a Janeiro”, “Buraco de fechadura”, “Vai levando”). Ao mesmo tempo, atuou em atrações estreladas por Haroldo Barbosa, Antônio Maria e Sérgio Porto.

Mas não foi só nas rádios e nas telas que o comediante reinou. Embora gostasse de dizer que nunca havia se apaixonado — o que se pode atribuir tão-só a uma de suas muitas tiradas —, ele era especialista na arte do amor. Mesmo tendo se casado seis vezes, dizia saber manter, como poucos, uma união feliz. Tanto que publicou o livro “Como salvar seu casamento”, em 2000, quando já estava com Malga Di Paula, sua última mulher.

“Sou 39 anos mais velho do que ela. Quando me casei, meu irmão mais velho disse que eu estava me casando com uma viúva. Sabia que ia morrer antes dela, mas até lá vou viver uma porção de tempo bem”, declarou em março de 2010, quando gravou uma entrevista para o projeto Depoimentos para Posteridade, do Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio.

Foram 13 anos de relacionamento — o mais longo. Em entrevista publicada em maio de 2011, depois de ter ficado internado por 110 dias, Chico fez uma homenagem pública a Malga: “Ela foi o esteio da minha vida. Sem a Malga, eu não seria ninguém. Eu nem seria”.

O humorista costumava dizer que era um sujeito legal e que o homem que fica casado por 50 anos com a mesma mulher “não sabe nada sobre união”. Falava bem das “ex”, mas mantinha um travo amargo na boca quando se referia a uma delas, Zélia Cardoso de Mello, ministra da Economia do governo Fernando Collor de Mello, com quem teve dois filhos, Vitória e Rodrigo. A união durou seis anos.

Em 1997, casado com Zélia, ele anunciou nos classificados dos jornais a venda de artigos de sua casa em São Conrado. O casal decidira morar em Nova York. “A imprensa me escolheu para esculhambar (...) Além do mais, não aguento oito anos de governo Fernando Henrique (Cardoso)”, justificou, provocador. Poucos meses depois, estava de volta, separado. “Meu casamento foi um erro”, resumia, mudando de assunto.

Chico não se considerava ciumento. Sua primeira mulher foi a comediante Nancy Wanderley, com quem teve um filho, o ator Lug de Paula. A segunda foi a ex-vedete Rose Rondelli, com quem teve Nizo Neto e Rico. Da união com a atriz Alcione Mazzeo nasceu o ator Bruno Mazzeo. No casamento com Regina Chaves teve Cícero. Chico tinha ainda mais um filho adotivo, André Lucas.

Todos, além de irmãos (entre eles, Zelito Viana, pai do ator Marcos Palmeira), sobrinhos (como a atriz e diretora Cininha de Paula) e netos, estiveram unidos nas preces por sua recuperação. A luta do humorista foi longa. Sua última internação se deu em 22 de dezembro de 2011, em decorrência de uma hemorragia digestiva. Na ocasião, ele respondeu bem ao tratamento e foi liberado para passar o Natal com a família. Alguns dias depois, acabou retornando ao CTI devido a uma pneumonia.

No início de março, o quadro clínico de Chico parecia animador. Em sua página no Twitter, a mulher, Malga, comentava que ele estava melhor. Segundo ela, o comediante, ainda no CTI, tinha assistido na TV a jogos do Vasco. Porém, no último dia 20, seu estado piorou. Chico apresentou disfunções respiratória e renal e voltou a respirar com a ajuda de aparelhos. Na última quinta-feira, seu estado já era considerado crítico. Ontem, ele teve duas paradas cardíacas antes da falência múltipla de órgãos que o matou.

Essa havia sido sua terceira internação em menos de dois meses. Em 30 de novembro de 2011, foi levado ao hospital em função de uma febre alta. Durante a internação, foi descoberta uma contaminação por fungos, tratada com antibióticos. Antes, havia deixado o hospital no dia 11 de novembro, depois de cinco dias de tratamento para dores nas costas.

No começo do ano passado, o humorista teve problemas cardiorrespiratórios e ficou no hospital por quase quatro meses. Recuperou-se a tempo de comemorar os 80 anos em casa. “Sobrevivi a isso porque sou forte, sou nordestino”, disse. “Pior do que ter 80 anos é não chegar a tê-los. Eu ainda vou dar trabalho para muita gente. (Oscar) Niemeyer está com 103... Eu não me sinto velho. A cada dia a gente envelhece um pouco, não me preocupo. Em 1940, minha mãe foi desenganada. Deram seis meses de vida a ela. Todos os médicos morreram antes. Ela faleceu aos 89; meu pai, com 92; minha avó, com 97. Eu vou morrer com 104”.

Prolífico, amoroso e devoto. Na última entrevista concedida ao GLOBO, em maio de 2011, depois dos quase quatro meses de internação, ele agradeceu aos fãs pelas orações. “Sou franciscano e, agora, acredito muito em São Jorge, que me ajudou nessa empreitada. Mas não sou católico, não sou ateu. Tem horas em que não acredito em Deus. Quando vejo a Etiópia, não acredito. Acredito na força enorme dos que rezaram por mim. O povo do Brasil rezou por mim. O povão para o qual trabalho. Essa foi a grande força que eu tive”.

O velório de Chico será aberto para o público neste sábado, a partir das 14h, no Teatro Municipal. Seu corpo será cremado no domingo, no Cemitério do Caju.

Fonte: D24AM.com