Futebol

Violência após partida não poupou nem mulheres e imprensa

O torcedor morto e as cenas de selvageria registradas em São Januário mostraram mais que uma simples (e recorrente) briga entre parte dos torcedores e policiais nos estádios brasileiros. Os quase 30 minutos de rojões atirados no campo, tiros, socos, pontapés e cenas de vandalismo escancararam um discurso de ódio no estádio cruzmaltino. 

Toda a rivalidade entre Vasco e Flamengo – sim, eles jogaram e o Rubro-negro venceu por 1 a 0 – era colocada para fora da forma mais primitiva e brutal pelos "torcedores" que faziam a briga parecer não ter fim. E os alvos eram os mais variados: policiais, mulheres, crianças e até a imprensa que cobria o jogo e, posteriormente, registrava a guerra. 

"Faixa de Gaza" 

O clima já não era leve desde o início. Equipes que chegavam para trabalhar e tinham que passar pelo meio das torcidas para se deslocar até as cabines de imprensa escutavam de um segurança: "passa rápido que isso aqui é tipo a Faixa de Gaza". A tranquilidade antes de a bola rolar, no entanto, ainda mantinha viva uma ingênua esperança de paz. 

E, então, o jogo que era disputado e conturbado dentro de campo – cartões e entradas mais duras – viu a violência ser refletida nas arquibancadas. Um gol marcado e anulado pela arbitragem no início do segundo tempo foi a senha: a torcida cruzmaltina se revoltou. Um vascaíno pulou o vidro que separa o campo da torcida, entrou no gramado e só foi parado pela Polícia Militar. 

Na sequência, os gritos deixaram de ser as únicas manifestações de ódio. Rojões eram atirados para dentro do campo sem a menor cerimônia. A Polícia subia a arquibancada atrás dos responsáveis pelas bombas e o caos se formava. Como em uma parede com pequenos furos e vazamento de água, era impossível controlar todos os objetos atirados. O Grupamento Especial de Policiamento em Estádios (Gepe) corria daqui, outro artefato era lançado lá. 

O jogo acabou, o Flamengo venceu e São Januário, definitivamente virou um palco de guerra. E a raiva só aumentava. Crianças, sem entender muito o que se passava, repetiam os pais e xingavam rivais e polícias. Outras apenas tentavam se defender do gás de pimenta que sufocava a todos perto da arquibancada. Eram dois lados de um cenário para se esquecer. 

Mulheres agredidas por 6 homens 

Nem mesmo as mulheres eram poupadas. Um grupo de seis homens agrediu duas policiais com socos e pontapés – não havia limite para a barbárie. As moças só se salvaram porque lançaram mão do spray com gás de pimenta. Ambas correram e evitaram o pior. Nos degraus das arquibancadas, uma outra menina era atropelada por integrantes de uma torcida organizada cruzmaltina. Já não se distinguia mais policiais, rivais ou torcedores do mesmo time. O que valia era brigar, aumentar o caos. 

Nos degraus mais altos, a proximidade de torcida e imprensa (que acompanha as partidas em cabines e camarotes) mostrava outro lado da cultura do ódio. Como se procurassem culpados por tudo, torcedores invadiram o espaço destinado aos profissionais dos canais Esporte Interativo, Bandeirantes e Record: "não vai filmar nada de festa do Flamengo, desliga essa câmera", intimidava um torcedor. 

Vergalhão usado como arma 

Alguns pularam a janela da cabine de imprensa e, com um vergalhão, atacaram o cinegrafista da Band Benjamin Reis – que machucou a mão e foi parar no hospital. A ofensiva contra o profissional só parou após uma luta corporal de um jornalista da Record, que expulsou o vândalo e tirou a "arma" utilizada por ele. 

No segundo andar das cabines de TV, profissionais acuados em um banheiro, enquanto seguranças do Vasco tentavam conter mais uma invasão recheada de ódio – novamente ele. 

Nos camarotes de imprensa escrita, um repórter do site Globoesporte.com entrevistava uma vítima quando um vascaíno com camisa da facção "Força Jovem" o interpelou. "Está pegando depoimento para que? Eu vou roubar esse celular e dar na sua cara", gritava, raivoso, como se a imprensa fosse a culpada pelo caos. "Vocês só querem falar mal do nosso clube. Não vai entrevistar ninguém. Quem manda aqui somos nós", completou antes de agredir o profissional. 

O ódio se espalhava. No campo, mais bombas, grades sendo utilizadas para depredar o vidro que separa arquibancada e campo e uma Polícia fazendo o que podia para evitar que a coisa piorasse. 

Alvo de bombas, Fla deixa campo correndo 

No centro do gramado, o elenco do Flamengo não sabia como sair dali. Acuados, escutavam "Urubu c..., eu quero ver sair do Caldeirão" dos vascaínos nas arquibancadas. Em uma cena lamentável, o time esqueceu o cansaço após 90 minutos e correu em conjunto para o vestiário. Mais bombas eram lançadas na direção do túnel de acesso ao vestiário. Os jogadores, protagonistas do espetáculo, eram alvos de bombas. Uma guerra. 

E justamente de onde muitos esperavam mais polêmica, uma declaração para, ainda que brevemente, amenizar a situação. O polêmico presidente do Vasco, Eurico Miranda, convocou uma entrevista: "Isso aqui é um pedido formal de desculpas em nome do clube. Isso aí não é o Vasco", disse. 

"Questão política" 

Mas Eurico não se segurou por muito tempo. Ao falar sobre possíveis motivos que considerava para que a confusão ocorresse, tomou o pensamento de "guerra". Desta vez política. 

"Isso é algo premeditado, armado. É uma questão política. Querem desestabilizar o futebol do Vasco. É gente com interesse em tumultuar. Semana de clássico e só falam em situação, oposição. Querem falar de movimento político. Estão torcendo contra. Aí acontece isso", disse, ignorando um discurso de ódio muitas vezes alimentado por dirigentes e assegurando, ainda que sem mostrar provas, que todas as cenas de violência eram relacionadas à disputa pelo poder no Cruzmaltino. 

A guerra, que começou com um alerta para passar na "Faixa de Gaza" e passou por tiros e violência contra mulheres e crianças, parecia não terminar. Agora nas palavras. E assim, mais uma vez, uma disputa era iniciada. É torcer para que não acabe nos campos e arquibancadas novamente. 

Fonte: UOL Esportes