Futebol

Venda de Paulinho trará pouco legado ao Vasco

Imagine o que R$ 85 milhões, valor da venda de Paulinho para o Bayer Leverkusen, da Alemanha, pode bancar no futebol. Não é pouca coisa, principalmente em termos de Brasil. Usemos a realidade do futebol carioca como exemplo. Com uma folha salarial de aproximadamente R$ 5 milhões, daria para manter os pagamentos do departamento de futebol do Vasco em dia por um ano e três meses, contando com 12º salário e férias. Daria também para comprar três terrenos e construir três centros de treinamento iguais aos que o Botafogo pretende construir em Vargem Pequena, por um custo de R$ 25 milhões.

Daria para reforçar o elenco com o artilheiro do Campeonato Brasileiro do ano anterior, como o Flamengo fez — pagou R$ 11 milhões por Henrique Dourado — e ainda sobraria R$ 74 milhões. Se não fosse o caso, poderia bancar 77% do custo estimado de uma reforma completa de São Januário, como a orçada pelo grupo de Julio Brant nas últimas eleições, em R$ 110 milhões.

Mas nada disso acontecerá com os R$ 85 milhões pagos pelo Bayer Leverkusen na contratação da maior revelação do Vasco nos últimos anos. Como tem sido regra na vida do clube da Colina, a má gestão financeira faz com que receitas ocasionais e milionárias como são as vendas de jogadores escorram pelo ralo e não gerem um legado para o clube, seja na forma de infraestrutura, seja na conquista de títulos.

Há décadas que a conta não fecha no Vasco e isso sempre diminui o poder de barganha do clube na mesa de negociação. Logo de saída, faz com que os direitos dos jogadores sejam fatiados, divididos com partes que não tiveram responsabilidade na formação do atleta, no árduo trabalho de transformação de uma promessa em realidade. Além disso, quem tem dívidas, tem pressa em ganhar dinheiro. Quem tem pressa, nem sempre faz o melhor negócio. Um exemplo: Dedé, especulado em clubes da Europa, bem cotado para a seleção brasileira, deixou o Vasco para defender o Cruzeiro. Rendeu ao Vasco R$ 14 milhões e na entrevista de despedida, revelou que praticamente foi obrigado a aceitar a transferência, uma vez que o Vasco precisava do dinheiro para pagar os salários.

Isso foi em 2013. Antes, em 2009, o Vasco se desfez de suas duas principais revelações, Alan Kardec e Alex Teixeira, destaques da seleção brasileira sub-20 que havia sido vice-campeã do mundo naquele ano. Somados, renderam ao clube apenas R$ 23 milhões. Naquela época, o dinheiro era comemorado pela diretoria porque permitiria o pagamento de salários atrasados.

Vender jogadores não chega a ser algo tão ao acaso quanto ganhar na loteria, mas não deveria contar como uma receita necessária para fazer algo tão essencial na vida de um clube como pagar salários, impostos, contas de água, luz, comissões de empresários, dívidas de empréstimos. Para isso, o Vasco e qualquer clube deveria contar apenas com suas receitas fixas: direitos de transmissão de jogos, patrocínios, renda de bilheteria, programas de sócio torcedor, licenciamento de produtos. Isso pode parecer óbvio, mas não é o que acontece em São Januário.

Enquanto o clube não conseguir equacionar a relação entre o que arrecada e o que gasta, permanecerá no ciclo vicioso da antecipação de receitas de televisão, dos empréstimos para o pagamento de contas, das mais complexas às mais básicas. E quando a bolada milionária vier, em vez de se transformar em salto de qualidade na vida do clube, serve apenas afrouxar a apertada corda no pescoço. Imagine você, um belo dia, ganhar na loteria e saber que o dinheiro servirá apenas para pagar dívidas que você criou ou terceiros deixaram para você. Não restará um trocado para trocar de carro, para comprar uma casa de praia. É isso que o Vasco vive com a venda de Paulinho.

Fonte: Agência O Globo