Futebol

Vasco quer especialista em "lambretas" para o futebol feminino

Átila Araújo pensava que seu segundo filho seria homem. Não sabe de onde, mas era convicto disso. Havia escolhido até o nome: Romário, para homenagear o maior ídolo dele. Errou. Em 23 de novembro de 1995 nasceu Byanca, hoje com 15 anos. A menina cresceu, tentou o atletismo, mas queria mesmo jogar como o Baixinho. Moradora da periferia do Rio, ela virou uma das sensações do futebol feminino.

Byanca Brasil parece brincar com bola. Inspirada em Falcão, é especialista no drible chamado lambreta. Não bastasse o malabarismo, com 14 anos foi goleadora dos estaduais sub-15 e sub-17 e passou a ser cobiçada por grandes clubes. Única menina de quatro filhos, ela foi fisgada pelo futebol ao ver pela TV a Seleção de Marta na Olimpíada de 2004. O pai insistia para a filha treinar 100 metros. Contrariada, ela falou chorando:

- Quero jogar futebol. Inicialmente Átila estranhou. Nem sabia onde levar a menina para treinar. Por isso começou a prepará-la em casa e meses depois procurou uma escola onde havia um projeto feminino. Primeiro recebeu um desconcertante não. Foi aceita só na segunda tentativa. No começo parecia que seria apenas mais uma malabarista com a bola, tamanha facilidade em dar lambretas, elásticos e todos
os outros dribles possíveis. Ao aperfeiçoar os fundamentos, virou goleadora em todo torneio que disputa, até destacar-se em 2010 como artilheira do Carioca sub-17.

- Ela tem um talento acima da média. Tem força, velocidade e dá dribles desconcertantes - elogia Claudino de Melo, que a descobriu e a treinou no Bangu.

Byanca espera definição do futuro. Clubes de Santa Catarina, Rio, SãoPaulo e Estados Unidos já manifestaram interesse, entre eles Santos, Vasco e o futuro time do Flamengo. Para ela, não importa para qual cidade irá. Quer usar o raro talento para dar mais um drible: desta vez na pobreza.

Quem é
Nome: Byanca Brasil
Nascimento e residência: 23/11/1995, no Rio de Janeiro (RJ). Atualmente mora no bairro de Campo Grande
Posição: Atacante
Clubes: Em 2010, quando ainda tinha 14 anos, ela jogou pelo Bangu o Estadual Feminino sub-17 e pelo Vasco o Estadual sub-15. Nos dois torneios foi campeã, goleadora e a principal destaque.
Títulos: O primeiro título foi aos 10 anos, quando disputou o Mundial Sub-12 representando a Seleção. Foi campeã e goleadora da competição, com seis gols. Defendeu ainda o Flamengo.

Treinamento em casa com escada e garrafas pet

O talento de Byanca começou a ser lapidado no pátio de três metros quadrados nos fundos da casa dela, no bairro de Campo Grande, periferia do Rio. Ali, seu pai improvisou um centro de treinamento. Usou garrafas pet como cones para a garota se familiarizar com a condução de bola. Uma escada enferrujada simulando um marcador foi usada para aprender dar lambretas.

- Primeiro, ela fazia a bola passar pelo degrau mais baixo. Depois, foi subindo até passar sobre a escada - conta Átila, o pai da jogadora.

O curioso foi a técnica criada pelo pai para ensinar os dribles à menina. Ele ficava grudado em frente à televisão assistindo a todos programas esportivos. Quando passava algum lance, ele gravava da TV usando uma pequena câmera digital. Depois colocava o vídeo no visor, em câmera lenta, para Byanca ver.

- Ele repetia até eu aprender - recorda a jogadora.

Na casa de três cômodos Byanca mora com o pai e os três irmãos, de 18, 12 e sete anos. A mãe os deixou há três anos. Os cinco vivem de uma ajuda de custo de aproximadamente R$ 800 dada por duas pessoas que auxiliam a família acreditando em um possível bom contrato profissional. A família vive contando os trocados para as despesas básicas. Comida não falta, mas é controlada e simples. Quando o LANCE! chegou para fazer a reportagem com a jogadora, o almoço acabara de ser servido: arroz, feijão e ovo.

Menina é a esperança da família

Há três anos, desde que a ex-mulher saiu de casa, o pai de Byanca parou de trabalhar. Era impossível, diz ele, seguir a rotina de cozinheiro e cuidar dos quatro filhos pequenos. O mais velho tem uma
deficiência física e caminha com dificuldade. Os outros dois garotos, na época, tinham menos de 10 anos. E ainda precisava investir todas as fichas no sonho da menina de ser jogadora.

- Passei a viver da ajuda das pessoas. É a única maneira de treinar a Byanca. É melhor eu perder agora para ela ganhar. Minha esperança é que ela se encaminhe para um clube. Depois, sigo minha vida - conta emocionado Átila.

Criado em uma instituição para menores abandonados, o pai de Byanca deseja vida melhor aos filhos. E viu que talento acima da média da menina a possibilidade de um futuro mais tranquilo para toda a família.

Com a palavra
Kleiton Lima - Técnico da Selelção Feminina

Deu para ver que a menina tem talento

Vi a Byanca jogar somente uma vez, quando ela tinha 12 ou 13 anos. Ela foi treinar um dia no Santos quando eu era treinador do time feminino (Kleiton saiu Peixe no fim do ano passado). Tive pouco contato com ela, mas mostrou ter potencial. Mostrou bom domínio de bola, bom passe, bom chute, uma cintura boa para o drible. Naquele dia, talvez, tenha ficado um pouco tímida porque foi treinar com o time adulto, que era o melhor do país e com jogadoras de Seleção. Mas deu para ver que a menina tem talento. Depois, ela deve ter se desenvolvido bastante.

A vantagem é que no Rio de Janeiro há competições das categorias de do base para as meninas. Nos outros estados quase não há torneios e as garotas acabam jogando com as adultas. Competir é excelente para desenvolvê-las. Treinar é importante, mas é fundamental ter competições para quando elas estão começando. Assim, desenvolvem mais a parte técnica. É bom para a Byanca estar jogando com as meninas de 17 anos porque ela vai crescer bastante. Está numa idade que pode desenvolver muito seu futebol.

Fonte: Lancenet!