Futebol

Vasco não consegue vencer seus adversários diretos e se complica

Ao se preparar para assistir a um jogo do Vasco pelo Brasileiro, esteja consciente de que a atenção deve ser irrestrita: em algum segundo fatídico haverá uma reversão total de expectativas, e ela certamente não será favorável ao Vasco. Porque geralmente o time da Cruz de Malta começa com sangue no olho e sebo nas canelas, promovendo uma correria desenfreada. E este estado anímico dura uns poucos minutos, até que no campo surge aquele inevitável ponto de virada – no sábado, foi um gol de bicicleta de ZÉ LOVE. E então tudo se transforma em tormento. A partir daí, o Vasco lembra de sua posição na tabela e nada mais parece vingar sobre o capim, pelos mais variados e TÉTRICOS motivos.

Para os vascaínos, o segundo turno começou exatamente como o primeiro turno inteiro transcorreu: não apenas perdendo, mas jogando muito pouco. Seria um tormento já suficiente para sacrficar o sagrado sono da noite, mas não é apenas isso, pois os adversários diretos na fuga da guilhotina passaram a vencer, e todos mostram um futebol superior ao apresentado pela esquadra da Colina.  O Joinville, por exemplo, é penúltimo colocado e já está com SEIS pontos de vantagem para o time carioca. O Coritiba, que até poucas semanas atrás era uma água com açúcar, chegou à terceira vitória consecutiva. A diferença do Vasco para o primeiro não rebaixado, o Goiás, é de nove pontos. 

Os números podem nem sempre falar a verdade, mas no caso do Vasco eles têm uma sinceridade desumana, daquelas que sangram o coração: é o time que menos venceu (junto do Joinville, quatro vezes), o que mais perdeu (13 derrotas), o pior ataque (oito gols) e a defesa mais vazada (34 gols). É também o time que mais foi goleado no campeonato, em seis oportunidades, e aquele que saiu de campo mais vezes sem marcar gol (13 vezes).  Para sonhar em fugir do rebaixamento, precisaria de um aproveitamento de no mínimo 50% daqui para frente. A lanterna, portanto, não é apenas uma posição na tabela, mas uma convicção tatuada na paleta.

Se o presente é inglório, a expectativa para o futuro é TREVOSA. Até hoje, apenas um time que acabou o primeiro turno na lanterna conseguiu escapar: o Goiás, em 2003, quando ainda eram 24 times. Na história dos pontos corridos, apenas dois times estavam com desempenho pior que o do Vasco na 20ª rodada: América-RN (2007) e Náutico (2013), ambos com dez pontos. Um soldado sozinho com uma bala cercado em sua trincheira estaria mais tranquilo que o Vasco hoje.

Um fiasco no Carioca poderia ter gerado a desconfiança necessária para tentar evitar a vergonha maior que agora está em curso, pensa o vascaíno, talvez hoje olhando para trás e disposto a sacrificar uma taça para que o tal do respeito não se tornasse apenas pólvora para as fumegantes flautas rivais. Tais elucubrações amarguradas não resultam em nada prático, mas são uma forma de dissimular a dor, e assim deve ser entendida. 

Na partida diante do Goiás, a conturbada atuação da arbitragem tornou tudo ainda mais caótico, o que desembocou em mais um desempenho indigno de maiores considerações. O recém-chegado Jorginho, homem de Deus que é, afirmou ter visto pontos positivos em meio a toda aquela obscenidade. Não era apenas o religioso falando – mesmo a morte pode ser amenizada, dependendo do tamanho da fé –, mas o treinador que sabe que a hora é de jogar água na fervura, pois o inferno já ameaça se tornar habitat. Sentindo as labaredas mordendo os calcanhares, a torcida já esperneia, e a tendência é de que os próximos meses se tornem quase apocalípticos no caldeirão de almas de São Januário.

Aliás, impressiona a capacidade humana de se adaptar às situações mais adversas e às maiores dores. Não é uma questão de fé, mas de instinto de sobrevivência – precisamos continuar, afinal de contas. Assim, aos poucos, a ideia do rebaixamento já parece se entranhar nos ventrículos vascaínos. Obviamente, desistir não é uma opção moralmente digna de ser cogitada, e ainda há um turno inteiro que hoje parece apenas uma contagem regressiva macabra. 

O Vasco não precisa jogar contra todos no campeonato: ser melhor do que quatro rivais de agonia já seria a glória. Mas a decepção maior, a pior das dores, talvez nem seja a posição na tabela, mas o fato de que simplesmente se imaginar acabando a 38ª rodada na 16ª colocação hoje já possa ser considerado quase uma alucinação coletiva.

Fonte: Blog Meia Encarnada