Futebol

Vasco foi a boia de salvação para 30 mulheres do futebol feminino

Na nova ordem do esporte brasileiro, o Dia da Mulher está cada vez mais Internacional.

Foi-se o tempo em que a participação feminina nas nossas delegações olímpicas só não era mais reduzida do que as esperanças de vê-las no alto do pódio.

Das pioneiras Sandra Pires e Jackie Silva — primeiras mulheres do país a conquistarem o ouro, em Atlanta-1996, no vôlei de praia — a apostas de novas glórias nos Jogos de Londres, como Maurren Maggi , Fabiana Murer, Mayra Aguiar, Natália Falavigna, Juliana e Larissa, entre outras, nunca o mapa astral olímpico verde-amarelo esteve tão direcionado para Vênus.

Dados do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) evidenciam a participação cada vez mais significativa das mulheres nas delegações do Brasil nos Jogos.

Se em Barcelona-1992, eram apenas 51 mulheres entre 197 atletas (25,88% do total), em Pequim-2008 tivemos 133 num total de 277, representando 48,01% do grupo. E, na ponta da língua, elas têm o argumento definitivo de se ouvir o Hino Nacional em disputas femininas já pode ser até mais provável do que em competições de marmanjos.

— Em Pequim, tivemos três ouros: um do vôlei feminino, um da Maurren e um do Cielo.

A gente brincava muito a respeito disso, por termos chegado a um patamar superior ao deles — afirma a líbero medalhista de ouro do vôlei, Fabí.

Abismo no país do futebol Líder isolado da Superliga Feminina de Vôlei, o Unilever/ Rio de Janeiro tem a maior concentração de ouros femininos do esporte nacional. Jogam na equipe comandada pelo técnico Bernardinho nada menos do que quatro campeãs olímpicas em Pequim-2008.

Além de Fabí, lá estão a oposto Sheilla e as atacantes Mari e Valeskinha. Embora o vôlei feminino, por conta do inesperado quinto lugar na Copa do Mundo, ano passado, no Japão, ainda não tenha carimbado o passaporte para Londres, não é exagero apostar nas meninas de José Roberto Guimarães como mais uma real possibilidade dourada nas terras da rainha. Entre os dias 11 e 13 de maio, a seleção disputará o Pré-Olímpico Sul-Americano, em São Carlos (SP). Se for campeã, estará classificada para a Olimpíada.

— O ouro olímpico foi ótimo para todas nós, só que o mais difícil é se manter no topo. Tivemos uma renovação grande e isso faz com que nossa tarefa seja mais dura do que em 2008 — analisa Mari.

Por conta da ausência do vôlei na lista atual para Londres e outras modalidades ainda em disputa, por ora, a participação feminina ainda é bem menor que masculina.

Das 160 vagas já asseguradas, 68 são de mulheres. No judô, que tradicionalmente sobe ao pódio com os homens, a evolução das meninas é flagrante e, pela primeira vez na história, o Brasil deverá ter representantes nas 14 categorias.

Há esportes de ponta em que as possibilidades de ouro praticamente se resumem a elas. É o caso do atletismo, com a campeã olímpica Maurren Maggi e a campeã mundial indoor e outdoor do salto com vara, Fabiana Murer.

— Há mais mulheres praticando esportes no Brasil, o que ajuda a melhorar os resultados, e acho que elas estão se dedicando mais. Treinam igual aos homens, e no atletismo, até a premiação é igual.

A igualdade de cifras conquistada pelas mulheres nas pistas não é regra por aqui.

— O Grand Prix feminino e a Liga Mundial masculina são torneios que se equivalem, mas a premiação para as mulheres é 30% do que pagam aos homens — diz Fabí.

Se no bolso o abismo persiste, em termos de cobranças elas ainda se deparam com velhos preconceitos machistas.

— Mulher no esporte tem de ser sempre uma fortaleza.

Porque, se não jogar bem, falam que é sexo frágil, que você deve estar na TPM... — argumenta Valeskinha.

Pelo menos, as confederações já perceberam que investir numa preparação de alto nível para as mulheres também é garantia de bons frutos.

— Quando eu comecei, aos 19 anos, havia pouquíssimas mulheres competindo no alto nível. Ainda vivemos numa sociedade machista, mas nossa presidente é uma mulher. Isso é a prova de que as coisas estão mudando — analisa a mesatenista Lígia Silva, 30 anos, classificada para Londres esta semana, junto com a jovem Caroline Kumahara, de 16.

Ser atleta de ponta e mulher muitas vezes tem efeitos colaterais: normalmente, os holofotes só voltados para elas nos momentos em que a vaidade é jogada para escanteio.

— Dá vontade de chorar, toda vez que faço a unha e depois vou competir ou treinar. É só pegar num quimono que o esmalte vai embora. O cabelo fica todo desarrumado, não dá para usar maquiagem, é terrível! Mas, não adianta: treino bom é aquele que te deixa toda destruída — afirma a judoca gaúcha Mayra Aguiar, de 20 anos, atual líder do ranking mundial até 78kg.

Apesar das muitas razões para se festejar a data, ainda persiste um perverso e emblemático contraste no esporte brasileiro. A “Pátria de Chuteiras” continua virando as costas para as que ousam jogar bola numa terra onde ecoa um ditado tão antigo quanto preconceituoso: “mulher não entende de futebol”. No fim do ano passado, nove jogadoras da seleção brasileira foram dispensadas pelo Santos e ficaram desempregadas até uma empresa paulista se sensibilizar e criar um time, o COPT-Lideroll. No Rio, um convênio Marinha/Vasco foi a boia de salvação para 30 atletas que não tinham onde jogar.

Surpreendida pelo desmanche no Santos, a craque Marta voltou para a Suécia. Ainda hoje, não basta ser mulher, tem que ser internacional.

(Matéria reproduzida diretamente da versão papel do Jornal O Globo)

Fonte: Jornal O Globo