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'Vasco disputa a Série A com um elenco que não está pronto para isso'

É absolutamente justo argumentar que as opções de Maurício Barbieri ao planejar o jogo com o Flamengo não funcionaram. Mais do que isso, as circunstâncias da partida, a forma como pelo menos dois dos quatro gols rubro-negros na primeira etapa, expuseram ainda mais as consequências das escolhas do treinador. Mas colocar Barbieri como elemento central da crise vascaína é apenas mais do mesmo em termos de futebol brasileiro. Se o clube decidir mudar o comando do time nos próximos dias, estará apenas escolhendo uma outra vítima de um contexto que teve sementes plantadas no início do ano. E dificilmente será alterado, pelo menos, até a próxima janela.

Primeiro, vale a pena falar do jogo. E por mais que soe algo contra a corrente de um 4 a 1, mais ainda de um clássico cujo primeiro tempo terminou 4 a 0, é fato que o resultado final teve certa dose de exagero. Mas que foi construído a partir dos diferentes momentos que os times vivem. E isso vai muito além de Barbieri.

Até Pulgar acertar o belo chute que abriu o placar, não era possível olhar para o gramado do Maracanã e prever uma goleada. Não havia um desequilíbrio tão aparente. Ao contrário, era até possível enxergar um Vasco capaz de nivelar as coisas.

Aí entra uma complexa soma de fatores. Uma delas tem a ver com a escalação de Barbieri. A opção por uma linha de cinco defensores, somada à escalação de Orellano e Alex Teixeira como companheiros de Pedro Raul no setor ofensivo, revelou-se uma combinação perigosa. Resultou no esvaziamento do meio-campo, na exposição excessiva da frente da área, deixando em inferioridade Galarza e Jair, este último um volante que não é extremamente vigoroso. Orellano e Alex não são homens ofensivos com grande capacidade de ajuda sem bola, de recomposição. E a linha de defesa, por vezes, ao cuidar da proteção da área, terminava por se posicionar muito perto do próprio gol.

É verdade que Orellano erra um passe que termina por comprometer a saída de bola do Vasco no primeiro gol. Mas há liberdade na frente da área para os rubro-negros jogarem. E é da linha de meias que Gérson surge para atacar a área após a boa construção do Flamengo no segundo gol. O jogo não acontecia na zona em que os zagueiros do Vasco defendiam, mas alguns metros atrás, onde o Flamengo fazia superioridade pelo meio.

Mas o jogo não se resume às escolhas de Barbieri, muito menos a situação do Vasco se explica a partir do treinador. Primeiro, a forma como o Vasco desmorona ao se ver em desvantagem é a imagem de um time emocionalmente em dificuldades. Nestas horas, são os resultados recentes, os anos recentes, gritando mais alto do que a diferença técnica atual entre Vasco e Flamengo. Sofrer o primeiro gol costuma ser fatal em momentos assim. E depois, se Barbieri apostou alto demais, talvez pensando em enfrentar de igual para igual um Flamengo que neste momento tem um poderio técnico maior, a questão é que as mudanças de escalação são tentativas de fazer jogar melhor um time escalado a partir de um elenco cheio de gargalos. Até para tentar mudar o jogo, os recursos à disposição do treinador são limitados.

Porque, a rigor, o Vasco disputa a Série A com um elenco que não está pronto para isso. Desde a criação da SAF, houve uma única janela de transferências com investimentos que, nem de perto, se equiparam aos dos principais clubes do país. E o trabalho não consistia em reforçar um time, mas em montar um elenco quase todo novo. E, mesmo levando em conta tais dificuldades, ficaram lacunas grandes, em especial no meio-campo e nas pontas.

E por falar em questões emocionais, nada num clube do tamanho do Vasco se compara ao sentimento de expectativa frustrada. E aí, acima de tudo, o erro é de quem criou a expectativa, numa mistura de promessa irreal com desconhecimento da cultura local. Não havia forma mais infeliz para Josh Wander, proprietário da 777, dizer à torcida que pretendia elevar o nível do time do que eleger o Flamengo como parâmetro. Ao prometer que os vascaínos não voltariam a enfrentar o rival em inferioridade orçamentária, disse algo que não seria capaz de cumprir. E pior: escolheu como parâmetro o rival que mais toca o torcedor vascaíno, e o fez justamente no momento de maior disparidade técnica e financeira entre os dois clubes. Mas, nestes tempos de SAF, este é típico caso em que o autor das promessas não está por perto para lidar com as consequências. Estas, pesam sobre treinador e executivos de um clube cujos problemas são bem mais complexos. O Vasco poderia jogar melhor este Brasileiro, mas não terá seu tamanho restaurado em uma temporada. Prometer isso é plantar sementes de uma eterna crise.

Fonte: Coluna No futebol, beleza é fundamental - ge