Vasco avalia Carioca financeiramente: 'Não foi atrativo'
É provável que só o campeão Flamengo, dos 12 participantes, guarde alguma lembrança positiva do Campeonato Carioca que terminou neste sábado. O troféu é praticamente o único ganho que um clube conseguiu neste ano. O clima de insatisfação é praticamente unânime. Enquanto produto, o torneio não atingiu o resultado esperado. A grande maioria dos clubes não teve retorno financeiro. E mesmo antes do encerramento da competição já se fala na necessidade de repensá-la.
O maior exemplo deste insucesso está na ausência de premiação. Inicialmente, estava previsto que os semifinalistas receberiam R$ 500 mil cada. O campeão levaria ainda mais R$ 2 milhões e o vice, mais R$ 1 milhão. Além disso, o vencedor da Taça Rio ganharia R$ 1 milhão. Estas quantias seriam retiradas da arrecadação global. Segundo a Ferj, “este ano, o primeiro do novo modelo de negócio, a expectativa não foi atingida”.
— Financeiramente o Campeonato Carioca não foi atrativo. A arrecadação para os clubes deve ter sido a menor dos últimos anos. Não podemos repetir essa fórmula sem ter a certeza de um mínimo garantido — afirmou o CEO do Vasco, Luiz Mello.
Ao resultado comercial abaixo do esperado, some-se percalços que já eram esperados. Com a arquibancadas fechadas pelas restrições provocadas pela pandemia, não houve arrecadação com bilheteria, estacionamento e bares nos estádios. Jogar virou sinônimo de gastar dinheiro. Ao todo, as partidas do Carioca consumiram R$ 4,6 milhões.
— Temos um campeonato sem renda. No ano passado, recebemos cerca de R$ 3 milhões com o Carioca. Este ano não chegaremos a R$ 500 mil — conta Flávio Horta, presidente do Volta Redonda, semifinalista da competição. — No aspecto financeiro nós perdemos muito. A gente procura outros recursos, patrocínios. Felizmente, temos um acordo com a Universidade de Vassouras que é interessante para as duas partes.
Campeão da Taça Rio, o Vasco aponta os motivos da insatisfação.
— Estamos diante de uma mudança na forma de consumo de TV, e o Carioca serviu de laboratório para alguns testes. Porém financeiramente, sem entrar no mérito da arrecadação, ficou muito aquém das expectativas geradas. Por esta razão, precisamos rediscutir novas fórmulas e, quem sabe, novos parceiros — diz o CEO.
A mudança a que o executivo do Vasco se refere é o fim da TV aberta como principal exibidor dos jogos. Os pacotes de TV fechada e o streaming (transmissão online, em geral mediante assinatura) ganham cada vez mais força. E o Carioca foi pioneiro entre os Estaduais a apostar neste modelo.
Novo modelo
A RecordTV comprou os direitos de transmissão em TV aberta das edições 2021 e 2022. Mas a maior parte deste dinheiro vai para a produção das imagens, para a Ferj, organizadora, e para a Sportsview, empresa responsável pelo projeto e pelas negociações. Os clubes foram contemplados com uma parte menor, e a expectativa era de que dinheiro do pay-per-view equilibrasse esta balança. Só que, na prática, isso não ocorreu.
A reportagem apurou que o pay-per-view oficial do campeonato (Cariocão TV) e o do Flamengo (FlaTV+) foram bem-sucedidos. Mas os dos outros três grandes, não. Com isso, os clubes receberão bem menos do que esperavam.
O entendimento deVasco e Botafogo (o Fluminense não quis se pronunciar) é de que o modelo atual só atende aos interesses do Flamengo, que aposta alto na FlaTV+. Na visão deles, depender do desempenho do pay-per-view num mercado em que um clube tem torcida muito maior que a dos demais leva a um desequilíbrio
“O Botafogo é favorável a uma rediscussão imediata dos critérios desse rateio. Há uma definição clara no modelo atual de quem se quer beneficiar. Assim como mais receitas e mais lucro aumentam o valor de uma companhia, competições que agregam mais aumentam o valor de um clube de futebol. Enquanto perpetuarem modelos de competição onde a distribuição de receitas é tão desigual, privilegiando um em detrimento de tantos, destrói-se o valor da indústria do futebol” , defende o alvinegro.
O Flamengo, que afirma ter tido retorno financeiro com o Carioca, deu um voto de confiança no formato escolhido. O vice-presidente de comunicação e marketing, Gustavo Oliveira, lembrou que o processo de comercialização se deu em três semanas.
— Tenho certeza que com mais tempo e com a experiência deste ano, teremos um processo ainda melhor e mais rentável para os clubes — afirmou o dirigente, satisfeito com a visibilidade obtida com o torneio.
— Se, por um lado, tivemos menos audiência com a troca do parceiro de TV aberta, por outro tivemos uma presença forte nas mídias digitais e nas próprias TVs dos clubes.
Importante destacar que o modelo atual foi aprovado por todos os participantes. Em nota conjunta, quatro dos pequenos (Portuguesa, Madureira, Bangu, além do Volta Redonda) dizem entender que, por ele estar em seu primeiro ano, haveria dificuldades. Mas reclamaram que os prognósticos apresentados no início do ano pela Sportsview não se concretizaram. Procurada pela reportagem, a empresa não quis comentar o assunto.
“A mudança de formato acarretou dificuldades e adequações", diz trecho do comunicado, no qual os quatro reclamam ainda do fato de a TV Globo ter rescindido o contrato de transmissão no ano passado (iria até 2024) e ainda não ter pago a última cota da edição 2020.
A reportagem procurou a TV Globo. Em nota, a emissora explicou que o contrato para a transmissão do torneio previa exclusividade e que este compromisso foi quebrado após a edição da chamada “MP do Mandante”. A empresa se dispôs a realizar os pagamentos restantes de 2020, mas não entrou em acordo com todos.
"Essa exclusividade foi quebrada e motivou a rescisão por grave violação contratual, da qual, é preciso lembrar, a Globo foi vítima. Apesar da quebra de contrato, a Globo ainda se dispôs a realizar os pagamentos restantes da temporada 2020 como prova do compromisso da empresa com o futebol Carioca. Fizemos acordo com sete dos 11 clubes com quem tínhamos contrato. A alternativa com os outros, infelizmente, foi que o assunto fosse resolvido no âmbito da justiça”, diz trecho da nota enviado pela comunicação da emissora.
Ferj satisfeita
Em meio a tantas insatisfações, a Ferj faz uma avaliação positiva do campeonato.
“A Federação entende que a inovação no modelo de negócio da cessão dos direitos de TV gerou grande visibilidade. Atualmente, temos a Record TV na transmissão aberta, o Pay-per-View do Cariocão com as operadoras, as TVs dos clubes, o aplicativo da competição e ainda a plataforma TikTok. Há uma clara percepção do alcance de todos os públicos".
Confira a entrevista na íntegra com a Ferj
Este ano, o número de confrontos entre grandes foi reduzido, o que evitou uma banalização e valorizou os clássicos. Por outro lado, houve menos jogos decisivos (os eliminatórios) e as taças (Guanabara e Rio) ficaram desvalorizadas. Qual avaliação que a Ferj faz do formato?
FERJ: A fórmula se mostrou interessante e, assim, aprovada pelos clubes no Conselho Arbitral. A Taça Guanabara não foi desvalorizada. Ela foi realizada por pontos corridos, fortalecendo a regularidade. A Taça Rio pode até ter sofrido impacto, mas as mudanças foram feitas dentro de um entendimento coletivo.
Para o ano que vem, o formato será mantido ou haverá modificações?
FERJ: Isso será debatido pelos clubes em momento oportuno.
Qual avaliação a entidade faz da exposição obtida pelo campeonato e pelos seus patrocinadores?
FERJ: A Federação entende que a inovação no modelo de negócio da cessão dos direitos de TV gerou grande visibilidade. Atualmente, temos a Record TV na transmissão aberta, o Pay-per-View do Cariocão com as operadoras, as TVs dos clubes, o aplicativo da competição e ainda a plataforma TikTok. Há uma clara percepção do alcance de todos os públicos.
Como foi o desempenho do pay-per-view do Cariocão? Ele será mantido no ano que vem?
FERJ: Os números de todo o Campeonato Carioca estão sendo finalizados. Mas o PPV há sinais de grande alcance.
Por que não haverá premiação por desempenho? As adesões ao pay-per-view não atingiram o mínimo necessário para que haja esse dinheiro? Pelo combinado, de onde ele sairia?
FERJ: O pagamento de prêmios é realizado pela FERJ, mas é retirado do valor global da arrecadação da competição. Este ano, o primeiro do novo modelo de negócio, a expectativa não foi atingida.
Qual foi o impacto das transmissões piratas neste desempenho?
FERJ: Pirataria é crime e, claramente, causa impacto. Conseguimos através de campanhas e parcerias com o Youtube e Facebook impedir várias transmissões piratas. É importante que o torcedor saiba que, neste modelo, em que o clube é sócio do produto, ao assistir à partida num canal pirata o clube do seu coração é prejudicado. Mas, vale ressaltar, há como reforçar o combate com o sinal de transmissão sendo distribuído a todos através de uma central.
Confira a entrevista na íntegra com o Flamengo
No formato atual de disputa e com o atual sistema de transmissão, como o Flamengo avalia a visibilidade obtida através do campeonato? Ficou satisfeito?
A visibilidade nos pareceu boa. Se por um lado tivemos menos audiência com a troca do parceiro de TV aberta, por outro tivemos uma presença forte nas mídias digitais e nas próprias TVs dos clubes.
Fora isso, as mídias em geral continuaram a cobrir o campeonato como sempre cobriram.
Por fim, as redes sociais dos clubes e da própria Ferj se transformaram em importantíssimos meios para a divulgação do campeonato junto aos torcedores.
Para a edição do ano que vem, este modelo está no caminho certo ou precisará ser rediscutido? O que pode ser aperfeiçoado?
A divisão dos direitos de transmissão entre varios players é um dos caminhos possíveis neste mercado. Ele é seguido, com muito sucesso, por muitos dos grandes campeonatos pelo mundo inteiro. Sendo assim, vejo de forma positiva esta iniciativa da Ferj e dos clubes do Rio.
Em relação ao aperfeiçoamento do trabalho, lembro que o processo de montagem e comercialização do campeonato este ano se deu em pouco mais de três semanas. Tenho certeza que com mais tempo e com a experiência deste ano, teremos um processo ainda melhor e mais rentável para os clubes.
Num torneio que não terá premiação por desempenho e nem teve bilheteria, houve algum retorno financeiro?
Houve retorno sim. Mesmo com todas as dificuldades encontradas, como pouco tempo para obter maiores patrocínios, a pandemia que não permitiu público nos estádios e o ainda desconhecimento do consumidor quanto aos meios de mídia ( tanto na TV aberta quanto no PPV ).
Por isso nosso otimismo em relação a um resultado ainda melhor para o campeonato do ano que vem.
Como o clube avalia o desempenho do seu pay-per-view (FlaTV+)?
Muito positivo . Tivemos alguns problemas de sinal nos três primeiros jogos, mas depois a transmissão correu com boa qualidade em todos os demais jogos. A transmissão rubro-negra fez muito sucesso junto à nossa torcida. Na realidade, o PPV do Campeonato Carioca foi o primeiro passo de nossa plataforma de assinatura FlaTV+. Foi um trabalho importante e lucrativo para o Flamengo.
Confira a resposta do Botafogo
O Botafogo é favorável a uma rediscussão imediata dos critérios desse rateio. Há uma definição clara no modelo atual de quem se quer beneficiar. Assim como mais receitas e mais lucro aumentam o valor de uma companhia, competições que agregam mais aumentam o valor de um clube de futebol. Enquanto perpetuarem modelos de competição onde a distribuição de receitas é tão desigual, privilegiando um em detrimentos de tantos, destrói-se o valor da indústria do futebol. A distribuição perversa estimula um desalinhamento de interesses em que a ganância do maior e o desespero dos menores inviabiliza o próprio conceito de liga de futebol.
Em pensamento mais amplo, evoluindo para uma análise sobre o modelo de direitos de transmissão de forma geral, o Botafogo enxerga com bons olhos iniciativas europeias, que negociam em bloco e sob critérios mais democráticos, que corrigem distorções no rateio de valores e valorizam a competitividade entre os clubes. Não há outro caminho possível que não o do pensamento coletivo e com foco no equilíbrio: qualquer outro formato, principalmente o atual, diminuirá o tamanho do negócio e o interesse dos torcedores em geral.
A indústria do esporte mostra que negociações coletivas frequentemente aumentam os valores investidos e a qualidade do espetáculo. Em paralelo com a sociedade, a concentração de renda é uma questão problemática que gera desequilíbrio e desigualdade social, acarretando uma série de mazelas.
Confira a resposta do Vasco
Financeiramente o campeonato carioca não foi atrativo. A arrecadação para os clubes deve ter sido a menor dos últimos anos. Não podemos repetir essa fórmula sem ter a certeza de um mínimo garantido, próximos aos níveis recebidos da TV Globo nos anos anteriores.
O lado positivo da mudança, se é que teve, foi o desenvolvimento da VascoTV. Para a VascoTV foi um grande aprendizado. Criamos um produto customizado, muito mais atrativo ao nosso torcedor, de vascaíno para vascaíno, como costumamos dizer. E a receptividade da torcida foi incrível. Nos aproximamos, dialogamos diretamente com vascaínos e vascaínas de todas as partes do mundo. Trouxemos os ídolos para dentro de São Januário, valorizamos nossos ativos.
Estamos diante de uma mudança na forma de consumo de TV e o Carioca serviu de laboratório para alguns testes, porém financeiramente, sem entrar no mérito da arrecadação, ficou muito aquém das expectativas geradas. Por essa razão, precisamos rediscutir novas fórmulas e, quem sabe, novos parceiros.
Confira a resposta da Globo
Além de uma pandemia que impôs ao ambiente esportivo uma série de desafios, a Globo foi surpreendida com uma Medida Provisória que colocava em risco todos os contratos assumidos até então. Um deles era em relação ao Campeonato Carioca, que garantia à Globo exclusividade sobre os direitos de transmissão dos jogos que não envolvessem o Flamengo, clube com o qual não tínhamos acordo. Essa exclusividade foi quebrada e motivou a rescisão por grave violação contratual, da qual, é preciso lembrar, a Globo foi vítima. Apesar da quebra de contrato, a Globo ainda se dispôs a realizar os pagamentos restantes da temporada 2020 como prova do compromisso da empresa com o futebol Carioca. Fizemos acordo com sete dos 11 clubes com quem tínhamos contrato. A alternativa com os outros, infelizmente, foi que o assunto fosse resolvido no âmbito da justiça.’
Fonte: Agência O GloboMais lidas
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