Futebol

Vanderlei sobre jogar no Vasco: 'Essa camisa é pesada'

Vanderlei chegou ao Vasco com algumas missões: substituir Fernando Miguel, colaborar no amadurecimento dos jovens goleiros do elenco e, a principal delas, ajudar a reconduzir o clube à Série A. Aos 37 anos, após rodar o país, o goleiro desembarca em São Januário para provavelmente escrever um dos últimos capítulos de sua carreira debaixo das traves.

A expectativa é que seja mais um capítulo feliz de uma biografia que teve seus percalços no início, mas tornou-se uma história de sucesso. Do desemprego no interior do Paraná, Vanderlei escalou degrau por degrau, chegou a grandes clubes e conquistou títulos e prêmio individuais. Faltou, talvez, uma oportunidade na Seleção. Algo que esteve muito próximo de acontecer em 2017, quando foi eleito o melhor goleiro do Campeonato Brasileiro. Na épica, esteve no radar de Tite, foi observado por Taffarel, mas a convocação acabou não ocorrendo.

Em bate-papo com Esporte Espetacular, Vanderlei contou sua trajetória, recordou a infância feliz e pacata na roça, o difícil início de carreira no interior do Paraná, a passagem pelo Coritiba, o auge no Santos e a desconfiança no Grêmio. Falou também sobre os problemas com Jorge Sampaoli e Renato Gaúcho, a falta de oportunidade com Tite e, claro, a chegada ao Vasco.

- Essa camisa é pesada, e a responsabilidade é muito grande. Então espero fazer só um pouquinho do que esses caras fizeram e deixar a minha história marcada no clube – disse Vanderlei, referindo-se a grandes goleiros que fizeram história em São Januário.

Confira abaixo a entrevista e no vídeo acima a reportagem do EE

Infância no sítio

- Era uma vida tranquila, mais solta, como não temos hoje em dia. Tinha um campo de futebol ao lado de minha casa. Minha vida praticamente era dentro de campo. O tempo todo com a bola. Uma vida bem sossegada, bem gostosa, pacata. Pena que não temos a oportunidade hoje em dia de ter uma vida assim. Tinha rio, mato, árvore. Vida tranquila. Não tinha o agito da cidade, uma rotina caseira, em casa, com animais.

Fama de mito do Cartola

- (risos). Brinco com o pessoal. Não querem nem saber se você vai bem no jogo, tem que pontuar. É uma brincadeira legal, lógico que levamos na esportiva, mas às vezes o pessoal leva a sério.

- Joguei no começo. Mas eu esquecia de mexer na escalação, perdia muitos pontos. Deixei quieto. Sou muito esquecido. Perdia pontos, o pessoal me zoava (risos).

Início no futebol e desemprego

- Nas cidadezinhas no Paraná, muitas vezes precisavam de goleiros. Jogava pelo sub-15 e sub-17 de toda região. Acabei me destacando no gol. Fiz um teste numa peneira, o pessoal do Londrina me viu, me levou e me contratou. Fiz toda base no Londrina.

- No finalzinho da base, acabei saindo e fiquei muito tempo parado. Foi difícil. Fiquei desempregado e sem clube por um bom tempo, nessa saída da base para o profissional.

- Foi aí que um grande amigo, o Claudinei, me levou para uma cidade em São Paulo, onde precisavam de um goleiro. Mas nem joguei, eles não tinham dinheiro na época para fazer a transferência entre as federações. Quando acabou o campeonato, um treinador de goleiros foi para o Olímpia-SP e me chamou. Cheguei como terceiro goleiro e, pouco tempo depois, tive oportunidade, virei titular e fui muito bem.

Título em título paranaense com Paranavaí

- Acabei indo para o Paranavaí e fomos campeões paranaenses (2007). Foi algo inexplicável, já que tinham três clubes grandes no Paraná. Surpreendemos, essa história virou até livro. O Coritiba se interessou e me levou.

- O Zequinha (Zeca, lateral do Vasco) é de Paranavaí. Ele é parceiro. Ele me contou que acompanhava os jogos na época na arquibancada. Eu brinco que ele era o mascote do time. É bem legal. É um cara gente boa, fantástico. Muito legal estarmos juntos aqui no Vasco, vamos reeditar a parceria que tivemos no Santos e que seja uma parceria vencedora aqui no Vasco.

Dificuldades

- O mais difícil foi a transição da base para o profissional. Saí do Londrina quando estava estourando a idade dos juniores. Hoje a gente vê a garotada com 18 anos no profissional.

- Naquela época era mais difícil. Fiquei desempregado, sem clubes, as portas foram se fechando. Mas Deus me abençoou e abriu portas. Fui de degrau a degrau. A dificuldade dos clubes no interior é muito grande. Mas eu sempre tive meu sonho. E o campeonato que conquistamos com Paranavaí abriu portas para mim.

Coritiba e final da Copa do Brasil

- Fui para o Coritiba, tive a oportunidade de ficar esse tempo todo, foram sete anos. Fizemos um ano fantástico em 2011. Batemos recorde de vitórias (24), mas perdemos a final da Copa do Brasil para o Vasco e a vaga na Libertadores, no Brasileiro, na última rodada. Não joguei a final, estava no banco, quem jogava era o Edson Bastos. Depois consegui a vaga e terminei o ano como titular.

- O Vasco tinha um time fantástico, com jogadores espetaculares: Diego Souza, Felipe, Éder Luis, Alecsandro, Fernando Prass, Dedé, Anderson Martins, entre outros. Foi uma grande final, o Vasco ganhou com o gol qualificado. Foram dois grandes jogos, e o Vasco foi campeão. Foi bom para o Vasco, há muito tempo não ganhava um título nacional e fez uma grande Libertadores no ano seguinte.

Auge no Santos

- Foram cinco anos fantásticos no Santos, tive a oportunidade de conquistar muitas coisas, prêmios individuais, campeonatos, fui mais reconhecido nacionalmente, com todo mundo cobrando a minha ida para Seleção. Foi uma época fantástica. Guardo um carinho muito grande pelo Santos. Levou a minha carreira a outro patamar.

Melhor momento da carreira?

- Não digo que foi o melhor. O Santos tem muito mais visibilidade que o Coritiba. Mas foram momentos muito bons no Santos. O ano de 2015 foi muito bom para mim, 2016 também ganhamos o Paulista, brigamos até o fim pelo Brasileiro. Em 2017 chamou mais atenção porque foi uma sequência de vários jogos. Mas realmente foi um ano fantástico, ganhei vários prêmios individuais. Foi muito bom para a minha carreira. Foram momentos fantásticos, que levarei para o resto da minha vida e contarei para meus filhos e meus netos.

Relação com Sampaoli

- É difícil falar, não gosto muito. Foi mais uma questão de característica. Com Dorival Junior trabalhamos muito a saída de bola. Na sequência, tivemos alguns treinadores que não gostavam muito. Como ele (Sampaoli) acompanhou somente meus últimos jogos antes de chegar ao Santos, já veio com a ideia pronta de que eu não saia jogando com os pés.

- Sempre fiz minha parte, dei o meu melhor. É óbvio que a gente não concorda com algumas situações, mas sempre o respeitei. Quando o Sampaoli saiu, me elogiou como profissional. Acho que foi mais uma questão pessoal dele do que uma questão de campo. O Santos trouxe o Everson, que fez um grande trabalho. Isso não tem problema. Você tem que estar preparado para isso no futebol. É algo que já passou, o Sampaoli não está mais aqui, e o que eu tinha que falar já falei para ele.

Frustração por não ter ido à Copa de 2018?

- Não digo frustração por não ter ido à Copa. Eu não cobrava a ida para Copa, mas queria uma oportunidade na Seleção para mostrar o trabalho na Seleção, e depois a gente via o que aconteceria mais à frente.

- Na Seleção, na minha opinião, deve ir quem está no melhor momento. Mas a gente sabe que futebol é assim, não deu, continuei trabalhando como sempre fiz e não ficou nenhuma frustração. Seleção é o sonho de todo mundo, mas eu sei que tem muitos jogadores com qualidade para servir à Seleção.

Grêmio

- A passagem pelo Grêmio não foi tão boa. Foi muito curta. Mas foi bacana, acho que fiz um bom trabalho no Grêmio, chegamos à final da Copa do Brasil, fizemos um bom Brasileiro. É claro que teve algumas situações de não dependem de nós. São coisas que acontecem no futebol, acabei não jogando a final da Copa do Brasil. Mas futebol é assim, temos que ter paciência e estar preparado para essas situações.

- Foi um ano atípico no futebol. Começou, depois parou, voltou sem torcida. Foi difícil para todo mundo. Mas fui feliz, fiz boas partidas. É claro que em uma partida ou outra não fui tão bem, mas isso faz parte da posição. Mas no geral foi um bom ano, fomos campeões estaduais, chegamos à final da Copa do Brasil, fizemos grandes jogos no Brasileiro e na Libertadores.

Problemas com Renato Gaúcho?

- Teve a questão da final da Copa do Brasil, quando o Renato (Gaúcho) optou pelo Paulo Victor. Teve um pouco de revezamento na posição, mas isso foi uma opção dele. Não sei dizer o que aconteceu. Não entendi o que aconteceu, mas respeito a opção dele. Ele é quem escala o time. Não tenho nada contra, até porque foi o Renato que pediu a minha contratação ao Grêmio. Mas passou, a vida seguiu, segui a minha vida e estou muito feliz por ter vindo para o Vasco.

- Minha relação com Renato era profissional, o que é normal. Não vamos ter sempre a mesma amizade com todos. Mas o ambiente era tranquilo, profissional. Não tenho o que reclamar do Renato. Que ele possa ser feliz e bem-sucedido na sequência da carreira

Convite do Vasco

- Quando acabou o Brasileiro, tivemos alguns dias de folga. O Vasco me procurou. Na época falei que não adiantava negociar antes de eu resolver a minha situação com Grêmio. Eu tinha que me reapresentar, ver qual seria a situação e qual decisão tomaríamos.

- Fiquei feliz pelo convite, mas avisei ao Vasco que teria primeiro que resolver a minha situação com Grêmio. Voltei, conversei com a comissão técnica e com a diretoria para resolver a minha vida, decidimos pela rescisão. Depois foi tranquilo, voltei a conversar de novo com Vasco, deu tudo certo e estou muito feliz.

Marca no Vasco

- Sou muito ligado em história do futebol. O Barbosa teve uma história gigantesca no Vasco. Um cara espetacular, que não teve uma história só no Vasco, mas também no futebol brasileiro e mundial. Mas o Vasco teve muitos goleiros que marcaram, o próprio Carlos Germano, Hélton, Fernando Prass, Martin Silva... Me desculpa se esqueci alguém, mas esses foram goleiros gigantes, que marcaram no Vasco. Essa camisa é pesada, e a responsabilidade é muito grande. Então espero fazer só um pouquinho do que esses caras fizeram e deixar a minha história marcada no clube.

Lucão

- Claro que eu já conhecia o Lucão e sua história. Sou um cara que gosta muito de acompanhar futebol, acompanhei jogos dele no ano passado, e ele fez grandes jogos. A gente vê a evolução que ele teve com uma sequência de jogos. É um grande goleiro, com passagem pelas seleções de base. E agora estou podendo acompanhá-lo de perto no dia a dia.

- Estou feliz de trabalhar com ele e com os outros meninos também. Que nós possamos aprender um com o outro. Que nosso ambiente seja fantástico, isso é fundamental e faz diferença. Tem sido muito legal, muito bacana, o Lucão me recebeu muito bem. Espero que possamos fazer um grande ano e ajudar o Vasco, que é o mais importante.

Fonte: ge