Romário, sobre clássico: "Hoje a única coisa que resta são as camisas"
Capaz de passar pelo Vasco sem prestar reverências a Roberto Dinamite, e de chegar ao Flamengo falando mal de Zico, Romário usou de raro oportunismo para dessacralizar a geração que o antecedeu e a rivalidade entre os clubes. Maior artilheiro a atuar dos dois lados do clássico, marcou 14 gols pelo Vasco contra o Flamengo, e outros cinco no sentido contrário. Gênio indomável, na pequena área ou no grande círculo da política, Romário vê o jogo de hoje em Brasília como uma atividade para lamentar.
— É uma pena ver gente indo ao estádio para ver estes dois times ridículos que Vasco e Flamengo apresentam hoje, disputando o campeonato apenas para não cair. Sei que não falta luta nem disposição, mas o nível técnico é horroroso. Não perco meu tempo, e pior ainda é quem ainda tem que pagar R$ 100 por um ingresso — disse o ídolo, que já era político quando jogava, ao conservar sua popularidade entre rivais. — Tive a felicidade de fazer o gol mil lá em São Januário. A torcida do Flamengo sempre foi generosa comigo. Guardo o mesmo carinho dos dois times. Não tô nem aí para quem pensa que estou fazendo média. Sempre falei que sou América.
Com o Flamengo no meio do caminho, o Vasco foi princípio e fim da carreira do craque. Além de um título nacional, Romário deixou em São Januário uma estátua e a lembrança de seus melhores momentos. Pelo Flamengo, a quantidade de gols superou a qualidade das conquistas.
— O Flamengo montou bons times que não se confirmaram. O Vasco de 2000 foi o melhor em que joguei — disse, a despeito do Vasco bicampeão carioca de 1987/88, que tinha Tita, Geovani e Roberto. — O time de 2000 não tinha tanta vaidade. Em 1987, os caras não queriam correr para mim. O Tita e o Roberto vieram dizer que todo mundo tinha que correr igual, mas em todo o time tem um para correr mais.
Apesar da explosão vertiginosa do início da carreira, Romário nunca precisou fazer força para ser marcante. Com a língua presa e o verbo solto, disparou gols e polêmicas por onde passou. Recém-promovido aos profissionais, abandou um treino em São Januário, contrariado com as determinações do técnico Cláudio Garcia, que se perguntava em voz alta: “Quem ele pensa que é?” Era Romário, em estado bruto. A dificuldade de contê-lo logo chegaria à Gávea. Um dos maiores craques que já vestiram a camisa rubro-negra, Leandro padeceu nas finais de 1987/88. Na primeira, foi desarmado por Romário na origem da jogada do gol do título, marcado por Tita, outro que foi campeão dos dois lados do clássico, assim como Bebeto.
Em 1988, embora o goleiro ainda pudesse usar as mãos nas bolas recudas, Leandro não contava com uma mudança em curso. Ao atrasar para Zé Carlos, Romário aproveitou que a bola estava quicando. Com um toque, deu um lençol no goleiro antes de marcar de cabeça um dos gols que levaram o Vasco à sua última vitória em decisões contra o Flamengo.
— Eu acabei com muitos zagueiros, mas não com o Leandro, que foi um dos maiores que eu vi — disse, entre o rigor e a displicência com a memória do clássico. — Não me lembro dos gols mais bonitos, nem quantos jogos, só sei que ganhei muito mais que perdi jogando dos dois lados.
A FORÇA DAS CAMISAS
Pesquisador da história do Vasco, Gustavo Côrtes tem os números. Em 38 clássicos, Romário venceu 17, empatou 11 e perdeu 10. Encerrada a carreira, o ex-jogador tem créditos milionários a receber dos dois clubes. Seja no campo político ou esportivo, o deputado Romário tem sido implacável nas cobranças. No momento em que Vasco e Flamengo respiraram aliviados por estarem fora da zona de rebaixamento, o ídolo, que teve três passagens tanto pelo Vasco quanto pelo Flamengo, suspira entre a impaciência e a saudade.
— Era uma rivalidade gostosa. Hoje, a única coisa que resta são as camisas. Quando um jogador passa dois meses no clube e vai embora, é impossível criar identidade.
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