Rincón, ex-atleta e técnico do sub-20 do Corinthians, fala sobre a final do
O uniforme tem o distintivo do Corinthians. A expressão sisuda faz lembrar aquela de uma década atrás. \"Ninguém marca? Vão deixar o cara sozinho, mesmo? Olha! Olha! Olha a m... que vocês estão fazendo! C...! P...!\", ele finalmente se pronuncia, descruzando os braços, para provar que continua igual também ao reclamar. Agora não há mais nenhuma dúvida. O colombiano Freddy Rincón voltou para \"casa\", como definiu nesta entrevista exclusiva à GE.Net.
Na condição de técnico da equipe sub-20 do Corinthians, Rincón se apega às suas experiências como ídolo do clube para instruir os novatos. Sobram lições de vida na carreira. No Mundial de Clubes de 2000, por exemplo, o capitão rememorou as ofensas racistas que sofreu na Espanha ao enfrentar o Real Madrid e viu alguns companheiros pedirem para não cobrar pênaltis na final contra o Vasco. Já aposentado, em 2007, passou 123 dias preso sob a acusação de lavagem de dinheiro e associação ao tráfico de drogas.
Ao contrário dos juniores do Corinthians, nenhum desses assuntos é capaz de irritar Rincón. Talvez porque o ex-jogador já estivesse mais calmo desde o segundo tempo da vitória por 1 a 0 sobre a Caldense, em amistoso realizado no Centro de Treinamentos de Itaquera, quando o calor aumentou e ele precisou se refugiar debaixo de uma árvore. Não deixou mais o abrigo ao posar para fotos com os atletas adversários nem para lembrar das histórias de sua trajetória no futebol.
Gazeta Esportiva.Net: Quem é mais severo: o Rincón treinador do time de juniores ou o Rincón capitão do Corinthians?
Freddy Rincón: [risos] Sou uma pessoa muita fria, mesmo, centrada. É o meu jeito.
GE.Net: Era assim que você conseguia liderar aquele time de astros do Corinthians?
Rincón: É complicado lidar com egos, sabe? Muitos jogadores tinham estrelismo naquele elenco. Eu só me preocupava em dar o exemplo, trabalhando e fazendo as coisas certas, para ter moral para cobrar depois. Desse jeito, eu conseguia ser respeitado.
GE.Net: Imagino que você tenha precisado intervir em algumas confusões no grupo.
Rincón: Até que não eram tantas brigas assim, apesar de não existir união nenhuma na equipe. O importante é que, quando subíamos ao gramado, o objetivo de todos era um só. Isso fazia a diferença para o Corinthians dentro de campo.
GE.Net: E no vestiário? Você quase bateu no Edílson depois de um desentendimento...
Rincón: É verdade, mas esse episódio foi igual a um monte que já vivenciei. Se a gente não discute para acertar, o time não chega às finais. Foi o que aconteceu em todas as brigas entre o Edílson e eu. E conquistamos os nossos objetivos.
GE.Net: O maior deles foi o Mundial de Clubes de 2000?
Rincón: Sem dúvida nenhuma. Não é todo dia que se ganha um Mundial. Foi um título que repercutiu muito na Colômbia e que me encheu de orgulho por ter triunfado no Brasil. Guardo até hoje a minha medalha, a faixa de campeão... A camisa sumiu, mas deve estar em boas mãos [risos]. O engraçado é que algumas pessoas desmerecem a nossa conquista. Isso é porque torcem por outros times. Se elas tivessem sido campeãs do mundo, duvido que não estariam comemorando ainda hoje. Os corintianos têm mais é que festejar, pois superamos grandes times, como Vasco e Real Madrid.
GE.Net: Foi mais difícil enfrentar Vasco ou Real Madrid?
Rincón: O jogo contra o Vasco talvez tenha sido mais difícil. A gente havia disputado o Campeonato Brasileiro até o final de 1999, sem descansar, e a caminhada antes da decisão foi dura. Já o Vasco estava descansado e contava com muitos jogadores de qualidade, como Romário, Edmundo, Juninho Pernambucano, Felipe...
GE.Net: Mesmo assim, a final foi bastante truncada.
Rincón: Isso é típico de final. Como o time deles estava descansado, é normal que tenha ficado com mais posse de bola. Mas igualamos na vontade. E, nos pênaltis, a gente possuía o Dida. Era um goleiro que não se atirava por se atirar. Ele pegava pênalti, mesmo. Isso nos deu bastante confiança e tranquilidade nas cobranças contra o Vasco.
GE.Net: Ser o primeiro cobrador de pênaltis naquela final era uma responsabilidade para o capitão?
Rincón: Na verdade, eu não queria bater... Não é que eu não queria. Eu estava muito cansado e ainda tinha me machucado durante a partida. Quando o árbitro apitou o final do jogo, parecia que o meu dever já tinha sido cumprido. Mas alguns jogadores do Corinthians não quiseram cobrar. Eu, como capitão, não poderia tirar o corpo fora.
GE.Net: Quem não quis bater?
Rincón: Foram alguns jogadores experientes. Bater ou não vai de cada um, não é? Quando terminou o jogo, eu também já fui avisando: \"Oswaldo [de Oliveira, técnico], cheguei até aqui muito cansado...\". Mas alguém tinha que cobrar os pênaltis. Foi então que o Edu e o Fernando Baiano se ofereceram para bater. Ainda bem que os meninos tinham essa personalidade forte. Eu não podia deixá-los sozinhos naquele momento. Espontaneamente, falei para o Oswaldo me colocar para cobrar também. Deu tudo certo no final.
GE.Net: A eliminação nos pênaltis para o Palmeiras, na Libertadores de 1999, foi um peso para quem não quis bater contra o Vasco?
Rincón: Foram o Vampeta e o Dinei que perderam os pênaltis naquela Libertadores, né? Eles não são cobradores de pênalti. Isso é inerente à característica de cada jogador. Quando a hora chega, alguns dizem que não querem comprometer o time. Acho isso até louvável. Mas outros, que não sabem bater pênalti, chamam a responsabilidade para si assim mesmo. Às vezes, acabam errando. O que me parece algo natural, pois o Marcos é um grande goleiro.
GE.Net: No Mundial, todos os jogadores cobraram pênalti para o mesmo lado. Foi planejado?
Rincón: Foi coisa de momento, mesmo. Cada um chutou como bem entendia. Eu bati da maneira de sempre. A diferença foi que a bola tocou na trave, o que não estava nos planos [risos]. A gente ainda se lembra de alguns detalhes como se tudo tivesse acontecido ontem.
GE.Net: O jogo contra o Real Madrid também foi marcante desse jeito?
Rincón: Bastante. Como o Corinthians não está acostumado a enfrentar esses grandes times internacionais, tudo repercutiu muito. Os jogadores deles tinham qualidade, e nós havíamos sido bicampeões no Brasil. A expectativa de todos era enorme.
GE.Net: E você já tinha jogado no Real Madrid...
Rincón: Por pouco tempo. A verdade é que eu não quis alongar a minha estadia na Europa. Sofri muito preconceito racial lá. Perdi a vontade de continuar no Real Madrid. Aí, o Palmeiras me trouxe para o Brasil. Era uma proposta vantajosa, então não havia motivo para seguir na Espanha.
GE.Net: Preconceito por parte da torcida?
Rincón: Quando cheguei à Espanha, as paredes estavam pichadas com diversas inscrições, como: \"Não queremos negros no Real Madrid\". Foi algo que me deixou chateado, lógico, mas não abandonei o clube por isso. Mesmo sendo uma coisa bem pesada, achei que poderia reverter com o meu futebol. Aprendi muito com tudo o que aconteceu.
GE.Net: Você enfrentou algum problema semelhante no Brasil?
Rincón: A gente escuta muita ofensa racista em campo, dos jogadores e da torcida, mas é coisa de momento. Não me magoou tanto. No Brasil, eu só me preocupei em jogar o meu futebol. Também cheguei a São Paulo sem problemas de adaptação, pois temos certa influência brasileira na Colômbia. Já conhecia vários jogadores daqui.
GE.Net: O fato de já conhecer alguns atletas do Real Madrid também ajudou no Mundial?
Rincón: Nós ficamos concentrados no mesmo hotel. Passei a maior parte daquele tempo com os jogadores do Real Madrid, até porque tinha acabado de sair de lá e fiz amizades. O que deixou o clima quente no jogo foi a vontade dos dois times. Eles não vieram ao Brasil para brincar. Queriam muito o título. E, para piorar, o Edílson não consegue ficar quieto e falou um monte de coisas sobre o Karembeu, que deve ser parecido com ele nesse ponto [risos]. Mas esse episódio foi bom para o espetáculo. [Edílson prometeu colocar a bola entre as pernas do francês Karembeu. E cumpriu.]
GE.Net: Os jogadores do Real Madrid chegaram a reclamar do Edílson para você?
Rincón: Sinceramente, a gente nem conversava muito sobre o jogo. Falávamos mais sobre as nossas histórias na Espanha. Eu me dava muito bem com o Hierro, com o Fernando Redondo, com o Raúl, com o Guti... Apesar de a minha fase não ter sido boa no Real, sempre trabalhei bastante lá, sem chiar.
GE.Net: Entrou em campo mordido por causa dos insultos racistas que recebeu em Madri?
Rincón: Não quis pensar muito nisso na hora, pois foi uma coisa chata que ocorreu. O que fica da minha passagem pelo Real Madrid é o meu profissionalismo. O objetivo era somente ganhar deles para chegar à final. Conseguimos, e isso já me marcou bastante.
GE.Net: Tanto quanto o gol que você fez contra o Al Nassr?
Rincón: Esse time foi bem encardido. Como estávamos cansados, tudo ficava mais difícil. Cada jogo era uma final. Quando marquei esse gol, que nos classificou para a decisão contra o Vasco, desceu toda a tensão. Vibrei bastante. Mas nada supera a hora em que eu levantei a taça de campeão do mundo. Foi inesquecível. No instante em que você pega o troféu, vem um sentimento de alívio. Você pensa assim: \"Ufa, foi sofrido, mas o dever está cumprido e todos podem comemorar\".
GE.Net: Você ergueu a taça de uma maneira diferente da usual.
Rincón: Sacudindo o troféu, né? Extravasei, mesmo. Até porque eu estava saindo do Corinthians naquela época. Na minha cabeça, eu estava dizendo: \"Puxa, fechei a minha passagem com chave de ouro\". Foi uma coisa extremamente forte na minha carreira.
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