Futebol

Renato Gaúcho fala em entrevista da confiança no título

No caminho entre a concentração e o vestiário, Renato Gaúcho pára de quicar uma das 64 bolinhas de tênis que distribuiu para lembrar a todos no Vasco que há um sonho a ser alcançado na final da Copa do Brasil. Ele se benze em frente à capela de Nossa Senhora das Vitórias e segue para comandar o treino. A dura derrota de 2 a 0 para o Flamengo, no primeiro jogo das finais, não abalou as crenças do comandante vascaíno. Fé e superstição caminham lado a lado em São Januário.

As bolinhas de tênis apontam que o Vasco ainda acredita no sonho, mas como você pretende motivar seus jogadores para a decisão de quarta-feira?

Tenho de usar muita psicologia, passar toda a minha experiência de jogador para eles. Ganhei 16 títulos na minha carreira, mas nenhum deles caiu do céu. Tive de lutar até o último segundo para conquistar todos, sem exceção. É como diz aquele lema: sou brasileiro e não desisto nunca. Sou um guerreiro e não desisto nunca. Em 90 minutos, muita coisa ainda pode acontecer. As bolinhas de tênis são ainda mais importantes agora. Quero que cada jogador entenda que temos condições de escrever nossos nomes na história do Vasco.

Além da virada histórica na Mercosul de 99, que outros exemplos você poderia citar para elevar a auto-estima da equipe?

Nota da NETVASCO: A virada histórica foi na decisão da Copa Mercosul 2000.

Particularmente, o exemplo que mais me marcou foi a final do Estadual de 1995, pelo Fluminense. Fizemos 2 a 0 e achamos que o título estava decidido. Aí o Flamengo empatou, a torcida deles gritou \"É campeão\". Meus companheiros me olhavam assustados e eu procurei animá-los. Insistimos até o fim e acabei fazendo o gol do título, de barriga. Tem de insistir. A Alemanha foi fazer substituições pensando nos pênaltis e levou dois gols da Itália na prorrogação das semifinais da Copa do Mundo.

Você disse que a falta de atitude fez a diferença no primeiro jogo. E tecnicamente, o que se pode esperar do Vasco para a final?

O Flamengo não tem nada a mais do que a gente. Só que entrou com espírito de ganhar o título da Copa do Brasil. Nós, não. Isso fez a diferença. Não foi um jogo bom tecnicamente, mas eles tiveram três chances e fizeram dois gols. Nós tivemos as mesmas chances e não marcamos. Se olharmos no papel, o Fluminense tem um time melhor que Vasco e Flamengo. Mas conseguimos eliminá-los porque jogamos com tesão. É esse tesão que quero ver novamente.

Não deu para perceber antes do jogo que alguns não estavam com este espírito vencedor?

Fizemos tudo o que foi necessário para motivar o grupo. Quando subimos as escadas do Maracanã para o campo, o time estava confiante. Foi um jogo equilibrado até o Flamengo achar aquele gol. O time sentiu e logo em seguida tomamos o segundo. Graças a Deus ainda temos a chance de nos redimirmos. E estou trabalhando forte para manter a rapaziada confiante. Não acabou mesmo. Se jogar de verdade, sou mais o meu time do que o deles.

O que você achou das críticas por não ter mudado o esquema da equipe diante da marcação de três zagueiros do Flamengo?

É muito fácil criticar em cima de resultado. Quando atropelamos o Fluminense nesse esquema, jogando em velocidade, ninguém falou nada. Se deu certo, por que eu deveria mudar? Se eu mudo e a gente perde, as mesmas pessoas que criticam diriam que eu não tinha nada que mexer no time. Falam um monte de besteiras.

Após um ano no comando do Vasco, em que pontos você acha que evoluiu como treinador?

É claro que aprendi muito, me sinto mais maduro. Muita gente ligava minha carreira à amizade que tenho com o Romário. Sou muito grato ao Baixinho, ele me ajudou bastante. Mas acho que provei que posso andar sem tê-lo na minha equipe. Chegar a uma final com um time de craques é obrigação. Quero ver pegar um elenco desacreditado, que muitos diziam ser o pior da história do Vasco e chegar a uma final de Copa do Brasil. Hoje conto até dez antes de dar declarações, procuro resolver problemas internamente.

Mas há quem o critique por atribuir as derrotas sempre a falhas de jogadores.

Talvez isso fosse um mal-entendido. Jamais quis expor meus jogadores. Quando um perde, todos perdem. O treinador não ganha um jogo, mas pode perdê-lo. Sempre apoiei meus jogadores.

Você procura se espelhar no trabalho de outros técnicos? Observou algo de bom durante a Copa?

Tive grandes treinadores na minha carreira e tirou bons exemplos de cada um deles. Na Copa, sinceramente, só vi exemplos negativos. Ninguém mostrou nada de novo. A vitória da Itália provou que é só ter uma boa defesa e fazer um gol ou outro no erro do adversário para vencer. Argentina e Brasil voltaram logo. E o Zidane só precisou jogar um feijão com arroz para ser o melhor da Copa.

Você sempre beija uma imagem de Nossa Senhora Aparecida antes das entrevistas. A fé também faz diferença numa decisão?

Claro que sim. E tenho muita fé de que vamos conquistar este título. Após a derrota de quarta-feira, as primeiras pessoas com quem falei foram minha mulher, Maristela, e minha filha, Carol. Minha mulher não é de fazer promessa, mas fez uma para esta final e me disse para levantar a cabeça. Já minha filha chorou, mas disse que na quarta o choro será de alegria. A família está sempre conosco, nos bons e nos maus momentos. Já os tapinhas nas costas só vêm nas vitórias. No futebol e na vida, é preciso ter fé sempre.

Fonte: O Globo