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Portela completa 100 anos e uma das páginas desta história foi escrita em SJ

A Portela completa 100 anos neste Carnaval e uma das páginas desta história foi escrita em São Januário. O estádio do Vasco foi palco de um dos títulos de Azul e Branca de Madureira, a maior vencedora da folia carioca.

A conquista de 1945, ano em que o Carnaval esteve em xeque em meio à tensão mundial devido à Segunda Guerra Mundial, teve ainda como testemunha ocular o cantor e compositor Paulinho da Viola, em um dia que viu unidas duas de suas paixões.

A Portela entra na Marques de Sapucaí hoje, entre 23h e 23h10. O enredo será em homenagem aos 100 anos da Escola.

Por que em São Januário?

Os desfiles das Escolas de Samba começaram em 1932, na Praça Onze. No fim de 1944, o Brasil envia tropas para a Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Aliados.

O conflito fez com que a realização do Carnaval fosse questionada por uma parcela da sociedade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

Sem poder utilizar a Avenida Rio Branco, a Liga de Defesa Nacional (LDN) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), que organizavam a festa, viram a Colina abrir as portas.

"Houve um aumento da pressão para a supressão das festas e desfiles. Lutando contra isso, as Escolas de Samba desfilaram. Impedidas de usar a Avenida Rio Branco, contaram com a ajuda do Vasco para que São Januário fosse palco dessa festa popular. O estádio estava na capital do país e era o principal palco nacional para grandes eventos esportivos, políticos e culturais. Ademais, em 1943, as Escolas haviam realizado um desfile não-oficial no estádio" - Walmer Peres, historiador do Cruz-Maltino

O evento citado aconteceu em 24 de janeiro de 1943, foi organizado por Darcy Vargas, esposa de Getúlio Vargas e então primeira-dama do país, e contou com a participação de 10 Escolas.

O desfile de 1945 foi realizado na pista de atletismo que já não existe mais na Colina.

Este é um Carnaval com poucos registros porque havia uma discussão sobre a realização do Carnaval. As entidades que promoveram estavam mais à esquerda no espectro político e queriam se construir junto aos setores populares. São Januário era o lugar para os grandes eventos na época, como o próprio Governo Vargas fez. Tinha essa característica de receber festas populares Mauro Sérgio Farias, do departamento cultural da Portela

O enredo

Na ocasião, em meio ao Estado Novo, "havia um discurso de exaltação a valores nacionais, visando construir uma certa identidade brasileira. As escolas de samba buscavam estar alinhadas com essa política varguista, adotando enredos nacionalistas", explica Walmer.

A Portela levou à "avenida" o "Brasil Glorioso", sob um samba composto por Boaventura dos Santos, conhecido como Ventura, que tinha trecho como "Ó meu Brasil glorioso / És belo, és forte, um colosso / É rico pela natureza / Eu nunca vi tanta beleza".

Aquela foi a sétima conquista da história da Portela, e o quinto de uma sequência de sete títulos (de 1941 a 1947).

A morte de Matinada

Com o samba e os sambistas marginalizados, e um desfile que aconteceu sob contestações, o evento ficou marcado por uma tragédia, que serviu para reforçar estereótipos.

"Parte da imprensa pediu para que providências enérgicas fossem tomadas contra as escolas. Algumas personalidades do samba, entre eles o já consagrado Paulo da Portela, transformaram-se nas vozes de defesa dos sambistas, fazendo uso do microfone de algumas rádios solidárias à causa das escolas", registra o site oficial da Portela.

O Paulo da Portela brigava muito pela legitimidade dos desfiles. No samba para o centenário tem um verso que fala sobre "pescoço ocupado", expressão que ele usava. Ele dizia que o sambista tinha de se apresentar altivo, de gravata. Vínhamos de um momento que, às duras penas, começava a se conseguir esse reconhecimento, e esse episódio fez isso retroceder um pouco. O debate ficou em cima da violência e daquilo tudo que os sambistas já eram acusados. Mauro Sérgio Farias, do departamento cultural da Portela

Citado em música do Paulinho da Viola

Vascaíno e portelense, Paulinho da Viola estava em São Januário naquele desfile e, anos depois, citou a morte de Matinada no samba. Em "Botafogo, Chão De Estrelas", feito em parceria com Aldir Blanc e interpretada por Walter Alfaiate, há os versos "Morreu assassinado o Matinada / Nas confusões que vestem fevereiro".

A década do Vasco e da Portela

A década de 40 marcou uma sequência de títulos para Vasco e Portela. Foram sete títulos para a Azul e Branca, enquanto o Cruz-Maltino viu a formação do que ficou conhecido como "Expresso da Vitória". Em 1948, a equipe de São Januário conquistou o Sul-Americano de Campeões e se tornava o primeiro campeão continental do mundo.

"Eu prefiro datar 1945 como ano inicial do Expresso da Vitória, Era de ouro que vai até 1953. Em 1945, dentre outros títulos, o Vasco volta a ganhar o Carioca e faz de maneira avassaladora, invicta. A Portela venceu de forma seguida de 1941 a 1945, e seria hepta ao vencer os Carnavais de 1946 e 1947" - Walmer Peres

Samba-enredo da Portela em 1945

autor: Ventura

Ó meu Brasil glorioso
És belo, és forte, um colosso
É rico pela natureza
Eu nunca vi tanta beleza
Foi denominado terra de Santa Cruz
Ó pátria amada, terra adorada, terra de luz

Nessas mal traçadas rimas
Quero homenagear
Este meu torrão natal
És rico, és belo, és forte
E por isso és varonil
Ó pátria amada, terra adorada, viva o Brasil

Fonte: UOL Esporte