Futebol

Opinião: Amor Incondicional

No inicio do inverno de 1970, entrei de mãos dadas com meu pai na única barbearia de Jerônimo Monteiro, uma minúscula cidade do interior do Espirito Santo, aonde nasci.
Tinha 9 anos...e me lembro com se fosse hoje: O barbeiro colocando uma tábua na cadeira para que ela ficasse mais alta e assim ele pudesse aparar meu cabelo de maneira mais segura e confortável.

Em minha frente , ao lado do espelho, estava um quadro, e nele homens em pé e agachados numa foto em preto e branco. Fiquei ali admirando aqueles atletas uniformizados com camisas, calções, meiões e chuteiras ...era a primeira vez que eu via o time do Vasco Campeão Carioca de 1970.

Nesse mesmo ano, eu deixei de ser um capixaba e me transformei num carioca. Meu pai resolveu tentar a sorte no Rio e, logo depois da Copa, nos mudamos para o Andaraí, pequeno bairro encravado entre Grajaú, Tijuca, e Vila Isabel...na Zona Norte.
Me transformei em um carioca muito mais por causa do futebol. Minha paixão por ele se confunde com meu amor pela cidade mais bonita do mundo...

Se acabarem com o nosso tradicional campeonato, eu não serei mais um desses nativos fiéis, e não conseguirei gostar tanto desse esporte, como gosto, sabendo que nunca mais assistiria as fantásticas decisões de Taça Guanabara, como aquela, entre muitas que não esqueço, em que Mazzaropi pegou os penaltis de Geraldo e Zico, nos dando o título de 1976.

Não me sai da memória o chute à queima roupa de Zequinha, num Vasco e Botafogo de 72, em que a bola estourou na cabeça de Andrada e que o fez perder os sentidos durante alguns minutos. O goleiro voltou a campo para se transformar em mais um dos tantos heróis que o Maracanã nos mostrou. Na saída do gramado, ao final da partida, enquanto recebia o Motoradio, o argentino desmaiou novamente...e saiu carregado nos braços dos médicos e da torcida cruzmaltina.

Também não dá pra esquecer do famoso e inigualável gol de lençol do Dinamite, na cabeçada de Doval numa decisão entre Vasco e Flu, no último minuto da prorrogação, e que me fez, pela primeira vez, chorar por perder uma final... Um título!

Qual o botafoguense que não se lembra do gol do Mauricio? Qual o tricolor que não se lembra do gol de Renato...de barriga...numa decisão memorável? Qual o rubro-negro que já se esqueceu do gol do Petkovic, de falta, nos últimos minutos de uma final impressionante? Eu sempre lembrarei desse gol...meu coração dolorido não me deixará esquecer. Nunca! Passei a ser mais vascaíno naquele dia, pois ali, depois que o jogo terminou, trancado e sozinho no meu quarto escuro, eu descobri que nunca havia chorado por uma mulher como chorei pelo Vasco naquele inicio de noite.

O carioca é apaixonado pelo nosso campeonato. E não poderia ser diferente. O Rio tem 5 grandes clubes maravilhosos. Cinco histórias emocionantes. Torcidas lindas, alegres, criativas... e coloridas. Independente de ser rentável, ou não, organizado, ou não, ele é de uma importância gigantesca para a cultura de nossa cidade...de nosso país.
Nada. Nada. Nada poderá apagar e enterrar essas memórias e histórias! Nenhum dinheiro...nenhuma cartolagem...nenhum novo produto de marketing. Nenhum pensamento catedrático de um novo e genial economista de Chicago. Nenhuma nova teoria sobre o Big Bang. O carioca tem certeza que se deixarem nosso campeonato viver, essas histórias e emoções se repetirão por toda a eternidade...

Semana passada, caminhando aqui por Ipanema, parei para observar um dos velhos pipoqueiros do bairro. E ele sorria, cercado de crianças eufóricas e felizes, em frente a um McDonald\"s, vigiado e invejado por um Ronald rico, frio... E triste.

Longa Vida ao Campeonato Carioca!!!

- Por CAL GOMEZ.

Fonte: Blog de Lédio Carmona