Opinião: "Globo sente estrago feito pelo EI no seu monopólio"
"Ficamos surpreendidos com alguns poucos clubes que, apesar do nosso relacionamento de tanto tempo, não quiseram nem ouvir nossa proposta ou nem avaliaram a fundo o que estávamos colocando na mesa para 2019 em diante."
Essa foi a resposta mais espontânea de Pedro Garcia dada à Folha. Ele é um dos quatro executivos que comandam o núcleo esportivo da TV Globo. Trabalha com Carlos Schroder, Alberto Pecegueiro e Jorge Nóbrega. Os quatro substituem Marcelo Campos Pinto que, surpreendentemente, pediu aposentadoria.
A mudança ocorreu quando explodiram os escândalos na Fifa, relacionados às propinas que dirigentes recebiam dos envolvidos nas transmissões de eventos. O dono da Traffic, velha parceira da Globo e da CBF, Jota Hawilla, foi um dos maiores delatores. O ex-presidente da CBF e ex-governador biônico de São Paulo, José Maria Marin, não está com uma tornozeleira eletrônica nos Estados Unidos à toa. E ainda pode pegar 20 anos de cadeia.
Seu antecessor, Ricardo Teixeira, e seu sucessor, Marco Polo del Nero, seguem investigados pelo FBI e pelo Departamento de Justiça Norte-Americano. Desde que começaram as investigações, os dois preferem não sair do país.
Marcelo Campos Pinto era íntimo do trio. Tinha livre acesso à CBF. Voava de jato particular com os dirigentes. Foi sob sua gestão que Corinthians e Flamengo implodiram o Clube dos 13, quando a Globo estava para perder o monopólio do futebol na tevê aberta, depois de 40 anos.
Esse favor que Andrés Sanchez e Kléber Leite fizeram valeram privilégios financeiros a Corinthians e Flamengo. Os dois clubes passaram a ganhar muito mais, ter mais transmissões de jogos e atrair os maiores patrocinadores do país. Só que desde 2011, foi crescendo o ressentimento nos outros clubes com a desproporção, com a 'espanholização'.
Corinthians e Flamengo eram tratados como Barcelona e Real Madrid que, historicamente, sempre receberam a parte do Leão na transmissão do Campeonato Espanhol.
O modelo invejado pelos clubes brasileiros era o inglês. 50% igualitariamente entre todas as equipes.
– 25% baseados na classificação final da temporada anterior (o campeão recebendo 20 vezes mais o valor que recebe o último clube da lista)
– 25% variáveis de acordo com o número de jogos transmitidos na televisão.
O problema na Espanha, onde os clubes negociavam diretamente com as tevês, chegou ao insuportável na temporada de 2013/2014. Real Madrid e Barcelona receberam 140 milhões de euros, cada. O Valencia, 48 milhões de euros. O Atlético de Madrid, 42 milhões de euros, depois um grupo de três times com 32 milhões de euros. A cota ia diminuindo até o último grupo, que recebia € 18 milhões.
Com a lógica exceção dos privilegiados Real Madrid e Barcelona, os outros clubes ameaçaram não disputar o Espanhol. E o governo foi pressionado a interferir. E a distribuição ficou mais justa. Pelo menos 50% do que é pago é dividido entre todos. 25% levando em conta os resultados. E os outros 25% número de sócios, arrecadação, audiência.
No Brasil, há duas diferenças fundamentais. A primeira é a falta de interesse político de qualquer governo de tirar o privilégio da Globo no futebol. O monopólio de mais de 40 anos é mantido graças aos políticos. Presidentes da CBF, antes da CBD, sempre foram parceiros íntimos da emissora. Na Copa do Mundo de 2014 foram sócios, dividiram lucros.
Mas o fator fundamental que manteve esse quadro é a postura covarde, acomodada, comprometida dos presidentes dos clubes. A Globo os manipulava como marionetes. Principalmente disfarçando a incompetência e irresponsabilidade dos dirigentes, antecipando receitas. Criava um círculo vicioso. E seguia dando mais dinheiro e mostrando jogos do Corinthians e Flamengo.
Depois da implosão do Clube dos 13, as outras emissoras abertas com condições de concorrer financeiramente com a Globo, desistiram. Perceberam que o jogo era de 'cartas marcadas'. Com o aval do governo, da CBF. E amparado na covardia dos presidentes dos clubes.
Na tevê fechada, a bilionária Fox resolveu investir de verdade no mercado esportivo sul-americano, no brasileiro. Mas com uma estratégia diferente. A da composição. Usou a Libertadores como moeda de troca. E acabou parceira. E, por encanto, as dificuldades com a Sky e Net, terminaram.
A Fox continuou vendendo os jogos da Libertadores à Globo, os repassou também para o Sportv, canal a cabo da Globo. Em compensação, está transmitindo a Copa do Brasil. Há planos do Brasileiro da Série A.
A ESPN Brasil não conta com grande apoio da sua dona, a Disney. E está perdendo torneios fundamentais, como a Champions League. Não incomoda a Globo.
Quem fez estrago e obrigou a uma revolução interna na Globo foi o Esporte Interativo. Desde que foi assumido pela bilionária Turner. O então presidente do EI, Edgar Diniz, percebeu que a dona do monopólio só se preocupava com os maiores mercados publicitários. São Paulo, Rio, Minas, Rio Grande do Sul. E abandonava principalmente o Norte e Nordeste. Começou a, literalmente, comer pelas beiradas. Com a Copa do Nordeste, a Lampions League. Transmitir esportes abandonados, como handebol.
Quando todos estavam acomodados, Edgar deu o 'pulo do gato'. Comprou com o dinheiro da Turner, a Champions League. Foi um tombo inesperado na ESPN, Sportv e Fox. Só que a emissora usava praticamente só antenas parabólicas, não tinha espaço na Net ou na Sky. Foi uma batalha épica para que conseguisse canais para transmitir a Champions. A Globosat, poderoso conjunto de canais da Globo no cabo, afirmava que não tinha influência alguma. Não era o que acreditava a cúpula do Esporte Interativo.
Foi quando Edgar teve outra ideia. Aproveitar o descontentamento dos clubes em relação aos privilégios dados a Corinthians e Flamengo. E usou a mesma arma que a Globo na tevê aberta. Conversou com dada equipe. E conquistou Atlético-PR, Coritiba, Figueirense, Internacional, Ponte Preta, Santos e Santa Cruz, Bahia, Ceará, Sampaio Corrêa, Criciúma, Joinville, Paysandu, Paraná e Fortaleza.
Todos estão comprometidos que, a partir de 2019, terão seus jogos nos canais a cabo mostrados pelo Esporte Interativo. Romperam parceria histórica com o Sportv. As grandes conquistas foram Internacional, Santos e Bahia.
A Globo contesta Santa Cruz e Figueirense, diz que já há acordos com esses dois clubes. O EI mostra contratos assinados. A disputa pode ir para a Justiça.
A postura de Edgar inflacionou o Brasileiro na tevê a cabo. Os valores pularam de R$ 60 milhões, que eram divididos entre todos, para R$ 550 milhões. Ele também pagou muito alto por três anos de Champions League. US$ 130 milhões, cerca de R$ 525 milhões. Os valores surpreenderam os rivais, dispostos a pagar, no máximo, 40 milhões de dólares, menos do que um terço que o EI gastou. E acabou com 20 anos de tradição da ESPN Brasil transmitindo o melhor campeonato de clubes do mundo.
"Qualquer concorrência faz com que os valores aumentem, em todos os tipos de negócios. Por conta da entrada do Esporte Interativo, o SporTV teve que aumentar seus investimentos mesmo com uma janela de TV paga restrita, mas vale lembrar que as nossas propostas para os direitos de transmissão dos campeonatos vêm aumentando há muitos anos."
"O Grupo Globo investe no futebol brasileiro há 30 anos. De forma crescente. De 2011 para cá, os clubes viram suas receitas com direitos e cotas de patrocínio crescerem bastante. Não é um movimento recente. Essas evoluções nas negociações não se fazem da noite para o dia. Como já disse, nunca se investiu tanto no futebol. Esta é uma negociação que envolve interesses muito diversos e que deve entregar benefícios a todas as partes", tenta amenizar Pedro Garcia. Mas ele sabe muito bem que, se dependesse da Globo, nunca os valores ficariam tão altos.
A verdade é que foi um golpe duro demais. A recessão que o Brasil vive atingiu a Globo diretamente. A audiência do futebol caiu cerca de 22% nos últimos dez anos. A Bandeirantes, sua parceira, desistiu do Brasileiro. Mesmo pagando apenas 20% do que a emissora carioca investe.
A Globo sofreu um rombo no seu monopólio no futebol brasileiro. O choque foi tão grande, que resolveu mudar a distribuição das cotas. Em 2019 acabará o privilégio a Corinthians e Flamengo, que abocanham sozinhos, cerca de 20% do que é dividido entre os clubes. A divisão será 40% repartido igualitariamente entre todos. 30% por audiência. E 30% por colocação no campeonato.
Edgar conseguiu revolucionar a divisão de cotas no futebol brasileiro. Mas perdeu o emprego. Não é mais presidente da Esporte Interativo. Por mais que disfarce, não conseguiu fechar com os cinco clubes mais populares. Corinthians, Flamengo, São Paulo, Vasco e Palmeiras. Sua postura inflacionou o mercado. Apresentou pouco para um período tão difícil no país.
O Palmeiras ainda faz leilão, mas Paulo Nobre está próximo de fechar com a Globo. A diretoria santista está decepcionada com a palmeirense. Os dois clubes são desprezados pela emissora em relação aos jogos do Corinthians. Seus torcedores e conselheiros são revoltados com isso há décadas. Mas Nobre teme retaliações, como sumir de vez das transmissões globais.
A parte final do plano do Esporte Interativo só começará a ser posto em prática em 2018. Propor parceria com o Sportv para que transmitam juntos o Brasileiro. A legislação brasileira proíbe que uma tevê transmita jogos de times de que não possui contrato. Por exemplo, Santos e Corinthians não seria mostrado. Internacional e Grêmio também. As duas emissoras pressionando juntas o governo, a legislação deve ser mudada, facilmente. E o mandante ganha o direito de transmitir.
Certo é que a Globo sentiu o golpe. O medo é que possa acontecer o mesmo na tevê aberta. Antecipou em 15 minutos os jogos às quartas, começam às 21h45. Mas isso é muito pouco. O Cade, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, investiga o monopólio da emissora na tevê aberta.
Os fracassos e a rejeição à Seleção também se juntam. Em 2017, o país não disputará a Copa das Confederações na Rússia. O time de Dunga não conseguiu vaga.
Manter a pedida de R$ 1,5 bilhão aos patrocinadores do futebol está cada vez mais difícil. Coca Cola, Volkswagen e Magazine Luíza já abandonaram. Não querem saber de transmissões esportivas na emissora.
A farra do futebol na Globo durou mais de 30 anos. Desde a Ditadura Militar, ela foi privilegiada. Há executivos que já pensam duas vezes se vale a pena manter o futebol na tevê aberta. Há países onde o esporte só é mostrado no canal a cabo. Essa é uma das apostas do Esporte Interativo. A estrutura ruir de vez na aberta.
"Enquanto o futebol for importante para o torcedor, também será para o Grupo Globo."
A garantia é de Pedro Garcia.
Tradução.
Enquanto houver patrocinador e audiência, a Globo transmitirá futebol.
Quando não houver lucro, o esporte será deixado de lado.
Simples assim...
Fonte: Blog do Cosme RimoliMais lidas
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