Futebol

OPINIÃO: Futebol é coisa de paulista!

A tragédia do futebol carioca não tem data para terminar. Lembra um pouco a turnê mundial do fim do mundo. Quando você pensa que acabou, vem coisa pior. A Taça Guanabara é um passinho adiante nessa escalada da humilhação imposta ano após ano ao torcedor de Vasco, Flamengo, Fluminense... Só um milagre livra o botafoguense do vexame maior de ver seu time perder de maneira melancólica o quadrangular decisivo, medindo forças com América, Cabofriense e Americano. Time para isso o Botafogo tem, vê-se a iminência do desastre estampada na testa do João Moreira Salles, que, além de documentarista, é uma espécie de guardião do sofrimento alvi-negro. Já fui botafoguense, eu sei como é desagradável essa sensação.

Sem gozação! Isso, alíás, é coisa do passado no Rio de Janeiro. Pode convidar sem susto para a mesma mesa torcedores do Flamengo, Fluminense, Vasco, Botafogo e, aposto, ninguém vai puxar o assunto futebol no botequim. Quem tem telhado de vidro... \"Que time é teu?\" Nem esse tipo de piadinha rasteira circula mais nos salões da cidade. Isso é ruim? Mais ou menos! Depois de um longo período de indignação com a mediocridade - o Brasileirão do ano passado foi de lascar -, o desfecho inacreditável da Taça Guanabara acaba com aquela velha idéia de que o mundo é uma bola. Do jeito que ela está rolando por aqui, francamente, dá vontade de aproveitar os dias de jogos para ir ao cinema, ao teatro, à casa daquele amigo que você não vê há um tempão, à pracinha com as crianças, ao museu com a patroa, à esquina com o cachorro, ao samba, ao motel, ao Baixo, a Búzios...

Futebol, só se fala de outra coisa na cidade. Não que desse jeito o Rio fique silencioso, nada disso. Vivo, vocês sabem, num lugar do barulho. Há sempre uma sirene, um ensaio de escola de samba, um tiroteio, um ônibus acelerando, fogos anunciando a chegada da polícia... Mas não sei se o leitor carioca já se deu conta de há quanto tempo aquele seu distintíssimo vizinho do outro lado da rua não surta na varanda aos berros de \"meeeengôooooo\". Só doente, no sentido mais grave que o normalmente empregado em diagnóstico de torcedor, para sair por aí anunciando-se vascaíno de coração - se defender o Eurico Miranda, aí apanha dos próprios cruzmaltinos. O futebol não toma mais que três ou quatro minutos do tempo de uma roda de amigos, logo todos torcem o nariz para discussões a respeito. Preferem falar sobre mulher, religião, política...

Acabou esse negócio de Fla-Flu, urubu, bacalhau, pó-de-arroz e o escambau. Vascaíno não provoca flamenguista, que não provoca tricolor, que não provoca vascaíno... A família agradece esses momentos de paz proporcionados pelo estado de espírito de torcedores vencidos pela estupidez da cartolagem. O leitor de São Paulo deve estar pensando que isso é despeito - e é claro que é! -, mas não imagina como é bom viver numa cidade que, às vésperas das semi-finais de sua competição regional mais importante, está mais preocupada com as gigogas nas praias do que com a sorte de seu time.

Precisa reconhecer o lado positivo da crise do futebol no Rio de Janeiro. O almoço de domingo, por exemplo, não tem mais hora para terminar por causa das tardes de clássico no Maracanã. Enfim, o carioca vai aos poucos percebendo que não precisa do futebol para ser feliz. Tem coisa mais triste?

Fonte: Coluna No Mínimo - Tutty Vasques