Futebol

Opinião: "Desrespeito é bom e eu gosto"

Mais de 30 do segundo tempo. O Vasco vencia tranquilamente o ABC de Natal em São Januário, o time visitante tinha um jogador a menos e, convenhamos, os dois times não nutrem uma rivalidade histórica. Mais tranquilo do que isso só se uma das equipes fosse formada por cegos. Dorival Junior acabara de colocar em campo o jovem Phillipe Coutinho que, dizem, é a maior revelação surgida na colina nos últimos tempos. Tipo “é o novo Messi”, esses exageros e empolgações clássicos do futebol.

Parênteses: Coutinho está apenas fazendo hora extra no Brasil, esperando a maioridade o alcançar para fazer as malas para Milão, onde vai defender a Internazionale. Isso mesmo. A venda da “maior revelação dos últimos tempos” foi o último ato de Eurico Miranda, na sua última semana de poder. Uma espécie de presente de grego saideiro.

A “promessa” vinha jogando bem, poucos minutos antes deixou um companheiro na cara do gol, gerando um chute na trave, chamava o jogo, cabeça erguida, rápido. Até dominar a bola entre a grande área e a linha de fundo, pela ponta direita. Diante dele, um marcador. Um típico marcador. Coutinho ameaçou uma saída pela direita. Gingou e não foi. Voltou. A bola parada entre os dois. O pé direito do atacante circulando sobre a bola, como a mão que os esotéricos da TV passam sobre a bola de cristal. E disse que ia, não foi e acabou fondo. E, de calcanhar, tentou tocar para um companheiro livre. Nem lembro se conseguiu ou se foi brecado pelo zagueiro. O fato é que a jogada não gerou um gol. Gerou, porém, um protesto do zagueiro e, pior, uma bronca do juiz. Sim! Um esporro como se o jogador tivesse dado uma tesoura por trás. Na saída de campo, ao invés do atacante, o humilhado zagueiro encontrou pela frente um microfone: “Ele tá começando, tem que respeitar o adversário”.

Ó... ele ficou ofendidinho porque o adversário tentou dribá-lo com o objetivo de chegar ao gol, motivo maior do futebol existir, apesar de ele ser pago para evitá-lo.

O que seria “respeitar o adversário”, meu nobre zagueiro? Dar carrinho, chutão pro alto, canelada? Não, aí é desrespeito à bola. Seria “respeitar o adversário” fazer o feijão com arroz? O apático be-a-bá, sem jogadas de efeito, sem dribles, sem ousadia, só com aquele passe pro lado, como se os jogadores fossem, sei lá, funcionários de cartório? Mas aí não seríamos o Brasil, mas a Croácia, a Bulgária…

A moda do politicamente correto está tentando dominar também o futebol. E dentro de campo, o que é mais patético. Isso está virando tão habitual quanto levantar o braço depois de fazer uma falta, ou fazer aquele gestinho de “cartão” quando a recebe. Agora também é moda protestar quando se leva um drible, uma pedalada, um elástico, uma bola embaixo das pernas. Desculpa, mas não é qualquer um que pedala, por exemplo. E não é porque um Magrão não consegue que um Robinho não vai ter o direito de fazer. Senão os dois seriam Magrões ou os dois seriam Robinhos.

Há alguns anos teve gente do Flamengo que ficou irritada com umas embaixadinhas do Pedrinho, do Vasco, quando o jogo já estava 5 a 1. E olha que foram embaixadas em progressão, em direção ao ataque. Quase gerou um gol. Edilson também foi vítima do seu talento (e abuso) num Palmeiras x Corinthians. Alguns comentaristas mauricinhos ainda concordam que isso é de fato um desrespeito. Ora, então desrespeito é bom e eu gosto. Criticaram mais o Pedrinho pelas embaixadas do que o zagueiro do Cruzeiro que o quebraria no ano seguinte. Desrespeito? Claro que quem torce pro time que está perdendo vai se irritar. Mas amanhã seu time vai ganhar e você vai curtir. E assim é o futebol.

Sinceramente, não sei se acho desrespeito nem quando não é um lance em direção ao gol. Qual o problema do Edmundo fazer a “dança da bundinha”? A bola estava em jogo, ele faz o que quiser. Soltou o quadril, levantou a torcida, abrilhantou o espetáculo. E, como é futebol, ele que assuma a responsa. No jogo seguinte o Botafogo ganhou o jogo e o título e o Gonçalves pôde responder. Não à altura pois deu a sua rebolada quando a partida já havia terminado. E sem o mesmo suíngue.

Como tentar entender que alguém ache que o Tulio Maravilha – o último dos folclóricos – cometeu algum desrespeito ou menosprezou alguém quando teve o lampejo de, ao invés de empurrar a bola para as redes como qualquer centroavante faria, parar a redonda e fazer de calcanhar?

Tudo bem, tem gente que defende que – em tempos de guerra - esse tipo de provocação pode motivar os torcedores para o caminho contrário ao da alegria, mexendo com brios, gerando violência e tudo o mais. Tá, até aceito o argumento. Mas não me venha com esse blá-blá-blá quando o jogador está usando o seu talento para vencer o rival. O que foi o caso citado lá no começo, o incentivador para que eu escrevesse sobre isso. E olha que a jogada do Phillipe Coutinho nem foi tão reluzente assim, longe daquele Kerlon, o homem-foca do Cruzeiro. Mas – repito: aos 17 anos de idade, começando uma carreira promissora – ouviu como inventivo um juiz de quem a gente nunca mais vai ouvir falar, dizendo pra ele “manter o respeito” e só “jogar bola”. Como já tinha o amarelo, a partir daí ele decidiu não mais ousar e ficou tocando para o lado. O “jogando bola” que o juiz pedira.

Se o futebol acompanhasse o critério do árbitro, Garrincha teria sido banido do esporte. Cafuringa também. Talvez nem Renato Gaúcho tivesse durado tanto. Ao invés de falarmos para os nossos netos de Zico, Falcão, Maradona, Ronaldinho Gaúcho, Pato falaremos de Junior Baiano, Fabão, Odvan, Toró… E lembraremos com orgulho de pitis como o de Juan.

Que Phillipe Coutinho e tantos outros que vivem surgindo aqui e ali no nosso celeiro de grandes craques continuem ousando, arriscando, “desrespeitando o adversário”. Ou nossos netos não vão comemorar o milésimo gol de Pelé e Romário nenhum. Vão comemorar o milésimo carrinho do quarto zagueiro.

Fonte: Blog de Bruno Mazzeo - Bloglog