Opinião: Cuidado, maus administradores... e quem os elege!
Na edição do GLOBO de 10 de abril de 2004, eu e meu amigo Antonio Maria Filho publicamos em primeira mão como nota principal da coluna Panorama Esportivo a notícia sobre um processo na Justiça do Trabalho que, previmos, poderia revolucionar a relação entre clubes e profissionais do futebol.
Na antevéspera, Edmundo dera entrada na 53ª Vara de Trabalho, no Rio, com uma reclamação, acionando não só o Vasco, mas também o presidente Eurico Miranda e o vice de futebol, José Luiz Moreira. Desde então, o jogador cobra o pagamento de R$ 1,5 milhão, referente a seis meses de salários e outros direitos.
No dia seguinte, e-mails entupiram nossa caixa postal, com pedidos de explicações, inclusive de sócios do clube bastante preocupados. Chegaram também e-mails de pelegos acionados para nos atacar.
Um ano e dez meses depois da publicação da nota, esta semana, a juíza Cláudia de Souza Gomes Freire, da mesma 53ª Vara do Trabalho do Rio, condenou o Vasco a pagar cerca de R$ 8 milhões a Edmundo, referentes a salários e direitos trabalhistas não depositados. Se o clube não apresentar patrimônio suficiente para arcar com a dívida, o presidente Eurico Miranda e o vice-presidente de futebol, José Luiz Moreira, podem ter de honrar a dívida. BINGO!
Até os sócios estão ameaçados de participar do pagamento, o que Eurico Miranda, evidentemente, nega. A decisão foi em primeira instância e o Vasco vai recorrer.
O fato concreto daquela nota é que, pela primeira vez, dois cartolas correm o risco de ter de pagar do próprio bolso uma ação trabalhista que envolve clube de futebol. A ação inédita tem como base três pontos:
1. O artigo 27, parágrafo 11, da Lei 9615/1998 (Lei Pelé), que ganhou nova redação, dada pela Lei de Moralização do Esporte (10672/2003): determina que apenas as entidades esportivas profissionais que se tornaram empresas não ficam sujeitas ao regime da sociedade em comum (de fato), do Código Civil. O Vasco não se tornou empresa.
2. O artigo 990 da Lei 10.406/2002 (Novo Código Civil): diz que todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, aquele que contratou pela sociedade. No caso, por terem contratado Edmundo, Miranda e Moreira perdem o benefício de poder excluir bens pessoais antes de esgotados os bens do clube.
3. O artigo 53 do estatuto do próprio Vasco: diz que os membros dos poderes sociais são solidariamente responsáveis perante o clube ou terceiros por omissão, excesso de mandato e outras transgressões, no exercício dos cargos para os quais foram eleitos, inclusive por despesas além dos limites autorizados.
Não é só. Através do advogado Luiz Roberto Leven Siano, Edmundo requereu à juíza Cláudia de Souza Gomes Freire que esta última solicite à Polícia Federal, à Justiça Federal e ao Ministério Público Federal documentos das CPIs do futebol e também inquéritos abertos contra Eurico Miranda. O objetivo é obter documentos que possam comprovar que Eurico usou recursos do próprio Vasco para o pagamento de despesas pessoais, o que foi apurado pela CPI.
Como se vê, o novo Código Civil permite até que Edmundo acione os sócios do Vasco (elegeram Eurico Miranda). A ação movida pelo atacante é um alerta para aqueles que não se preocupam em escolher o melhor candidato ou não fiscalizam suas contas e dívidas contraídas. Sócios de clubes que não viraram empresa podem pagar pelos maus administradores que vierem a eleger.