Futebol

Opinião: A última cruzada

As transferências de Romário sempre foram produções mexicanas da mais fina lavra. Renhidas, escandalosas, com dublagem esquisita e cheia de reviravoltas. Tudo isso porque o artilheiro, revelado pelo Vasco, nunca escondeu certo xodó pelo rival Flamengo. Essa dupla personalidade, meio Vasco, meio Flamengo, fez com que o Baixinho jamais tivesse encontrado vida mansa em suas passagens pelos dois clubes. Quando ia bem, diziam que era um gênio da raça e que sua pele tinha as cores do clube. Mas bastava que atuasse mal por alguns jogos para que parte dos torcedores e muitos dirigentes o acusassem de ser um vira-casaca.

A carreira de Romário nunca foi tranqüila. Mesmo com mil gols no currículo e uma média sempre perto de um gol por partida disputada – superior à conseguida pelo Rei Pelé – o nosso pequeno gênio da grande área sempre penou para cair nas graças de técnicos e cartolas. Apesar de ter conquistado para nós a Copa de 94, foi injustamente cortado do time de 98 e, em 2002, teve o desprazer de assistir de casa o apenas razoável Luizão dar a volta olímpica em Yokohama, posto que foi preterido por Felipão para a reserva de Ronaldo. Muitos cronistas, injustamente, consideraram o penta do Brasil uma derrota pessoal de Romário. Por quê? Desde quando Romário foi contra uma vitória da Seleção? Por que ele brigou para ficar com as vagas que o técnico entregou ao Edílson e ao Denílson? Ora, jogador que não briga para disputar uma copa do mundo não deveria nem ter começado na profissão.

Assim foi em toda a carreira de Romário. Fazia quase um gol por jogo pelo Flamengo e era perseguido pelos dirigentes, fazia quase um gol por jogo pelo Vasco e era hostilizado pela Força Jovem, fazia quase um gol por jogo pela Seleção e era barrado pelos treinadores. Imaginem hoje em dia, que, em final de carreira, não consegue manter a média histórica. Dizem que Romário não é profissional. Concordo. Como posso considerar profissional um atleta que continua jogando por um clube que lhe deve muitos milhões – e chegou a pagar do bolso os salários dos companheiros de equipe quando a coisa apertou? Romário, definitivamente, não é profissional. Com tamanho desprendimento, é um verdadeiro amador.

Romário não tem papas na língua. Nunca teve. Fala o que pensa, mesmo que nem sempre o resultado seja simpático. Se eu tivesse mil gols na carreira e meus patrões me devessem milhões e milhões, não sei se agiria muito diferente dele. Agora que brigou com Eurico, apesar das veementes negativas do cartola, o Baixinho está em busca de um novo clube. Um clube que esteja disposto apenas a deixá-lo jogar um pouco mais e seja capaz de organizar uma bonita partida de despedida. Só isso. O craque não quer – e, apesar do tanto que seus ex-clubes lhe devem – não precisa de dinheiro. Ele quer reconhecimento. O reconhecimento que, graças ao seu temperamento difícil, jamais obteve. Mesmo sendo o maior centroavante da história do futebol, será muito difícil conseguir esse derradeiro objetivo.

Como disse um amigo meu, se o Brasil fosse mesmo o país do futebol, o Maracanã (e o Morumbi, o Pacaembu...) não teria apenas a estátua do Bellini, comemorando a vitória de 1958. Teria cinco estátuas, com os cinco capitães das cinco conquistas. Ao lado deles, estátuas dos grandes gênios das nossas campanhas, como Didi, Garrincha, Tostão, Pelé, Ronaldo... e Romário. Gostemos dele ou não, a quarta estrela da nossa camisa foi bordada pelo Baixinho. Por tudo isso, torço para que o ele consiga o seu lindo, emocionante e merecido jogo de despedida.

Fonte: Coluna de Juca Kfouri - Folha de São Paulo