Necrópsia de Wendel revela problemas cardíacos e bronquite
No dia 9 de fevereiro, Wendel Junio Venâncio da Silva deu adeus ao sonho do futebol e à sua vida no centro de treinamento arrendado pelo Vasco, em Itaguaí (RJ). No laudo de necrópsia, que saiu mais de 100 dias depois da morte do garoto de 14 anos nascido em São João Nepomuceno (MG), o perito do Instituto Médico Legal de Campo Grande Alberto Jorge de Souza Carvalho relata morte súbita por problemas cardíacos e até por uma bronquite crônica. Sem socorro de emergência, o jovem atacante foi levado de carro até uma UPA, mas já chegou morto.
Apesar da mãe de Wendel ter operado o coração há 10 anos e da avó ter morrido de parada cardíaca, o garoto nunca tinha feito qualquer exame mais detalhado de saúde.
- Se tivesse feito um ecocardiograma, um eletrocardiograma, teria pego a doença cardíaca. Ele seria vetado para a prática de esportes de competição - explica o cardiologista Walter Martins, que trabalhou 10 anos no departamento médico do Flamengo.
Segundo seu depoimento na 50ª DP, Cássio correu para socorrer Wendel após ouvir o grito de outro menino (Tá passando mal, tá passando mal). Foi pegar o carro, enquanto o coordenador Luis Carlos virou Wendel e tirou a camisa. No caminho até a UPA, encontraram uma ambulância, que já estava ocupada. Mesmo com a correria desesperada, Wendel já deu entrada na UPA morto.
Sem médicos no CT e a 15 minutos da UPA, as chances de sobrevivência eram mínimas. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte, mesmo se a desfibrilação fosse feita em pouco mais de 10 minutos, a chance de recuperação era menor de 10%.
- É como um extintor de incêndio. Com ele, diminui as chances do fogo se alastrar. Mas depende de quem fez o atendimento, como é feito o transporte, série de coisas - lembra Jomar Souza, presidente da SBME.
Médico do atestado: não havia sintomas de anormalidade
Wendel jogava bola desde os oito anos de idade na escolinha do ex-jogador do Vasco Marco Aurélio Ayupe, em São João Nepomuceno. Segundo os pais, ele nunca teve qualquer problema de saúde. O médico Jerônimo Moura, que trabalha há nove anos como pediatra no sistema municipal de saúde, não quis receber o Jogo Extra no consultório. Na única entrevista que deu à época da morte de Wendel, disse que estava em pânico com o caso. Se soubesse que ele ia treinar num lugar a 70km do Rio não liberaria, disse ao site Uol.
No depoimento ao delegado André Bueno, da 50ª DP, de Itaguaí, o pediatra disse que mediu batimentos cardíacos e pulmonares com aparelho de ausculta, mas lembrou que não há esteira nem acesso ao eletro e ecorcardiograma na cidade.
(Como os exames) são mais detalhados e demoram mais tempo e, em virtude da urgência, da ida do menor para o Rio para realizar os testes (no Vasco) e como o menor era um garoto ativo, forte, já praticando futebol há seis anos e não apresentando nenhum sintoma anormal, não foi feito o encaminhamento, depôs o médico no dia 2 de maio.
Na investigação da morte de Wendel, o delegado André Bueno só falta ouvir o empresário Pedrinho Vicençote, dono do CT de Itaguaí.
- Devemos voltar a ouvir os pais e o médico para concluir a investigação e entregar ao Ministério Público - diz o delegado Bueno.
Através de ofícios enviados à CBF, à Ferj e à prefeitura de Itaguaí, nenhum deles dizia conhecer a estrutura de treinamento no local. Somente após a morte de Wendel que o clube deu entrada na regularização do local, com laudos de Corpo de Bombeiros e álvara de funcionamento junto à prefeitura.
ABAIXO O FATO
O dia
Dia 9 de fevereiro, o ônibus sai de São Januário antes de 8h. Antes do coletivo, os garotos fazem cerca de 15 minutos de piques e alongamentos. Logo no início do treino, Wendel cai no chão, por volta de 9h30m.
A morte
No hospital, logo depois de preencher a ficha de entrada na UPA, Cássio recebe a notícia da morte de Wendel, às 10h.
A interdição
Dia 18 de abril, a Justiça interditou o CT. Um mês depois, o Vasco recorreu e conseguiu liminar para voltar a treinar em Itaguaí
O laudo
Depois de 107 dias, o IML envia o laudo de necropsia à Polícia. Os exames toxicólogicos e hispatológicos (análise de fragmento do corpo) foram refeitos.
A partir deste domingo, o Jogo Extra publica série especial sobre as divisões de base do futebol brasileiro
Antes de formar o jogador, pouco se faz para formar o homem, como diz o chavão de dirigentes de futebol. A série Raiz do futebol mostra que a morte do jovem Wendel, há 123 dias, é parte do descaso dos clubes brasileiros com as divisões de base. São histórias de sofrimento, de ganância e de desconhecimento com as leis que protegem a criança e o adolescente. No país que vai receber a Copa em 2014, as obras na base estão muito longe de ficarem prontas.