Torcida

Natal tem vascaína de 103 anos

Atravessar um século, acumular experiências, ganhar em sabedoria, quem não quer encontrar a ‘fonte da juventude’? Enquanto a ciência busca os caminhos para a longevidade, mais idosos desafiam o tempo ao alcançar e, até ultrapassar, a indelével marca dos 100 anos de idade no Brasil. Entre eles está Ana Elfízia de Paiva, a Vovó Naninha, que este ano completou 105 anos de uma vida.

Vovó Naninha é uma típica matriarca, que gosta de manter todos por perto, sob a sua proteção. Mas hoje, os papéis se inverteram e aquela mãe carinhosa e de educação rígida recebe o cuidado peculiar à idade.

“Eu já fui mãe, mas agora sou filha. E sou muito querida e bem cuidada. Todo mundo gosta de mim, graças a Deus. Não tem ninguém que não goste”, se gaba Vovó Naninha.

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Elita Campos da Silva, 103 anos completados na última quinta-feira, é dona de um humor invejável

Embora pareça distante nos dias atuais, a possibilidade de se chegar ou ultrapassar a linha dos 100 anos, é uma situação cada vez mais iminente. Uma contagem da população, realizada em 2007 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 5.435 municípios brasileiros, revelou que o número de idosos com 100 anos ou mais chega a 11.422 pessoas.

Deste total, 7.950 são mulheres e 3.472 são homens. Entre os 20 municípios contados pelo IBGE que concentram a maior quantidade de idosos nessa faixa etária, os destaques foram as capitais de São Luís (144), Natal (118), Maceió (93) e Manaus.

Mais que a longevidade, percebe-se uma melhoria nas condições de vida desses centenários. Consequência do estilo de vida, aliado à herança genética e, principalmente, à evolução da medicina. “A grande virtude da medicina está em combater e evitar doenças como hipertensão e diabetes, que se não cuidadas podem encurtar o tempo de vida de cada um. Além disso, manter hábitos saudáveis -a prática de atividade física é um exemplo- prepara o nosso organismo para o ‘entardecer’, explica o geriatra Francisco Arnaud.

O aumento da expectativa de vida também pode ser comprovado nos consultórios médicos. Para se ter uma ideia, há 32 anos, quando começou a clinicar, Arnaud tinha um ou, nó máximo, dois pacientes com 100 anos. Hoje ele tem oito clientes centenários. Entre eles, a Vovó Naninha.

“Ela é um bom exemplo de que a combinação de boa genética e cuidados com a saúde dá bons resultados”, diz o geriatra.

Vovó Naninha toma poucos medicamentos. “Um para controlar a pressão outro para ajudar a dormir e para o estômago. Se não fosse o fato dela ter perdido a visão, ainda estaria bastante ativa”, justifica uma das filhas Elita Paiva.

Dona Elfízia perdeu a visão devido ao glaucoma, pois na época em que apareceu a doença, não havia tratamento. Com o passar do tempo, ela se submeteu a três cirurgias de córnea, mas na última não obteve sucesso. E em virtude da idade avançada, o médico recomendou a não realização de outro procedimento cirúrgico.

A falta da visão limitou os movimentos de Vovó Naninha - que até os 92 anos de idade morava sozinha. Além disso, no ano passado ele perdeu três, dos 19 filhos.“Depois dessas últimas perdas notamos que ela ficou mais quieta. Fica mais tempo na rede, que junto com o cigarro é a marca registra dela”, diz Elita.

E foi da rede que Vovó Naninha se despediu da nossa equipe de reportagem, recitando versos de um poema dos tempos de menina, mas que ela até hoje sabe decorado.E é essa força de vontade e alegria, mesmo depois dos 100 anos, o legado de Vovó Naninha, que deixa uma grande lição para os mais novos: para viver muito é preciso viver mais.

Sempre seguiu os caminhos do pai

F. Gomes - De Caicó

Membro de uma família de 20 irmãos (12 homens e 8 mulheres), demonstra não gostar de usar seu verdadeiro nome - Benedito Dantas de Medeiros - e prefere ser chamado de Benedito Norte. “Meu pai era conhecido por José Norte (José Vital do Nascimento). Isso já vem do meu avô, Estevão Norte”, conta. Ele explica que a denominação do sobrenome é uma alusão à região Norte do país.

Quando criança não estudou e seguiu, segundo ele, os passos dos pais, na agricultura. “Platava feijão, milho e algodão”, relata. Nas décadas de 10 e 20 do século passado não tinha escola na região onde morava, mas ainda relembra do nome de uma professora que lecionava nas comunidades rurais. “Era Sebastiana de Zé Pedro que morava na cidade de Acari e ensinava numa casa no Sítio Maracujá”, detalha.

Na adolescência foi trabalhar na roça e no manejo de gado numa fazenda no município de Nova Palmeira (PB) a convite de um tio. Também trabalhou na construção de uma barragem na comunidade Volta do Rio, que segundo ele, seria uma primeira parte do projeto de construção do açude Marechal Dutra (Gargalheiras).

Diz que no início da década de 30 ainda trabalhou na construção do açude Itans em Caicó, mas teve que passar uma temporada escondido numa fazenda na divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba por causa de uma acusação infundada.

Ele explica que foi acusado indevidamente pela morte do engenheiro agrônomo Otávio Lamartine de Faria, em 13 de fevereiro de 1936. A acusação foi feita por uma descendente de escravo. “Maria Barriguda que trabalhava para Dona Dinorá, esposa de Otávio Lamartine, me fez essa acusação e para eu não ser assassinado tive que fugir de Acari”.

Segundo ele, os homens que mataram Otávio Lamartine procuraram informações onde ele morava e foram levados por uma pessoa identificada como Benedito Aprígio. “Em Acari só tinham dois Beneditos, nascidos no mesmo ano. Depois como vingança da morte de Otávio Lamartine mataram Benedito Aprígio”.

Ele conta que ainda sofreu consequências dessa acusação. O problema só acabou com a interferência do padre Raimundo Sérvulo, da paróquia de Nossa Senhora da Guia. “Um dia padre Raimundo presenciou a confusão e chamou Jurema na igreja. Mostrou a ela que aquilo que ela fazia comigo era pecado”.

Benedito Norte considera como um dos dias mais felizes de sua vida, quando Jurema lhe cumprimentou, fazendo as pazes com ele.

Benedito diz que sempre comeu tudo

Sempre muito ativo, ele deixou de trabalhar em 2007, aos 97 anos. Diariamente tinha seu “ponto comercial” na esquina da agência do Banco do Brasil onde vendia redes de dormir e lençóis. “Eu comprava em São Bento da Paraíba e vendia aqui em Acari. Meu ponto era um carrinho de mão. Só deixei porque não conseguia mais empurrar o carrinho por causa de umas tonturas que me dá”, explica.

Benedito Norte casou-se duas vezes. Na primeira, com Regina de Brito, teve dois filhos - um dele ainda é vivo. Do segundo relacionamento, com Luíza Maria de Medeiros - que faleceu em 2006 aos 91 anos - nasceram 14 filhos. Quatro ainda são vivos, o mais velho com 79 anos de idade. Dos irmãos ainda resta Severino Norte que tem 83 anos.

Mas para quem pensa que Benedito Norte teve um estilo de vida regrado que contribuiu para chegar aos 100 anos, está enganado. “Eu trabalhei muito, sofri muito, nunca fiz dieta, sempre comi de tudo. Nas secas de 1915 e 1919 eu comi xique-xique, fazia pão de xique-xique”, comenta sorrindo.

Ele conta que sempre gostou muito de farras, mas sua preferência era pelo jogo de baralho. “Joguei muito bacará. Quando não tinha trabalho, vivia em casa de jogo, passei muito sono em casas de jogo”.

O centenário acariense mora com sua filha mais nova, Lúcia e seu genro, Jocélio Cruz, conhecido como Téo que foi jogador de futebol.

“Meu marido foi jogador de futebol, mas mesmo assim a nossa alimentação é regrada, sem sal e gordura. Mas é por causa do meu marido que é hipertenso. Não é por causa de papai. Se fosse por ele a gente só comia coisa gordurosa. Ele gosta de rabada, panelada, mocotó, essas coisas”, narra Lúcia Dantas.

Ainda segundo ela, o pai não toma nenhum tipo de medicamento porque não tem problema de saúde. “O único problema que ele tem é na visão, mas não quer usar óculos. Há quatro anos a gente fez óculos pra ele, mas ele abandonou e deu de presente a uma pessoa. Disse que com o óculos estava ficando cego (risos)”, diz a filha do centenário acariense.

Ela conta que o pai dorme bastante. Benedito Norte entra na conversa e justifica. “Isso é pra compensar o sono que eu perdi em casas de jogo e nas farras. O único problema que eu tenho é tontura”. Mas sempre que tem uma oportunidade ainda gosta de tomar alguns aperitivos.

Aos 103 anos, dona Elita esbanja bom humor

E alegria parece mesmo ser o segredo da longevidade. Se não para todo mundo, mas para Elita Campos da Silva, que aos 103 anos - completados na última quinta-feira- é dona de um humor invejável.

“Eu não tomo conhecimento de idade. Tem alguém completando 103 anos hoje? Porque eu não sou, estou fazendo 15 anos”, brinca dona Elita. Logo depois ela fica séria para dizer: “Nunca pensei nisso. Estou à mercê de Deus. Ele faz de mim o que quiser. Eu vou aproveitando o tempo de vida que Ele me dá”.

E ela aproveita muito bem. Gosta de futebol, é fã do Ronaldinho Gaúcho e torcedora convicta do Vasco da Gama e do ABC. Um dos passatempos preferidos é fazer palavras cruzadas.

Na última eleição, ela fez questão de votar em seu candidato. Esse ano, ainda não sabe se vai às urnas este ano. Dona Elita diz que é preciso analisar os candidatos, já que ainda não sabe quem está concorrendo ao que.

“Ela é bastante ativa, sempre está fazendo alguma coisa. Só tem preguiça de sair de casa, mas quando já está na rua adora passear. De vez em quando, levo para caminhar comigo”, conta Marcos Paiva da Silva, um dos quatro filhos dela.

Além de Marcos, que é um dos xodós, ela teve outros três filhos. A família cresceu e já são seis netos, oito bisnetos e dois tataranetos, que sempre que possível estão por perto para fazer um afago na Vovó Elita.

Não é só o bom humor dela que chama atenção. Mesmo com a idade avançada, a saúde de dona Elita é invejável. “Não tenho problema nenhum, nem tomo remédio. Também não tenho problemas com comida. Como de tudo, gosto, inclusive de uma boa feijoada”.

A única dificuldade que ela tem é na visão. Isso acaba atrapalhando porque dona Elita não consegue mais fazer os trabalhos manuais que tanto gosta, como costura e crochê. Ela conta que quando mais nova, era uma costureira de mão cheia, desenhava os modelos e costurava para uma boa e fiel clientela.

Outra coisa que Vovó Elita lamenta não poder fazer mais são as piruetas e malabarismos que aprendeu antes do casamento. “Gostava muito de circo, quando chegava um na minha cidade, lá em Macaíba, sempre fazia amizade com o pessoal que me ensinava os malabarismos. Mas isso antes de casar, porque o meu finado marido não gostava dessas coisas. E para não desagradá-lo, eu não fazia”, conta.

Vovó Naninha, dona Elita, Benedito Norte e tantos outros centenários são heróis da saúde e resistência, grandes personalidades, inspiração de força e sabedoria para muitos jovens.

Fonte: Tribuna do Norte