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Músico Lobão compara Vasco à musica sertaneja: "Acho cafona"

Tem muita gente que acha que Lobão, ainda mais nas fotos deste ensaio de moda, é tudo. Mas o músico — e agora escritor — diz que é um nada. É assim que ele faz referência a si mesmo no título de seu novo livro, “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”, uma compilação de ideias de Lobão sobre o Brasil e outras coisas mais. Se ele é o Nada do título, a Terra do Nunca é o Brasil, um país que, para o autor, não quer crescer — daí a referência à história de Peter Pan.

— A gente, brasileiro, nunca foi tão malandro, tão guarani-kaiowá [olha a polêmica aí], tão riponga, tão chulé como agora — avalia Lobão. — Você vê as ruas quebradas, as pessoas se divertindo com passatempos de quinta categoria, músicas que só podem causar atrofia no cerebelo e, na política, militantes que são a coisa mais cafona, mais rastaquera que há. É uma farofada: aquela coisa linguiça com cachaça, sandália de couro, barbicha… de última. Amamos a pobreza. O bom regime não é nivelar por baixo, na laje da Barbie. É justamente chamar todo mundo para a prosperidade. É ganhar o Nobel de Ciência, Literatura, Economia… Ou, então, vai ficar exportando bunda, axé, pagode, coisas de terceira categoria.

Não é todo mundo que Lobão acha de quinta categoria — ou algo parecido. Ele ressalva que conhece muitos jovens extremamente criativos:

— Quando eles são legais, são muito legais! Mas, em geral, o bundamolômetro está alto. Ou é o militante riponga, ou é o playboyzão que vai com a namorada com minissaia abajur de xoxota para o show do Luan Santana num puta carrão.

O novo livro de Lobão é lançado com expectativa, já que o primeiro, “50 anos a mil”, sua autobiografia escrita com Claudio Tognolli, vendeu 150 mil exemplares, foi indicado ao prêmio Jabuti e agora vai parar na tela grande.

— Vendi os direitos, vai virar filme — conta Lobão, que faz show hoje no Imperator, mas não se considera mais músico do que escritor. — A editora achou um sucesso o primeiro livro e me convidou para fazer o segundo.

Lobão, então, partiu da Semana de Arte Moderna de 1922 como tema para escrever o segundo.

— Eu queria falar sobre o fato de a Semana de 22 estar conectada com o Brasil de agora, com o porquê de a gente ser assim, baseado naqueles cânones: a preguiça, a precariedade, o mau-caratismo…

Depois de ler mais de 60 livros — incluindo biografias, publicações de Olavo de Carvalho, um autor claramente conservador, e relatos com pontos de vista de militares sobre a ditadura — Lobão chegou ao “Manifesto antropófago” de Oswald de Andrade (1890-1954).

— Percebi que eu tinha um diálogo com o Oswald: ele falava uma coisa, eu desdizia, eu tinha o que retrucar — diz Lobão, que acha que as ideias do autor não passam de um atraso, de nacionalismo barato e equivocado. — De positivo, só teve a vontade de mudar. O resto eu acho uma porcaria muito grande. Discordo em gênero, número e grau de tudo que ele fala. Digo a ele, por exemplo, “Oswald, você é guarani-kaiowá? Você é Andrade! Que é isso? É índio de butique, com penacho Chanel na cabeça? Que merda é essa?”

O tal diálogo póstumo em que Lobão discorda de Oswald de Andrade o tempo todo virou o último capítulo do livro (sim, ele escreveu primeiro o final do livro. Depois, veio o prólogo. Aí, conta Lobão, percebeu que precisava colocar capítulos entre uma coisa e outra, que ganharam nomes como “Vamos assassinar a presidenta da República?”, “Por que o rock continua errando?” e “Confesso a vocês: sou uma besta quadrada”). É, não sobrou só para a Semana de Arte Moderna:

— Naquele momento, percebi o seguinte: “Derrubando isso, eu derrubo o resto, todos os movimentos: Cinema Novo, Tropicália, Concretismo, MPB”. Tudo veio da Semana de 22.

Lobão continua o polemizador de sempre, mas, depois do passado de processos, prisões e fuga do país para escapar da polícia, cansou dessa vida e declara que não usa mais cocaína, maconha ou outras substâncias ilícitas.

— Estou adotando estupefaciantes que estejam dentro da lei. Bebo álcool, bebo uma cachacinha, mas não fumo mais maconha. Eu fumei e cheirei até eles caírem, até desistirem de mim — diz, referindo-se à polícia. — E outra coisa legal é que eu não sou viciado, nunca fui: tenho uma genética ótima e sempre usei tudo de uma maneira basicamente criativa.

Lobão explica que parou de cheirar cocaína porque tinha que ler os clássicos.

— Não tenho o menor trauma com o que eu fiz ou com a minha vida. Não sei se alguém cheira e depois vai ler, mas eu não conseguia. Nem ler, nem tocar. Então, no início dos anos 90, eu tinha muitos clássicos para ler e pensei: “Vou parar porque preciso ler e, se continuar, não terei concentração para isso”.

Morando em São Paulo há cinco anos, o músico se sente totalmente adaptado à cidade e diz sentir que nunca morou em outro lugar. Um dos motivos é a distância da maresia do Leblon, que estragava seus instrumentos e equipamentos, e agora não é mais problema. Como nunca teve muito contato com a filha, Júlia, que estuda moda e é fruto de seu casamento com Danielle Daumerie, o fato de morar longe dela também não pesou.

— Ela já está com seus 25 anos e está bem — diz o músico, que conta que, quando a menina nasceu, teve que sair do Brasil para evitar ser preso e depois se afastou da paternidade por divergências com Danielle. — A Justiça brasileira privilegia a mãe.

Lobão culpa a mãe de sua filha pela distância, mas sem se alongar no papel de vítima, algo de que tem ojeriza.

— Não tenho tempo para lamentar: eu me ocupo.

Danielle Daumerie, no entanto, mais de uma vez já rebateu a versão do músico e disse que Lobão era um pai ausente.

Mas, se a distância da filha não é um problema para sua lua de mel com São Paulo, a temperatura da capital paulista é outra vantagem:

— Não aguento calor. Fico mais burro, meu QI baixa.

O circuito de restaurantes de lá também conquistou o roqueiro.

— É uma Disneylândia gastronômica. Adoro, a gente vai a todos, desde o Frangó até o D.O.M. e o Dalva e Dito.

Outra marca paulistana que assimilou Lobão foi a São Paulo Fashion Week, em que o músico já se apresentou, no desfile da Reserva. Para Lobão, o rock tem muito de moda e design.

— Eu acho o rock and roll fashion. E é design. Fazendo rock, você dita mais comportamento do que qualquer outra coisa — acredita. — Mas o rock não floresce no Brasil por causa dessa malemolência. Nós somos meio minhóquicos, rebolativos, não temos paudurescência, virilidade. Temos asco de guitarra elétrica. Uma espécie de inveja do falo norte-americano.

Sentindo-se ótimo aos 55 anos, Lobão atribui isso ao rock (“é um convite ao frescor”). Mas, assim como de vários outros temas, Lobão já falou mal do rock, especialmente do heavy metal.

— Eu falo de sacanagem: digo que é igual a sertanejo, porque tem aqueles falsetes. Acho cafona, acho vascaíno. Eu gosto de hard rock: Led Zeppelin, Black Sabbath… Mas, do [grupo] Sepultura, eu gosto muito. Acho um metal mais chique. Eu gosto é de rock mais chique. E o rock me fez gostar de música clássica, de jazz.

Muitos tipos de música irritam Lobão, como o que ele considera a canção de protesto que está fora de seu tempo.

— Os Racionais estão pregando a luta armada, mas contra quem?! — diz. — É uma imbecilidade. Eu não suporto idiota, fico com urticária.

Indignado também com os artistas que não estão fora do mercado, mas aceitam dinheiro de impostos via Lei Rouanet, Lobão ficou surpreso quando sua mulher, Regina Lopes, inscreveu um projeto em seu nome e obteve aprovação para captar R$ 2 milhões.

— Fiquei puto, eu sou homem, visto calça, não sou um verme, como vou aceitar essa porra? Fiquei ofendidíssimo e não aceitei.

Porque, com tanta opinião, Lobão se diz o Nada do livro?

— Durante a minha vida toda, quando falo, sempre vem alguém dizer “Quem é você para opinar? Um drogado, roqueiro…”. Então, no livro, é como se eu dissesse: eu, enquanto nada, estou falando isso, e vocês, vão argumentar?”

Mas, então, o Nada do título não é um nada comum.

— Eu sou muito petulante.

Fonte: O Globo Online