Futebol

Muriqui recorda passagem pelo Vasco em 2017: 'Não fiz a escolha certa'

Durante a pandemia, o governo chinês restringiu a entrada de estrangeiros no país. Após oito meses de tentativas, esposa e filhos do jogador Muriqui não conseguiram documento de liberação para entrar no país, e o atleta decidiu rescindir o contrato com Shijiazhuang Ever Bright para estar perto dos familiares e retomar o desejo de atuar no futebol brasileiro.

Em entrevista ao ge, Luiz Guilherme Conceição da Silva, mais conhecido por Muriqui - apelido que herdou por conta do distrito que cresceu, em Mangaratiba - afirmou que a família está em primeiro lugar. O projeto de carreira consistia em ficar mais alguns anos na Ásia, para que os filhos, que nasceram na China, pudessem crescer e aprender o idioma, com uma vida estável. Porém, com as restrições de circulação implementadas pelo governo chinês, o plano teve que ser recalculado.

A família ficou aguardando o processo para entrar no país por oito meses. Inicialmente, esperava-se receber a liberação diretamente do Brasil, mas foram quatro meses de espera sem resultado. Logo depois, em Dubai, nova tentativa de receber o visto. Muriqui relatou que foi necessário abrir uma empresa, ter residência no país, mas que após todo o trâmite, o governo chinês não emitiu uma espécie de carta convite. Com a paralisação do futebol devido à pandemia, o jogador encontrou sua família nos Emirados Árabes e, de lá, retornou com esposa e filhos para o Brasil.

- Vim para o Brasil porque minha família não conseguiu entrar na China. Fiquei oito meses sozinho, e aí chega o momento que você tem que colocar tudo na balança. Tinha uma filha pequena, meu filho de oito anos, minha esposa, você acaba sentindo saudade. Aí tudo que você fez, longe da família, acaba não tendo muito sentido.

Há anos na Ásia, Muriqui foi um dos primeiros a ir para o mercado chinês. Destaque pelo Avaí em 2009, ele chegou em Belo Horizonte em 2010 para disputar o Estadual e o Campeonato Brasileiro pelo Atlético-MG. Durante a paralisação em função da Copa do Mundo, o atleta foi negociado ao Guangzhou Evergrande. Na época, pesou o lado financeiro, que permitiria dar segurança para a família, que vem de origem humilde da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

- Quando recebi a proposta, não sabia se deveria aceitar ou não. Eu não tinha informação nenhuma, zero. Nem como era o país, e o principal, não sabia como era a liga. Estava no Atlético-MG, jogando de titular, aí você vai trocar o Atlético pela China? E na época para a Segunda Divisão. Era meio complicado. Eu tinha 24 anos. Mas sentei com minha família e pensei em dar uma segurança financeira para eles. O clube me ofereceu um contrato de quatro anos, e foi a melhor escolha que fiz na minha vida.

No Evergrande, Muriqui viveu o melhor momento da carreira - fez 137 jogos e 77 gols em quatro anos. A missão era árdua, mas foi cumprida com êxito. No primeiro momento, o atacante conseguiu o acesso com o clube para elite do futebol nacional, e logo depois veio a coroação com muitos títulos. Por lá, conquistou o tricampeonato chinês, a Copa da China e a Liga dos Campeões da Ásia. Ele também foi artilheiro e eleito o melhor jogador do Campeonato Chinês em 2011, prêmios que se repetiram na Liga dos Campeões de 2013.

Muriqui disse acreditar que por conta de sua performance, os clubes chineses enxergaram uma boa oportunidade ao contratar jogadores sul-americanos, e o Evergrande fez um grande investimento em brasileiros para formar o elenco multicampeão.

No Guangzhou, Muriqui atuou com Elkeson (ex-Botafogo), Paulinho (ex-Corinthians), Alan (ex-Fluminense), Ricardo Goulart (ex-Cruzeiro), Paulão (atualmente no Cuiabá) e Conca (ex-Fluminense). Os dois últimos são grandes amigos de Muriqui, proximidade que se deu por conta da amizade que as famílias dos atletas desenvolveram.

Em 2014, após quatro temporadas, Muriqui deixou a China e foi contratado pelo Al-Sadd, do Catar. Ao lado de Xavi, atual técnico do Barcelona, ele conquistou a Supercopa do Catar, marcando 21 gols em 35 partidas. Dois anos depois, foi transferido para o Tokyo FC, do Japão. Nos últimos quatro anos, Muriqui atuou no Guangzhou Evergrande, Meizhou Meixian Techand e Shijiazhuang Ever Bright. Nesse período, atuou em mais de 80 jogos, fez 51 gols e deu mais de 30 assistências.

Mas, no Brasil, a situação foi outra. A última passagem foi em 2017, quando apostou no retorno ao Vasco, clube que lhe dera projeção nacional no início da carreira. Com o passar dos meses, reparou que a falta de estrutura oferecida à época pelo clube de São Januário acabou dificultando a readaptação ao país onde nasceu.

- Tive lampejos por aqui, mas não fui consistente. Eu não consegui ser como fui na China. Fiz uma escolha de vir para o Vasco, mas acabou que as coisas não aconteceram. Quando fui para o clube, fiquei muito empolgado. Mas, quando me ambientei, entendi que não tinha feito a escolha certa. A gente sempre toma decisão tentando acertar, mas às vezes é errada, e só consegue saber disso depois, no processo. Foi o que aconteceu comigo. Você perde confiança, o torcedor pega no seu pé. Perde a cabeça também por saber que poderia render mais. Sente dores onde geralmente não sentia. Essa foi minha maior decepção, e acabei voltando para a China.

Muriqui tem a certeza de que tomou a decisão errada quando se lembra das dores que sentia na época, que o tiraram da pré-temporada e o prejudicaram na sequência pelo Vasco. Para ele, era o momento de retornar à China, mas levando o aprendizado da passagem pelo futebol carioca. Desta maneira que o preparador físico Fábio Ganime, que trabalhou com Muriqui em São Januário, passou a integrar a equipe pessoal do atleta. Entretanto, o retorno não foi tão simples:

- Como eu vinha de um período ruim aqui, eu também tive dificuldades para voltar a jogar lá. Não joguei com frequência nos seis primeiros meses. Aí contratei o Fábio e comecei a evoluir muito, e joguei praticamente todos os jogos nos últimos quatro anos. Mantive média de gols e assistências sempre com muita regularidade. Lá, não pode substituir, tem que jogar os 90 minutos. E, com 35 anos, geralmente você é poupado, mas eu sempre jogava. Foi bom para testar meu corpo, se existia alguma dúvida da minha parte, ou das pessoas que me acompanhavam, não existe mais. Desde então, não tive mais problema.

Em sua casa na Barra da Tijuca, onde recebeu a equipe do ge, Muriqui segue realizando os treinamentos com Fábio. Livre no mercado, ele está otimista com a procura por um projeto que o motive. Revelado pelo Madureira e com passagens pelo Vitória, o atleta destacou a boa forma física, e ressaltou que o Sul do país, onde atuou pelo Avaí, é visto com bons olhos.

- Eu quero jogar. Tenho lenha para queimar ainda. Minha ideia é sair do Rio. Tentar alguma coisa fora do Rio. Os clubes que a gente vem conversando são mais do Sul do país. Tenho 35 anos e preciso de um projeto que me motive. Tenho total condições de jogar, fisicamente estou muito bem. Se fisicamente estou bem, tecnicamente eu consigo jogar. É o momento ideal de voltar a jogar o Brasileiro. Acho que a possibilidade de dar certo é muito maior.

 

Foto: Luiz Gontijo/ge.globo Muriqui e o filho Gabriel em casa, no Rio de Janeiro
Muriqui e o filho Gabriel em casa, no Rio de Janeiro

Fonte: ge