Movimento de atletas conta com apoio para concretização de propostas
Centenas de jogadores, reclamações sérias e uma rede de relacionamentos forte. Essa é a fórmula do Bom Senso F.C., movimento por melhorias no futebol brasileiro, que vem dando certo. Além de aumentar o número de apoiadores a cada dia, o grupo conta com contatos que ajudam na formulação das propostas e na estratégia de comunicação.
O zagueiro do Corinthians Paulo André é o maior detentor dessas fontes. Foi ele quem contatou Washington Olivetto, sócio-fundador da agência WMcCANN, para cuidar da imagem do movimento e também emprestar o prédio da empresa como sede da primeira reunião presencial dos jogadores.
Outra parceria do Bom Senso é com a Universidade do Futebol, organização que realiza estudos sobre aspectos técnicos e de gestão do futebol. São eles quem estão ajudando o grupo com a parte mais complexa das pautas: números e estatísticas que mostrem que os pedidos de mudanças têm sentido.
O fair play financeiro, um dos cinco pontos elencados pelos jogadores para ser tratado com a CBF, deve ser o principal desafio de João Paulo Medina, idealizador da Universidade do Futebol, e quem sintetizou as exigências dos atletas nesse tema.
Apesar de ter surgido na Europa com o propósito de evitar que recursos vindo de fora do futebol desequilibrassem o jogo em si ao permitir contratações e outros investimentos, o principal objetivo do Bom Senso com o item é garantir que jogadores recebam em dia e que clubes inadimplentes sejam punidos.
– Vamos apresentar, em breve, estudos sobre isso. O nosso desafio vai ser de conciliar as exigências com leis e formas que façam a medida ser viável – explicou João Paulo Medina, aliado dos atletas.
Bate-bola
João Paulo Medina, idealizador da Universidade do Futebol
De Prima – Como surgiu a ideia de colocar o fair play financeiro na pauta?
João Paulo Medina – Nas conversas com os atletas eles falaram desse ponto. Eles querem defender quem leva o cano. Isso acontece com centenas de jogadores. O que eles querem é criar um mecanismo de garantir o recebimento do que eles têm direito.
DP – Que tipo de apoio a Universidade do Futebol está dando ao Bom Senso F.C.?
JM – Eles têm as demandas deles e o que estamos fazendo é dar conteúdo e informações para embasar as pautas que eles estão discutindo. estamos preparando alguns estudos que vão ser muito úteis nas discussões que eles terão. Queremos dar conhecimento técnico para que eles possam tomar as decisões. Vamos ter ainda muitas reuniões.
DP – Qual a ideia de vocês para viabilizar o fair play financeiro?
JM – De todos os cinco pontos elencados na reunião de segunda-feira, certamente o mais complexo é esse. Não é nada fácil de viabilizar. O que estamos sentando para discutir é justamente isso. Estamos buscando o respaldo jurídico para concretizar essa proposta. O grande nó é definir que tipo de exigência e quais garantias os atletas querem, e conciliar isso com a legislação.
DP – Já há um formato definido?
JM – Não. É o movimento quem vai definir. Nem tenho voz para dizer isso para você. Existem algumas ideias, como a de que os clubes que não estiverem em dia com os jogadores não participem das próximas temporadas. Mas ainda não há consenso. Precisa de discussão.
DP – Como você vê o movimento?
JM – Eles estão realmente preocupados com o futebol, de forma geral. Não com um ou outro. Com todos que fazem parte desse universo.
Academia LANCE!
Fernando Ferreira, especialista em finanças e gestão
‘Fair play no Brasil está sendo reduzido’
Originalmente, o fair play financeiro foi criado para evitar que clubes que tinham um volume de recursos maior, que não vinham do futebol, acabassem desequilibrando o jogo em si através de contratações muito caras. Isso foi visto na onda de xeques e magnatas russos trazendo dinheiro em quantidade para o futebol, investindo em determinados clubes e montando supertimes e desequilibrando o jogo em si.
Depois, o fair play financeiro se ampliou e passou a criar condições para o setor do futebol que permitissem uma melhor saúde financeira dos clubes. O objetivo era evitar que houvesse aquelas maluquices de clubes com prejuízos enormes para montar suas equipes, principalmente os clubes sociais, como no Brasil, clubes que não têm dono, que em geral têm dificuldade maior de ter equilíbrio financeiro. Clube que tem dono é o próprio dono que fica preocupado. Então, hoje é esse o sentido mais usado.
O que tenho percebido é que aqui no Brasil a tendência é de um certo reducionismo na definição do fair play financeiro. De duas semanas para cá tenho ouvido a questão mais relacionada à limitação dos salários em relação à receita dos clubes. Além de ser muito reducionista em relação ao conceito original do fair play financeiro, ele acaba sendo muito fácil de ser driblado.
Acho que a preocupação dos atletas é altamente legítima porque precisamos evoluir na questão. Essa conversa existe há muito tempo, mas não há nada de concreto. O Ministério do Esporte fala, a CBF convoca comissões para discutir, o Proforte vem falando do assunto, mas você não vê nada efetivamente.
O fair play financeiro no Brasil tem outras particularidades que não tem na Europa. Na Europa, o Manchester City gasta 120% da receita dele com o futebol, porque tem o xeque louco que banca tudo. O Chelsea gasta 80% enquanto que o Arsenal e o Manchester City gastam 50%. Aqui no Brasil, os clubes estão na faixa dos 60%, é um índice menor que na Itália e na Espanha e muito próximo ao da Inglaterra.
Se olharmos por esse prisma só, não é por conta disso que os salários atrasam. O nosso problema é outro. Os clubes brasileiros têm três tipos de compromissos financeiros que a maioria dos times lá fora não têm, que são pesadíssimos. Aqui, há os atos trabalhistas que chegam a levar 10% da receita dos clubes. Não existe lá fora. É uma conta passada que você tem de considerar.
Aqui, como o custo do capital é muito alto de maneira geral, as despesas financeiras são de 11% da receita, enquanto lá fora são de 3%. Cada clube tem sua situação e aí entra o terceiro ponto: os acordos com a Receita Federal, que os clubes estão fazendo por causa das penhoras, consomem uma parte substancial das receitas. No Vasco, pro exemplo, que fez acordo na semana passada, as parcelas começam em R$ 800 mil/mês e terminam em R$ 1,8 milhão/mês.
O fair play financeiro é um tema super-hiperdelicado porque é incrivelmente técnico e complexo. Eu vi algumas propostas de fair play financeiro que são bizarras, feitas por quem não é do ramo e que, se forem implantadas da maneira como se falou, quem estiver operando o balanço do clube vai conseguir driblar muito tranquilamente.
Em geral, você tem de criar uma série de indicadores que cerquem o clube mas que não engessem demais. Não adianta falar em limitar teto salarial, porque não cumpre o objetivo e não dá liberdade para o clube agir. Mas há outros limitadores que são muito bem vistos: de endividamento, de relações entre receitas e endividamento, de índice de liquidez etc.
Fonte: Coluna de Prima - Lancenet