Memória: O passado não condena
Hoje em dia, é a coisa mais normal do mundo. Mas na passagem dos anos 70 para os 80 era impossível imaginar que os dois maiores ídolos de equipes arqui-rivais, os maiores artilheiros da história desses dois clubes, pudessem vestir a camisa inimiga. Portanto, pensar em Zico no Vasco e Roberto Dinamite no Flamengo seria um delírio total. No entanto, a primeira hipótese, ainda que num jogo de festa, aconteceu, na década de 90. E a segunda esteve bem próxima de ter se tornado realidade, cujas consequências, no que diz respeito à paixão da duas imensas torcidas, não se podem prever.
No Natal de 1979, a torcida vascaína recebeu um verdadeiro presente de grego: o ídolo-mor Roberto Dinamite fora vendido ao Barcelona, da Espanha. Pior: em sua estréia pelo clube catalão, Roberto marcou dois gols. No dia seguinte, os jornais espanhóis saudaram \"El Dinamita.\" Porém, a lua-de-mel durou pouco. Sem conseguir se adaptar à nova casa, Roberto entrou em má fase e parou de fazer gols. Amargou a reserva do austríaco Krankl, esse sim, ídolo da torcida do Barça. Foi quando começou a ser propagado o interesse do Flamengo (justo ele) em sua contratação.
Dirigentes rubro-negros chegaram a viajar para a Espanha para tentar a negociação. \"Temos oitenta por cento de chance de conseguir fechar o negócio\", disse, à época, o presidente Marcio Braga (o mesmo que dirige o clube nos dias de hoje), que viajou acompanhado pelo vice Joel Tepet para Barcelona.
Mas o Vasco, que não havia conseguido um substituto à altura para o ídolo, não admitia perder Roberto para o arqui-rival. \"Se houver leilão, o Vasco cobre qualquer oferta\", disparou o então assessor da presidência vascaína, um cartola que começava a se destacar no departamento de futebol do clube, chamado Eurico Miranda (atual presidente cruzmaltino).
O Vasco mostrava que tinha cacife para repatriar o atacante. Os abastados sócios disponibilizaram os recursos necessários e Roberto voltou a São Januário, nos braços da torcida. Em sua reestréia, marcou os cinco gols da vitória vascaína por 5 a 2 sobre o Corinthians, no Maracanã. Ele estava de volta, parecia um sonho. Mas, por pouco, teria sido um pesadelo para os vascaínos, que teriam o desprazer de ver Roberto com a camisa rubro-negra. Sem poder contar com Roberto, o Flamengo contratou o centroavante Nunes ao Monterrey, do México - coisa que, o futuro demonstraria, acabaria dando certo.
Mas anos depois, justamente na despedida de Roberto do futebol profissional, a torcida viu Zico envergar a camisa cruzmaltina. Era uma coisa tão improvável que, anos antes, chegara a inspirar um dos versos do vascaíno Eramos Carlos na música \"Pega na Mentira\" (\"Zico tá no Vasco, com Pelé...\"). Mas no dia 24 de março de 1993, no amistoso entre Vasco e Deportivo La Coruña, da Espanha, no \"adeus\" ao Dimanite, Zico vestiu a camisa cruzmaltina de número 9 no Maracanã. Atuou no primeiro tempo, trocou passes com Roberto, mas não fez gol (suprema heresia da qual a galera rubro-negra se livrou).