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Marcelo Mattos desabafa em meio à rotina de antibióticos e fisioterapia

Quem vê Marcelo Mattos hoje pode tomar um susto inicialmente. Primeiro por causa do joelho cheio de cicatrizes e ainda um pouco inchado devido às cinco cirurgias desde que o ligamento cruzado anterior foi rompido, em setembro de 2016. Mas o que mais chama atenção é o braço esquerdo, que carrega um dispositivo intravenoso por onde ele toma antibióticos há três meses e meio para combater uma bactéria que estava prejudicando sua recuperação.

Não está fácil o dia a dia do volante de 34 anos. Há dois anos e dois meses sem poder fazer o que mais gosta, ele acumula frustrações nesse processo para voltar a jogar futebol e tem de encontrar forças para se motivar constantemente. A mente forte não permitiu que ele desistisse.

Foto: Ivan RauppMarcelo Mattos e o PICC, sigla em inglês para cateter central de inserção periférica, por onde toma
Marcelo Mattos e o PICC, sigla em inglês para cateter central de inserção periférica, por onde toma

 

"Meu sonho agora é estar no Maracanã cheio, com minha família toda na primeira fila. Será o meu sonho realizado completamente no futebol"

Ainda não é possível precisar quando Marcelo Mattos estará pronto para retornar aos gramados. A ideia do próprio é que seja no primeiro semestre de 2019. Praticamente sem dores e mergulhado de cabeça na fisioterapia, ele concedeu entrevista exclusiva ao Esporte Espetacular e mostrou muito carinho pelo Vasco. O contrato atual com o clube vence no fim deste ano.

- Quero muito contribuir com o Vasco, poder retribuir um pouco de tudo o que eles me deram. Seria uma forma de agradecimento. Dentro de campo, vestindo essa camisa, independentemente de dinheiro. Quero poder voltar a jogar e a vestir essa camisa. (...) Se o Vasco me der dois meses a mais...

Foto: Arquivo pessoalO joelho direito de Marcelo Mattos após uma das cirurgias em 2018; com e depois sem os pontos
O joelho direito de Marcelo Mattos após uma das cirurgias em 2018; com e depois sem os pontos

Entenda as cinco cirurgias

O drama de Marcelo Mattos começou no dia 19 de setembro de 2016. Em uma disputa de bola com o atacante Jorge Henrique, acabou rompendo o ligamento cruzado anterior do joelho direito e passou pela primeira cirurgia. A estimativa de retorno era de seis a nove meses, mas três meses e meio depois ele já estava fazendo o primeiro treino, com bola, junto com os companheiros, durante a pré-temporada no Estados Unidos.

O volante começou a sentir dores, procurou um médico fora do clube, o Dr. Moisés Cohen, e posteriormente passou pela segunda cirurgia, para raspagem e reforço do tendão quadricipital. Mattos se tratou ao longo de 2017, mas as dores continuaram. Sem sentir firmeza no joelho, procurou outro médico, o Dr. Renê Abdalla, e passou pela terceira cirurgia em janeiro de 2018, para nova raspagem.

Com dificuldade na cicatrização por conta do acúmulo de líquido fora da articulação do joelho (embaixo da pele), teve de se submeter à quarta cirurgia para a sutura das fístulas. Mas o líquido continuou acumulando por culpa de uma bactéria, a Staphylococcus caprae, que não se sabe quando foi adquirida. Por isso há três meses e meio ele passou pela quinta cirurgia, para limpar essas impurezas, e desde então vem tomando antibiótico na veia. O dispositivo foi adotado para que ele não precisasse ficar todo esse tempo no hospital.

Mágoas e responsabilidades

Nesta entrevista exclusiva, Marcelo Mattos mostrou certo ressentimento em relação a Jorge Henrique. Muito mais pelo que (não) aconteceu depois do que pelo lance que ocasionou a lesão em si.

"Faz dois anos. Não recebi uma ligação (do Jorge Henrique), uma mensagem durante esse período"

- Eu treino e jogo do mesmo jeito, dando o máximo sem machucar ninguém. Eu roubei a bola dele e fui sair, aí por trás ele chutou meu joelho. Eu estava com travas altas, a perna ficou presa e rompeu o meu ligamento. (...) Depois ele pediu desculpa. Mas tem dois anos aí que não recebo uma mensagem dele. Mas está tudo bem. Vida que segue. Talvez não sinta vontade de falar comigo. Não tem problema.

Na época da segunda cirurgia, Mattos chegou a questionar o fato de ter voltado muito antes do previsto aos treinos. O responsável foi o então gerente científico do Vasco, Alex Evangelista, que hoje está no Japão. O volante segue incomodado, mas prefere não se aprofundar no caso.

"É uma cirurgia que leva seis meses, às vezes mais, e eu levei três meses e 15 dias para retornar aos treinos. Aí que começou a desenvolver todo esse meu problema. Mas não vou ficar guardando essa mágoa"

Período de recuperação
- Foram dois anos de muito aprendizado, de luta, de querer vencer a mim mesmo, de estar para baixo num dia e no outro ter forças para se levantar. Está sendo uma grande oportunidade de aprender a como superar a dor, os obstáculos, os seus limites. Tenho certeza que um dia vou realizar meu sonho, que é voltar a jogar futebol.

Dores
- Se eu disser que não sinto dor em momento nenhum, seria mentira. Mas essa dor é controlada pela minha mente. A cada dia estou evoluindo.

Chamado de mercenários nas redes por alguns
- É difícil, porque é o contrário disso tudo. Se eu fosse mercenário mesmo, receberia muito bem, se fosse um come-dorme. Isso não é alegria para quem joga futebol. A gente quer vir, trabalhar, ganhar títulos, treinar, não quer ficar em departamento médico.

Situação difícil do Vasco
- Eu também me sinto responsável por essa situação, porque sei que eu poderia estar contribuindo. Me faz mal ver os jogos, então às vezes é melhor só esperar o resultado, torcendo. É complicado quando vou ao jogo, quando vou à reunião dos jogadores.

Foto: Ivan RauppEntrevista com Marcelo Mattos no CT do Almirante
Entrevista com Marcelo Mattos no CT do Almirante

Inspiração em Dedé
- Ver o Dedé saltando daquele jeito e dando uma cabeçada daquelas... Ele já está na seleção brasileira. Imagina o que ele passou, sozinho, indo para a casa dele, sentindo dor no joelho. Mas sempre acordando e indo atrás. Foi resolver o problema. Temos que dar os parabéns a ele pela força de vontade, dedicação, por sempre acreditar. Quero também ter um final como ele teve, dando sequência em alto nível. Ninguém segura o Dedé.

Futuro pós-futebol
- Me imagino fazendo todos os cursos da CBF para me tornar treinador, e com essa experiência que vivi... O que vou poder ajudar de jogador, a montar um grupo. Trabalhei com o Tite, que tem muito essa característica de grupo, essa coisa de estar junto. Sou assim também.

Agradecimentos
- Só agradecer ao Vasco, aos profissionais que estão no dia a dia comigo, pela paciência. Aos meus companheiros de trabalho. Queria estar bem mais próximo deles. Aos torcedores, um pedido de desculpa por estar tanto tempo fora sem poder ajudar. Não é culpa minha. Sempre procurei dar meu máximo. Espero ainda dar a volta por cima e comemorar um título com essa torcida maravilhosa.

Jorge Henrique e Alex Evangelista respondem

Procuramos os dois para a conclusão desta matéria. O atacante, hoje no Figueirense, não quis gravar entrevista, mas enviou uma nota. Veja na íntegra:

"Em primeiro lugar, desejo que o Marcelo melhore e retorne o mais rapidamente possível. Quero ver alegria no rosto dele, jogando e fazendo o que gosta. Mas, como foi a segunda vez que o episódio da contusão foi citado por ele, publicamente, resolvi esclarecer.

A entrada dura que acertei o Marcelo, durante um treino, ainda no Vasco, foi um revide. A entrada que ele me deu, minutos antes, foi tão ou mais forte, mas tive mais sorte. Poderia ter machucado também. A intenção não era essa, mas o risco existe em cada entrada.

Durante minha carreira sofri muito com lesões por entradas violentas recebidas e, no entanto, não recebi ligações de meus colegas de trabalho para saber se estava bem. Nem por isso os citava nas entrevistas. Marcelo sempre foi marcador e sempre chegou firme. Se ele ligou, preocupado, para cada atleta que, porventura, tenha tirado de atividade, que sirva de exemplo para mim e para outros atletas.

Volto a desejar que ele melhore rápido, pois sei exatamente o que representa para um atleta sofrer por conta de uma lesão e peço desculpas por todo sofrimento causado. Espero que ele se livre da mágoa, pois faz mal a ele e que saiba que Deus sabe de todas as coisas. Às vezes, precisamos passar por certas situações e temos que aprender a aceitá-las".

Alex Evangelista, que atualmente trabalha no Urawa Red Diamonds, gravou um vídeo direto do Japão para dar sua versão sobre a polêmica liberação de Marcelo Mattos após a primeira cirurgia. Assista:

Fonte: (ge)